Sexta-feira, 19 de Abril de 2024

Debatedores respondem: Ponta Grossa ainda é uma cidade “tradicionalista”?

2020-10-18 às 10:07

Por muito tempo se ouviu dizer que Ponta Grossa era controlada por umas poucas famílias de sobrenomes importantes ou por políticos e empresários chamados, por muitos, de “barões”. Com 197 anos de emancipação política, o respeito à história local, por vezes, se confundiu com um culto ao passado, e a fama de ser uma cidade excessivamente “tradicionalista” pegou. Tanto é que a fidelidade às lojas e empresas locais sempre foi um ponto destacado por empresários vindos de fora que falavam sobre a dificuldade de se estabelecer em Ponta Grossa. Mas será que a cidade ainda é assim? Com as novas ondas de revolução pelas quais passam determinados setores da economia, com a chegada de dezenas de grandes indústrias e empreendimentos, e com uma rede de ensino superior tão fortalecida, que atrais centenas de universitários ano após ano, ainda há espaço para esse suposto tradicionalismo? Conversamos com dois empresários e dois professores para saber o que eles pensam a respeito.

O MELHOR DE DOIS MUNDOS

(Foto: Divulgação)

“A nossa cidade passa por uma grande transformação, impulsionada pela nova onda de industrialização, pelo agronegócio e pela atração de famílias em busca de maior qualidade de vida, o que, garanto, consegue proporcionar. Do ponto de vista do mercado imobiliário, que é a área onde me atrevo a opinar, podemos dizer que, sim, Ponta Grossa continua sendo uma cidade tradicionalista, e também que não, já não é mais aquela cidade tão tradicionalista, no sentido de conservadora. Explico: a nossa gente preza pelo cumprimento de seus compromissos, valoriza o patrimônio formado com muito esforço e é muito cautelosa na escolha de seus investimentos. Por outro lado, nessa nova era que vivemos aqui, nos tornamos mais empreendedores e ousados, e acreditamos que a nossa população está preparada para receber e consumir o que há de melhor nos setores comerciais e de serviços. Não precisamos ir longe para constatar o número de operações nacionais instaladas em nossas avenidas e perceber o nível dos serviços médicos e odontológicos, só para citar alguns, que atingimos. Então, penso que vivemos o melhor de dois mundos: o tradicionalismo nos compromissos e a ousadia nos negócios”

Carlos Ribas Tavarnaro, empresário do setor imobiliário

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CIDADE PLURAL

(Foto: Divulgação)

“Essa fama está muito atrelada à nossa construção histórica e identitária. Toda a região dos Campos Gerais está assentada na ideia do latifúndio, da posse de terra na mão de pouquíssimas pessoas. E isso desde o período colonial, das sesmarias, e depois com a chegada da soja e das grandes fazendas. Essa oligarquia local, politicamente, representava os seus interesses a partir de suas lógicas de vida, percepção de sociedade e da economia. Porém, eu defendo uma tese de que Ponta Grossa é uma cidade plural, de encontros e de heterogeneidade. Por aqui passou o Caminho do Peabiru, foi caminho de jesuítas e rota dos tropeiros, culminando na chegada da linha do trem, que trouxe diversos profissionais e imigrantes. Ou seja, existem múltiplas identidades no município que enfrentam e desconstroem essa ideia de cidade conservadora. Basta lembrar que os operários ponta-grossenses foram uns dos que mais aderiram à Greve Geral de 1917. Ou seja, à medida que a gente olha para essa cidade que não aparece no retrato e não é nome de avenida, a gente começa a descobrir uma série de identidades que são tão importantes quanto as mais tradicionalistas”

Felipe Soares, professor e historiador

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MUDANDO PARA MELHOR

(Foto: Divulgação)

“Ponta Grossa já foi muito mais tradicionalista. Os meus antepassados, de ambos os lados da família [Wagner e Degraf], estão na cidade desde o início do século passado. E era comum antigamente, ao conhecermos alguém, surgir a pergunta ‘de que família você é?’. Essa pergunta está fazendo cada vez menos sentido. Até bem pouco tempo atrás, entrávamos nos bons restaurantes da cidade e conhecíamos praticamente todo mundo, ao menos de vista. Hoje vemos cada vez mais pessoas novas circulando. Acredito que a grande mudança começou há pouco mais de 20 anos, com a vinda de algumas grandes empresas e indústrias. Isso trouxe para cá muitas pessoas diferentes, e tem sido potencializado com mais investimentos que a cidade recebe de fora. Ainda há muitos que não são apenas ponta-grossenses, mas também ‘ponta-grossauros’, pessoas com mentalidade mais retrógrada, porém tem cada vez menos gente assim. Mas eu sempre digo que a nossa cidade está mudando para melhor, graças à atuação de três tipos de pessoas: os filhos e netos de famílias que estão há décadas na cidade; as pessoas que vieram de fora recentemente; e um ou outro dos mais antigos que também abraçou as mudanças”

Daniel Wagner, empresário do setor hoteleiro

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FALSO TRADICIONALISMO

(Foto: Divulgação)

“O que o senso comum chama pelo nome de tradicionalismo é, o mais das vezes, mera manutenção de relações de poder injustas. Esse equívoco é que confere ares de legitimidade a um projeto de exclusão ainda muito presente em nossa cidade, mediante a invocação de um passado de falsos consensos, posto que construídos sobre a asfixia de vozes minoritárias e discordantes. A ideia reacionária segundo a qual o que vem de fora ameaça as nossas tradições atende somente a parte do empresariado local, que busca preservar os seus monopólios ‘tradicionais’, entre eles o do poder político. Cultivado por elites esclerosadas, esse falso tradicionalismo não está nem aí para o patrimônio histórico, natural e cultural da cidade. Por isso, melhor seria a sua morte. Quanto ao tradicionalismo cultural, não se enganem, o que o ameaça não é o cosmopolitismo, que oxigena a tradição, mas, sim, a sua submissão ao império do dinheiro, por efeito do ilusionismo de sua insígnia: uma ideia de progresso que, ironicamente, vem do século 18”

Marco Aurélio de Souza, professor e escritor

Por Eduardo Godoy | Foto: Reprodução / Wikipedia