Sexta-feira, 29 de Março de 2024

Vultos, ruídos e uma porta secreta: as lendas do Edifício Itapoã, no centro de PG

2020-02-28 às 12:30

Por Michelle de Geus | Fotos: Igor Rosa

Talvez você não saiba, mas já existiu um cemitério no local onde hoje se encontra a Praça Barão de Guaraúna, no Centro de Ponta Grossa. Trata-se do antigo Cemitério São João, fundado em 1811 ao lado de uma pequena capela dedicada a São João Batista. Em razão do crescimento da cidade, os corpos que estavam no cemitério foram transferidos para outro campo santo, o São José, que começou a ser utilizado em 1881. Tempos depois, foi erguida no local a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, mais conhecida como Igreja dos Polacos.

Por causa da proximidade com o antigo cemitério, vários prédios do entorno ficaram com fama de “mal-assombrados” no imaginário popular, mas nenhum supera o Edifício Itapoã nesse quesito. Construído no final da década de 50, o prédio está situado bem em frente à praça e é cercado de lendas. Nas redes sociais e nas salas comerciais do próprio edifício, circulam histórias de pessoas que escutaram ruídos, viram vultos e viveram experiências, digamos, inusitadas no local.

“Tenho certeza que ali [no Edifício Itapoã] tem algo que não é humano” (Gisele Linhares)

Coisas estranhas
Denise Kobinski trabalha há apenas oito meses no Itapoã e garante que já presenciou diversas situações “estranhas”. “Já vi portas baterem sem motivo, coisas que caem sem querer, sons estranhos. Alguns dias atrás, eu estava na cozinha com um copo de café e do nada ele caiu como se alguém tivesse batido na minha mão para derrubar”, conta. Denise observa ainda que ficou sabendo do antigo cemitério que existia no local por meio de comentários de outras pessoas. “Não senti medo, mas fiquei pensando a respeito. Aí a imaginação rola solta”, confessa, entre risos.

Gisele Linhares trabalha há cinco meses no edifício e também já tem algumas histórias para contar. “Eu sou a primeira pessoa a chegar no meu andar. Ouço passos no corredor, vejo coisas caírem sem ninguém tocar e frequentemente tenho a sensação de que não estou sozinha”, revela. “As minhas colegas contam que, um ano atrás, quando voltaram de férias, a geladeira estava toda riscada, e as marcas estão lá até hoje. Tenho certeza que ali tem algo que não é humano”, afirma.

“Eu trabalhava no primeiro andar e o corredor era muito escuro e sinistro” (Vanessa Manosso)

Porta secreta
Vanessa Manosso trabalhou por alguns meses no Itapoã quando tinha 15 anos, em 1995. “Às vezes, eu escutava uns ruídos. Eu trabalhava no primeiro andar, e o corredor era muito escuro e sinistro. Nunca parava ninguém nesse andar, e as salas estavam sempre vazias”, recorda. Mas a coisa mais estranha que ela viu no prédio foi uma “porta secreta” escondida atrás de um armário. “Só descobri porque o meu chefe entrou lá e eu vi a porta se fechando. Queria muito saber o que tem atrás daquele armário, se tem saída para algum lugar, e para que finalidade aquela porta foi feita”, comenta.

Balança, mas não cai
As histórias que envolvem o Edifício Itapoã são antigas. Ainda adolescente, em 1968, Agnaldo Silva fez um curso de datilografia no local e até hoje se lembra de que sentia o prédio tremer. “Às vezes, eu tinha a impressão de que tremia tudo. Lembro que os meus colegas de sala tinham a mesma sensação. Nós tínhamos medo até da cor do edifício, que na época era escura e meio fantasmagórica”, relembra. Agnaldo relata ainda que só foi entender por que não se sentia bem no local quando descobriu que existira um cemitério nas proximidades. “Hoje eu sei que aquilo que eu presenciei no passado era bem real”, afirma.

Janete de Lima, que trabalhou durante um ano e meio no Itapoã, acredita que os relatos sobre a instabilidade do edifício são apenas fruto da imaginação. “O pessoal da limpeza, os porteiros e os outros funcionários diziam que o prédio balançava e, por influência, eu acabava até sentindo, mas nada concreto. Na verdade, eu tinha até um pouco de medo do elevador”, confessa. Janete, porém, faz uma ressalva: o medo que sentia vinha mais dos comentários que escutava de outras pessoas do que do prédio em si. “Acho que era só conversa fiada”, despista.

“[O Edifício Itapoã] sempre foi um lugar muito tranquilo, pelo menos para mim” (Dejanira Tibúrcio)

Um lugar tranquilo
As visitas da enfermeira Dejanira Tibúrcio no Itapoã foram frequentes na década de 80. “O nosso sindicato ficava no Itapoã e todos os convênios com salão de beleza, médicos e dentistas se concentravam ali. Sempre foi um lugar muito tranquilo, pelo menos para mim”, opina. Apesar de não ter visto nada de sobrenatural, ela acredita que existe algum mistério envolvendo o local. “Nós tínhamos reuniões de sindicato que se estendiam pela noite, então acho que, por ficarem sabendo dessas histórias, as pessoas acabavam idealizando isso. Sinceramente, eu gostaria de ter visto ou ouvido algo. Eu amo essas histórias”, admite.

O dentista Newton Saad trabalha há 15 anos no local e nunca presenciou nada fora do normal. “Eu não tive essa sorte”, brinca. Newton relata que, durante todo esse tempo, nunca sentiu medo ou qualquer tipo de desconforto no edifício. “A gente tem que ter medo dos vivos, não dos mortos”, pondera. Entretanto, ele revela que já ouviu muitas histórias contadas por outros funcionários do prédio. “Principalmente os porteiros, que trabalham à noite, escutam muitas coisas, mas não sei se por autossugestão ou apenas por imaginação”, conclui.

Vista do Edifício Itapoã. Onde hoje se encontra a Praça Barão de Guaraúna ficava o Cemitério São João

O cemitério
De acordo com o Padre Ademir da Guia Santos, da Diocese de Ponta Grossa, a capela que ficava ao lado do antigo Cemitério São João era simples, com paredes de taipa, sem forro ou assoalho. Uma de suas funções era justamente servir de local para funerais. “Era costume na época que os cemitérios ficassem ao lado ou atrás das igrejas, e aqui em Ponta Grossa não poderia ser diferente”, explica. A prática era usada para aproximar os católicos dos santos e garantir que os mortos fossem sepultados em local sagrado.

O Cemitério São João chegou a ser o mais utilizado de Ponta Grossa, tendo sido desativado em 1890. “O principal fator foi o crescimento demográfico da cidade. Não havia mais terrenos disponíveis e nem possibilidade de ampliação. A opção foi construir um novo cemitério, mais afastado da região central, o atual cemitério São José”, conta o sacerdote. A capela que existia no local também foi demolida, e em seu lugar foi construída a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, popularmente conhecida como Igreja dos Polacos.

Símbolo de crescimento
Imune às superstições, o Edifício Itapoã sobrevive há quase 70 anos como um dos símbolos do crescimento e do desenvolvimento de Ponta Grossa. As lendas e causos ficam apenas no imaginário popular. Da mesma forma, o Cemitério São João, embora desativado há mais de 100 anos, permanece na memória como o primeiro e um dos mais importantes campos santos da história do município.