Segunda-feira, 07 de Outubro de 2024

Coluna Draft: ‘Jesus Cristo era de esquerda ou direita?’, por Edgar Talevi

2021-12-17 às 10:55

Toda definição sucinta de ideologia tende a levantar mais perguntas que respostas. Ainda assim, segundo Andrew Heywood, em “Ideologias políticas”, fornece um ponto de partida útil e necessário.

A palavra ideologia foi cunhada durante a Revolução Francesa, por Antoine Destutt de Tracy, e usada em público pela primeira vez em 1796. Segundo Destutt de Tracy, ideologia de referia a uma nova “ciência das ideias”.

De acordo com Heywood, a trajetória da ideologia como termo político essencial teve origem nos textos de Karl Marx. Segundo Marx, as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, a força intelectual dominante.

Para além das concepções multifacetadas do termo ideologia, modernamente há uma polarização, principalmente em tempos eleitorais, dos ideais progressistas, no campo da esquerda, e conservadores, no lado da direita.

Entendamos: os termos esquerda e direita datam da Revolução Francesa e se referiam à posição dos assentos ocupados pelos diferentes grupos na primeira reunião dos Estados-Gerais, em 1789, e passaram a ser associados, respectivamente, à preferência por igualdade e propriedade comum e ao apoio à meritocracia e à propriedade privada.

Mas, afinal, dentro de qual espectro ideológico estaria Jesus Cristo?

Primeiramente, lancemos mão do contexto em que Cristo viveu, há aproximadamente 2.000 anos.

A nação judaica do tempo de Cristo não era homogênea. Ela se dividia em vários grupos e partidos com doutrinas e tradições distintas, movidas por motivações políticas e religiosas diferentes.

Os Romanos exerciam o poder de Estado sobre a Palestina da época. Sob esse jugo político, a religião e a comunidade judaica, em suas várias estratificações, cresceu e contemplou o surgimento do cristianismo.

Dentre os tantos grupos “ideológicos” existentes à época de Cristo, conviviam Herodianos (perseguidores dos perversivos) e defensores da dominação romana da Palestina; os Publicanos (cobradores de impostos, a serviço de Roma); Saduceus (grupo religioso e político dominante na comunidade judaica, compreendendo a maioria dos sacerdotes); Fariseus e Escribas (partido leigo e muito próximo ao povo); Essênios (originalmente ligado ao clero de Jerusalém, mas que se afastou ao deserto, em ambiente de monasticismo); Zelotes (opositores da dominação romana e que defendiam o uso da violência contra seus adversários) dentre outros grupos religiosos e políticos menores.

Jesus viveu em um contexto de pluralidade, em que o poder sempre estava em disputa, seja pela obtenção de postos políticos ou reconhecimento dogmático.

Em uma análise teológica, podemos observar que Cristo estendeu a mão a indivíduos, não a grupos. Isso se evidencia pela escolha de discípulos que viveram divergentes pontos de vista e, não necessariamente, dialogavam entre si em suas doutrinas.

Simão, o Zelote, escolhido por Cristo, era simpatizante da libertação do jugo de Roma, com pensamento nacionalista e libertário. Muitos integrantes dos Zelotes andavam armados. Todo Zelote era, em potencial, um “terrorista”, aos olhos de um soldado romano.

Um detalhe importante é o fato de que os Zelotes eram inimigos dos Publicanos, cobradores de impostos, por serem estes representantes de Roma. Aqui reside um ponto crucial de análise: Cristo selecionou, dentre os 12 discípulos, um Publicano, Mateus. A partir do momento em que aderem a Cristo, Simão e Mateus renunciam, na prática, à “guerra” entre ambos para seguir ao Mestre.

Neste contexto, podemos entender que a escolha de Simão, o Zelote, foi um ato de reconciliação, revelando o caráter da doutrina do Reino que Jesus enfatizava em suas pregações. Não obstante, na escolha de Mateus, Publicano, Cristo demonstra acolhimento a um personagem ligado diretamente ao “oposto” do Reino que Cristo pregava, pois um Publicano evidenciava o poder de Roma e sua imperiosa presença na Palestina.

Nesta perspectiva, contemplamos um pensamento além-política de Cristo, conciliador e acolhedor. A cosmovisão – visão ampla de mundo – que projetamos nas disputas retóricas e eleitorais contemporâneas e que estavam presentes no tempo de Cristo não perfaziam o ideal de Jesus.

Por cosmovisão podemos entender a certeza da finitude de nossas concepções, haja vista o cabedal de ideologias construídas por diversos fatores externos e que limitam nossa visão, o que, certamente, não afetou a vida de Cristo.

Em maior ou menor grau, toda visão ideologizada é reducionista, pois se vale do contexto histórico e panorâmico de época, mesmo que contemplando a herança social de movimentos que ultrapassam décadas ou, quem sabe, séculos.

Cristo, como se percebe nas narrativas dos 4 evangelhos canônicos, não foi um ativista político. Jamais houve, por parte dele, uma movimentação de “golpe” contra Roma, afinal, seu Reino não é, conforme suas próprias palavras, deste mundo.

Ademais, “ideologizar” politicamente a mensagem de Cristo é, no mínimo, incoerente com seu caráter pessoal. Segundo o filósofo inglês Peter Kreeft, o pensamento ideológico é uma conveniência preguiçosa e rasa. Limitar Cristo a uma doutrina política é exigir uma exegese bíblica absolutamente tendenciosa, forçosamente anacrônica e subjetiva, em que valores partidaristas arrogariam a si o poder de interpretação, ao bel-prazer de uma ideia sectária e ao arrepio da hermenêutica.

Porém, é possível encontrar nas mensagens pregadas por Cristo algum elemento que indique o que seria seu posicionamento político contemporâneo? A resposta é Sim e Não. Sim quando entendemos que Cristo viveu sua época denunciando grupos que viam em si mesmos a “salvação” e a verdade absoluta. Não quando deparamos com a vida que Cristo viveu e legou aos seus discípulos, sem separatismo, mas voltada à salvação individual, mediante transformação da mente.

Neste ínterim, se enfatizarmos a priorização do cuidado aos pobres e a ideia de que todos somos iguais, teremos, inexoravelmente, uma inclinação à esquerda. Caso indiquemos a “moralidade”, entendida como ponto de partida de uma discussão ética, rechearemos a retórica de conservadorismo, daí a pendência para a direita

Em suma: Adotar os valores de Cristo em vez de Cristo é um perigo do discurso da esquerda. Por outro lado, absorver as doutrinas de Cristo sem o sentimento de pertença ao Reino trazido por Ele, seria mero moralismo.

O que pensaria, então, Cristo, sobre nosso mundo hoje, e sobre as pretensões e preferências políticas de nossa época? Certamente na cultura da verdade, no vivência do amor, na mensagem da esperança, no desvio dos arroubos da vaidade, na crença de valores inegociáveis e na abdicação de si próprio em favor do outro.

Isso, talvez, não indique a que grupo Cristo pertenceria, pois, com verdade, Ele mesmo indicou ser o Caminho, a Verdade e a Vida. Sendo assim, não se limita a mensagem e a vida de Cristo a um sistema que não seja Ele próprio.

Ideia equivocada também seria pensar que estar à esquerda ou à direita é cometer erro. A atmosfera democrática sempre foi preservada em Cristo e deve ser mantida, mas que mantenhamos a pluralidade de ideias, sem julgar sermos donos da verdade ou presos a um grupo sem que se faça uma análise interna constante e dialética, pois todas as Ideologias sucumbem quando exercem poder ilimitado ou chauvinista.

Lembro das palavras do célebre filósofo e economista de Harvard, J. k. Galbraith: “No capitalismo, o homem explora o homem. No comunismo, é apenas o contrário. O comunismo perdeu, mas o Capitalismo não triunfou”.

as opiniões expressadas por nossos colunistas não refletem, necessariamente,
o posicionamento do portal D’Ponta News.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.