Domingo, 15 de Dezembro de 2024

Coluna Draft: ‘Lula-Alckmin: O vale-tudo eleitoral!’, por Edgar Talevi

2021-11-08 às 11:00

Política se faz com a cabeça, não com o fígado”, diz o afamado ditado, símbolo do pragmatismo eleitoral brasileiro. Não à toa convergências antes impossíveis de serem construídas nos corredores do Congresso Nacional tornam-se cada vez mais úteis à retórica de partidos fisiológicos que, em vez de evocarem uma agenda programática para o Brasil, alinham-se aos arroubos do galanteio da perpetuação do status quo de seus atores que ensejam o culto à personalidade, ao modelo Stalinista.

Percebamos pela história da incipiente democracia brasileira, desde a primeira conquista de poder de Luís Inácio Lula da Silva, quando este, à revelia da parte mais à esquerda do próprio partido, contratou o publicitário Duda Mendonça para cuidar da propaganda política do PT, na eleição presidencial de 2002. Não obstante, o outrora sindicalista, militante das causas operárias, cedeu espaço em sua vice ao empresário José Alencar (PL), conquistando quase 53 milhões de votos.

Já no poder, o PT costurou acordo com seu arquirrival PSDB, retirando as assinaturas de seus parlamentares do recurso 249/02, para que o Projeto de Lei 6295/02, que garantia o foro privilegiado para autoridades no exercício de função ou mandato público, fosse levado a plenário. O acordo garantiu uma minirreforma tributária, de aproximadamente R$ 1 bilhão de reais, dinheiro extra aos cofres do governo. Ali estava um notável exemplo do toma-lá-dá-cá.

Destarte, outro fator de comprovado pragmatismo, é a manutenção do superávit primário, criticado pelo PT desde sua fundação, em 1980, mas que sempre esteve avalizado e respeitado pelos governos petistas.

Chegado o episódio do Mensalão do PT, Lula, mais do que nunca, buscou refúgio no poder da bancada do PMDB (MDB), que possuía como “cacique” seu eterno Presidente do Senado, José Sarney. O apoio ao ex-presidente da República e Senado se deu em meio às investigações que levaram a acusações contra Sarney, tornadas públicas pela grande mídia. Lula, usando e abusando de sua retórica, em discurso durante a posse do novo Procurador-Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel, clamou ao Ministério Público que “pensasse” na “biografia” de quem está sendo investigado, em claro apoio ao Presidente do Senado. De acordo com o ex-presidente Lula, a Instituição do MP não teria o direito de cometer erros, condenar, porque no Brasil as pessoas são condenadas antes. Como se viu, José Sarney, e seu antigo PMDB deram sustentação ao “companheiro” de modo que o mensalão sangrou, mas não derrubou o governo.

No atual cenário político, em tempos de Bolsonaro, as vicissitudes se repetem e as divergências não repelem os antigos adversários. Parece que vale tudo para se obter poder. Lula, com reconhecido poder de articulação, engaja políticos de diversos partidos em torno de sua candidatura em 2022. A arquitetura da eleição é pensada de forma a compor o maior número de apoiadores, angariando nichos eleitorais específicos em locais estratégicos. Mas, dificilmente se vê uma agenda propositiva para o Brasil. O poder pelo poder dá a tônica na busca por apoios, sem que haja um auspicioso arcabouço de projetos macroeconômicos e sociais capazes de revigorar as contas públicas e aplacar a vulnerabilidade de milhões de brasileiros.

É neste contexto que surge a hipótese de uma chapa Lula-Alckmin (adversários em 2006), para a disputa da majoritária Presidencial em 2022. A ideia partiu de Márcio França e, ao que parece, ganha adesão dia a dia nos arredores do poder. Seguindo o raciocínio de França, ao desistir da disputa pelo governo de SP, Geraldo Alckmin abriria espaço para que França disputasse o Palácio dos Bandeirantes com totais condições de vencer a eleição, permitindo, ao mesmo tempo, que a rejeição do lulopetismo no Estado de São Paulo fosse amenizada pela composição com Alckmin. Isso, talvez, pudesse “resolver” a eleição Presidencial em primeiro turno, conforme pensam outros articuladores da ideia. Ademais, Lula teria dito, segundo a jornalista Thaís Oyama, que Alckmin é “o único tucano que gosta de pobres”.

O ex-prefeito de São Bernardo e presidente do PT paulista, Luiz Marinho (PT), admite a possibilidade de uma chapa entre Lula-Alckmin nas eleições do ano que vem, mesmo a despeito da antiga rivalidade entre ambos. Outros integrantes do PT identificam como viável a composição apenas no segundo turno, mas não descartam a aliança logo no primeiro.

A base para a articulação para lá de curiosa-indigesta-pragmática não seria a preocupação com o mercado, visto pelo ex-presidente Lula como atrelado a Bolsonaro, mas uma construção que garantisse votos no maior reduto eleitoral tucano e, a partir daí, traçar um caminho para a vitória ano que vem.

Vale lembrar que Geraldo Alckmin ainda é filiado ao PSDB, com claras intenções e grandes chances de se eleger, mais uma vez (foi o cidadão que mais governou o Estado de SP) Governador de SP. Alckmin é cobiçado por partidos como PSD, o União Brasil (fusão entre PSL e DEM) e PSB. Para que a utópica chapa com Lula fosse possível, forçosamente o caminho seria o PSB, partido mais alinhado à esquerda, facilitando, de igual modo, a campanha ao governo paulista para França.

Entretanto, é necessária a reflexão a respeito de uma rejeição ainda maior por parte dos eleitores face à abrupta e insólita possível aliança entre desafetos antigos. Seria o eleitor capaz de “acreditar” na união de propósitos e interesses em comum entre Lula-Alckmin?

Urge, neste momento, lançar mão da racionalidade para que não se perca a visão das reais necessidades políticas para a promoção de um Brasil economicamente eficiente, com o respeito ao tripé macroeconômico, garantindo a captação de investimentos de modo a acelerar o crescimento do PIB, descolando da fragilidade proveniente da Pandemia, de modo a estabilizar os gastos e abandonar a “Estatização”, meio pelo qual tropeça a economia e cria gargalos na discricionariedade da gestão e da aplicação dos recursos do orçamento público.

O vale-tudo eleitoral vilipendia as bases do processo democrático e atenta contra a ética dos valores da cidadania e construção da ordem e progresso, insígnias da sociedade brasileira que devem ser ressignificadas a partir do poder de decisão do eleitor nas urnas, em um contexto de sólida formação de uma agenda programática para a nação, não apenas para a promoção de atores políticos que aspiram ao protagonismo no enredo da cultura democrática brasileira.

A eventual chapa Lula-Alckmin, neste ínterim, precisa provar a que veio-virá; se para fidelizar seu público ao modelo do coronelismo, ou integrar uma configuração de partida para um novo Brasil.

Se viabilizada a união Lula-Alckmin, ou assistiremos à mais brilhante engenhosidade político-eleitoral da redemocratização brasileira, ou à derrocada final da carreira pública de duas personagens políticas, dentre as mais votadas nas urnas eletrônicas brasileiras.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.