“Todo indivíduo tem direito de consentir ou recusar propostas de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico que tenham potencial de afetar sua integridade físico-psíquica ou social. O consentimento deve ser dado livremente, após completo esclarecimento sobre o procedimento, dentro de um nível intelectual do paciente; renovável e revogável. E o consentimento apenas é aceito quando possui informação, competência, entendimento e voluntariedade”. O texto foi retirado do artigo Bioética: O princípio da autonomia e o termo de consentimento livre e esclarecido, da mastologista Adriana de Freitas Torres e publicado no site do Conselho Federal de Medicina, e também está diretamente ligado ao que prevê um projeto de lei, o de 479/2021, protocolado na Assembleia Legislativa do Paraná pela deputada Mabel Canto (PSC).
Ele diz respeito ao acesso à esterilização voluntária, disciplinando a prática da esterilização cirúrgica prevista na Lei Federal n. 9.263, de 12 de janeiro de 1996 sobre planejamento familiar. Em outras palavras, pretende atualizar e regulamentar itens da legislação federal para que a mulher, depois dos 25 anos, possa decidir, sem precisar da autorização ou anuência do marido ou companheiro, com filhos ou não, se quer se submeter à cirurgia de laqueadura, ou a esterilização cirúrgica. A proposta também prevê a realização de cirurgia de laqueadura durante a realização do parto cesariana.
“Recebo diariamente inúmeras reclamações de mulheres que não estão conseguindo realizar a cirurgia de laqueadura durante a cesariana, embora o planejamento familiar seja um direito constitucional. Por falta de atendimento, elas acabam sendo obrigadas a agendar novas consultas e atendimentos após o parto, e quando eles são marcados, muitas já estão grávidas novamente, sem terem o seu direito efetivamente assegurado”, comentou Mabel Canto.
Atualmente, além de impor idade mínima de 25 anos ou dois filhos como condição para a esterilização voluntária, a legislação fixa um prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, para que o cidadão seja aconselhado por uma equipe multidisciplinar, a fim de desencorajar a esterilização precoce.
A esterilização cirúrgica como método contraceptivo, no Brasil, só pode ser executada por laqueadura tubária, vasectomia ou outro método cientificamente aceito, sendo vedada por meio de histerectomia (remoção do útero) e ooforectomia (remoção dos ovários). E a mulher ou o homem somente poderá realizar a esterilização cirúrgica com a anuência do cônjuge, só sendo dispensada em alguns casos específicos, por exemplo, permite a esterilização voluntária em caso de risco à vida ou à saúde da mulher ou do bebê.
Na proposta, à mulher em sociedade conjugal para fazer o procedimento de esterilização bastará a “cientificação do cônjuge, dispensada sua anuência, desde que preenchidos os demais requisitos. Caso haja recusa do cônjuge (no caso, o marido) para a realização do procedimento, ou qualquer ação coercitiva que busque impedir a mulher de exercer o direito à esterilização, será considerada violência sexual, prevista na Lei Maria da Penha.
Já no caso dos requisitos a serem atendidos, prevê o projeto, a gestante poderá solicitar a realização de laqueadura durante o parto cesariano, desde que, ao longo do pré-natal, passe pelo processo de conscientização, esclarecimento e informação sobre outros métodos contraceptivos menos invasivos e da irreversibilidade da esterilização.
Caso seja aprovada a proposta, e a lei for descumprida, a multa para os estabelecimentos será de 100 UPF/PR (cem vezes a Unidade Padrão Fiscal do Paraná), aplicada em dobro em caso de reincidência. Uma UPF/PR, no mês de outubro, equivale a R$ 117,20. Também ficam sujeitos ao pagamento de multas os profissionais de saúde. Nesse caso, o valor será de 10 UPF/PR (dez vezes a Unidade Padrão Fiscal do Paraná), aplicada em dobro em caso de reincidência.
“Há cerca de 25 anos o Brasil deu um grande avanço na consolidação do direito ao planejamento familiar. Por meio da Lei Federal nº 9.263/1996 foram estabelecidas premissas para a garantia de diversas ações, de programas e de políticas públicas que convergem para a “garantia dos direitos iguais de constituição, limitação ou aumento dos filhos pela mulher, pelo homem ou pelo casal. Passado um quarto de século de sua publicação, faz-se necessário promover, ainda que em sede de regulamentação limitada ao estado do Paraná, uma atualização aos ditames da referida lei”, justifica o texto. “É inegável a importância do tema, cujo debate deve ser fomentado com a realização de audiências públicas para se ouvir a sociedade, especialistas e demais interessados nestes assuntos, até para que o texto possa ser aprimorado”, finaliza a justificativa da matéria.
A proposta precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça antes de seguir para as demais Comissões temáticas da Assembleia Legislativa do Paraná e seguir para votação da proposta no plenário.
da ALEP