Terça-feira, 23 de Abril de 2024

Promissor ou ineficaz? Farmacêutico da UEPG avalia o papel da cloroquina no combate ao coronavírus

2020-04-01 às 11:04

Nas últimas semanas, uma palavra diferente começou a fazer parte das conversas dos brasileiros. O medicamento chamado cloroquina vem sendo divulgado como uma grande promessa de tratamento contra o coronavírus. Será que a substância pode ser eficaz no combate à COVID-19?

A cloroquina é um medicamento já amplamente utilizado no tratamento de malária, lúpus e artrite reumatoide que se mostrou promissor no combate à COVID-19. “Dentro da história da medicina e do tratamento das doenças há vários casos de medicamentos que foram desenvolvidos para tratar uma enfermidade específica e acabaram sendo também aplicados em outras situações”, explica Bruno Rodrigo Minozzo, farmacêutico e professor do curso de Farmácia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). 

De acordo com Minozzo, a partir da demonstração de que a cloroquina funciona em outras doenças virais é que se teve a ideia de testar a droga contra o coronavírus. Ele alerta que, embora os resultados sejam animadores, é preciso ter cautela. “Os trabalhos são inconclusivos e não temos dados suficientes para dizer que a cloroquina é efetiva para o tratamento de COVID-19. O que temos de informações veio de estudos feitos com um número reduzido de pacientes”, comenta, fazendo referência a uma pesquisa francesa divulgada no dia 19 de março, com apenas 26 pacientes.

Busca desenfreada

A possibilidade de a cloroquina ser efetiva no combate ao coronavírus fez com que parte da população comprasse o medicamento sem indicação médica, deixando as farmácias desabastecidas. “Muitas pessoas compraram a cloroquina imaginando que ela pode impedir o contágio pelo vírus, mas ela não tem esse potencial de prevenção”, observa Minozzo.

Devido ao aumento da procura pelo medicamento, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) colocou, no último dia 20 de março, a cloroquina na categoria dos produtos controlados, que só podem ser vendidos com a apresentação de receita médica. A medida foi tomada para tentar impedir o uso irresponsável e proteger os pacientes que estão em tratamento contínuo, pois a falta da droga pode acarretar em problemas sérios no controle dessas doenças.

“Precisamos ter um pensamento coletivo. A cloroquina tem indicação específica para outras enfermidades e o seu uso no tratamento do coronavírus é bastante inicial. Antes de tomar uma atitude desesperada, procure um profissional de saúde e converse com o farmacêutico”, orienta Minozzo.

Farmácias desabastecidas

Nas redes sociais, o publicitário Guilherme Dias se mostrou preocupado com a falta do medicamento. “A avó da minha esposa toma a cloroquina há 10 anos e não encontramos o medicamento em nenhuma farmácia de Ponta Grossa ou de Curitiba”, frisa. Ela tem artrite reumatoide e faz uso contínuo da substância para o tratamento da doença. 

“Eu postei nas redes sociais e, por acaso, um conhecido, que havia parado de tomar o medicamento há pouco tempo, ainda tinha uma caixa fechada e me deu”, conta. Ele já prevê que no próximo mês enfrentará mais problemas para conseguir a cloroquina. “Ainda não sei como vai ser no mês que vem. Eu estou mobilizando alguns amigos para conseguir o medicamento diretamente dos laboratórios, mas até agora sem sucesso”, relata.

Perigos da automedicação 

Minozzo enfatiza que a cloroquina pode ser tóxica para o organismo quando não usada da forma adequada. “A toxidade depende muito da dosagem. A intoxicação acontecer pela ingestão de uma quantidade muito grande do medicamento de uma única vez ou a longo prazo com doses menores”, explica. Entre os efeitos colaterais, estão problemas cardiovasculares e lesões na retina. 

“É importante deixar bem claro que a automedicação não é recomendada. A cloroquina pode causar arritmia cardíaca, um perigo para quem tem problemas no coração. Com o uso indiscriminado, existe o risco de vermos pessoas sendo internadas, não por coronavírus, mas intoxicadas com cloroquina”, alerta.

Uso restrito para pacientes em estado grave

Na última sexta-feira (27), a Anvisa autorizou o uso da cloroquina no tratamento de COVID-19, mas apenas para pacientes hospitalizados e em estado grave. “É medida desesperada na tentativa de colocar alguma coisa na linha de frente para o combate ao coronavírus e enxergar uma possibilidade de tratamento”, avalia o farmacêutico. Ele reforça que a medicamento será distribuído pelo Ministério da Saúde apenas para pacientes internados, em casos considerados graves e sob orientação médica. 

Novos estudos

Os resultados promissores da cloroquina no tratamento da COVID-19 mobilizaram diversos pesquisadores. Minosso conta que um estudo coordenado no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com colaboração internacional, vai testar o medicamento em um número maior de pacientes. A pesquisa será realizada em 18 hospitais de 12 estados brasileiros, e a expectativa é que, apenas no Rio de Janeiro, pelo menos 1.200 pacientes participem do estudo. 

Para Minozzo, os esforços em vários países ao mesmo tempo pode fazer com que os resultados apareçam mais rápidos. “Nas próximas semanas, talvez surjam estudos de relevância internacional para avaliar qual tratamento tem mais eficácia, qual medicamento é o mais efetivo e qual a posologia correta”, prevê.

Afinal, o que é a cloroquina?

A cloroquina existe há mais de 80 anos e foi desenvolvida como um medicamento antimalárico. Ela é obtida por meio do princípio ativo de uma árvore que os povos indígenas utilizavam para tratamento de febres relacionadas a algum tipo de doença. A partir dessa observação e da modificação química da molécula é que se chegou na cloroquina. Desde 1955, também é produzido um derivado menos tóxico, a hidroxicloroquina. 

Por Michelle de Geus | Imagens: Reprodução/Nexo Jornal