Domingo, 29 de Setembro de 2024

Coluna Draft: ‘A (Des)Educação no governo Bolsonaro!’, por Edgar Talevi

2022-02-02 às 10:00

A (Des)Educação no governo Bolsonaro!

 

O azorrague a que está submetida a Educação brasileira não é privilégio de nossa época, mas, no atual cenário político do Ministério da Educação deste governo, os resultados a serem obtidos em um futuro próximo serão sôfregos, despistatórios dos verdadeiros objetivos da formação humana e cidadã dos educandos, hauridos empírica e tecnicamente de virtude e escassos de construção de conhecimento.

Para que tenhamos noção do tamanho da abusão da pasta da Educação, em suas diretrizes para o Ensino Superior no país, tomemos por base algumas declarações do Ministro da (des)Educação de Jair Messias Bolsonaro, Milton Ribeiro. Denunciado por declarações homofóbicas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal nesta semana, o Ministro sofre com críticas quanto ao teor de seus discursos tergiversados, embevecidos, no elã de arroubos que constrangem acadêmicos e cientistas insignes e afamados dentro e fora da Pátria (Educadora).

Quarto titular da pasta da Educação desde que o Messias ascendeu ao posto máximo da República – via urnas eletrônicas, diga-se de passagem -, Milton já causa espanto e estranheza à ambiência Universitária pela retórica pouco convencional de quem se vislumbram debuxos para o desenvolvimento de um trato pedagógico comprometido com a Pesquisa e Qualidade acadêmica no Ensino Superior.

Mas, mesmo com a azáfama no trato ensino-aprendizagem no país, o produto entregue, até o momento pelo Ministro, não passa de uma quinquilharia de pouco ou nenhuma relevância ao Brasil.

Ao tomar posse no cargo, em julho de 2020, o Ministro fez um discurso em que se comprometeu a seguir o Estado Laico e a manter grande diálogo com acadêmicos e educadores.

Não demorou, no entanto, a proferir declarações que incitaram críticas de organizações e autoridades. Gabriel Corrêa, gerente de políticas educacionais do “Todos pela Educação”, afirma que “o Ministro arrumou um jeito de aparecer na imprensa falando absurdos”. Corrêa ainda assegura que “O Ministério, cuja gestão está perdida em pautas menores, em vez de utilizar seu corpo técnico de qualidade em prol de apoio aos estados e municípios na Pandemia”.

Entretanto, algumas frases mal(ditas) aceleram o processo de desgaste e põem em dúvida a competência técnica do Ministro para a continuidade no cargo. Se não, vejamos: em entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”, publicada em 24 de setembro de 2020, o Ministro, ao ser questionado sobre a importância da educação sexual na sala de aula, disse que é importante mostrar que há tolerância, mas que o adolescente que, muitas vezes, opta por andar no caminho do homossexualismo vem, algumas vezes, de “famílias desajustadas”. O arrepio Dantesco que a citação revela é fruto de uma interpretação considerada preconceituosa, portanto errônea e absurda.

“UNIVERSIDADE PARA POUCOS”. A frase aqui destacada foi proferida, acreditemos, pelo Ministro da Educação de Bolsonaro. Em 9 de agosto de 2021, Ribeiro declarou à TV Brasil que a “Universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade”. Na ocasião, ele defendeu que as verdadeiras “vedetes” (protagonistas) do futuro sejam os institutos federais, capazes de formar técnicos.

Vale ressaltar, que o Brasil, pós-ditadura militar (governo golpista defendido pelo atual Presidente da República) legou ao Brasil um período de ensino tecnocrata, em busca de mão de obra para o incipiente desenvolvimento da industrialização no país. No entanto, destaquemos, que o tecnicismo míope da década de 70, cedeu espaço à tendência crítico-reprodutivista, sob influência americana, promovendo a denúncia sistemática da pedagogia tecnicista implementada pela política educacional ao mesmo tempo em que refletia sobre a prática educacional da época que minava a crença na autonomia da educação em face das relações sociais. Estudos pertinentes são encontrados em Dermeval Saviani, célebre educador e pesquisador acadêmico brasileiro.

Segundo Durmeval Trigueiro Mendes, um regime democrático impõe que seja adequado à participação qualificada e solidária de pessoas, grupos e instituições, no funcionamento articulado da práxis social. De acordo com Durmeval, portanto, seria inacessível à população uma verdadeira democracia com a derrocada da universalização do Ensino, principalmente no respeitante à efetivação da qualidade do discurso do qual, todos somos cônscios, consta a Universidade.

Tolher, deste modo, o acesso à Universidade, por mais que não o seja na prática, mas no arroubo do discurso, destoa da própria meritocracia apregoada pelo “liberalismo” defendido por outros integrantes do governo, tal como o Ministro Paulo Guedes.

“ALGUMAS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA SÃO DE IMPOSSÍVEL CONVIVÊNCIA”. Tal fala afirma o sectarismo despótico e acéfalo de um gestor técnico. Lembremos de que, nos últimos anos, apesar de ainda haver obstáculos, o Brasil avançou quanto à inclusão. Em 2020, segundo o Censo, o país tinha 1,3 milhão de crianças e jovens com deficiência na educação básica.

A legislação, por sua vez, em junho de 2007, com a formação de um grupo de trabalho construído pelo MEC, formulou uma nova política voltada para alunos com deficiência, com diretrizes sobre o atendimento educacional especializado.

A fala infrutífera, anacrônica, descontextualizada, senescente e obsoleta do Ministro Milton Ribeiro parece demonstrar profundo desconhecimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), o que, por si só, promove indignação de setores da sociedade civil organizada.

Por fim, outro motivo de reflexão quanto ao discurso açodado e, creio, impensado do Ministro é a respeito das “Questões de cunho ideológico” do ENEM. Sabemos que o ENEM não pertence a um determinado governo, mas ao Estado, portanto deve ser isento e livre, sem amarras de quaisquer Estadistas. Isso se aplica à esquerda, direita e, no caso, extrema-direita, representada pelo atual governo.

Em 3 de junho de 2021, em entrevista à CNN Brasil, Milton Ribeiro criticou o conteúdo cobrado em edições anteriores do ENEM e manifestou o desejo de ter acesso prévio ao exame. Depois da repercussão negativa, houve “recuo” da tentativa de censura (cem surras).

Durmeval Trigueiro Mendes também cita, neste contexto de ideologização e censura na Educação, que “A crise da Educação Brasileira resulta, em grande parte, do esfacelamento da própria Educação e das solidariedades que ela expressa”. Para o autor, transparece que a autonomia democrática da Educação parece estar erodida à medida que governos impõem narrativas párias para justificar seu status quo e alinhar conchavos em seus nichos eleitorais, à custa das instituições de Pesquisa e Ensino Superior, pois são essas que “dão voto” no Brasil.

Chegamos, neste momento, a pensar que não há escape à fecunda política de desmonte da Educação brasileira. Mas, não nos esqueçamos de que são os tempos de crise que nos levam à transcendência, seja por meio da participação no debate e, mais importante ainda, diante das urnas eleitorais. O sistema nos pune com seu modus operandi, mas temos, inexoravelmente, a condição de arrogarmos a nós o poder de libertação.

Alfredo Bosi, a esse respeito, afirma: “O sistema parece ter uma certa capacidade de indulgência para com tudo quando não fira, a rigor, a sua autoconservação econômica”. Isso não regride ao grau em que estejamos sob o jugo de submissão, mas nos leva a crer na capacidade de lançar mão de instrumentos democráticos e lícitos de luta, por meio do debate amplo, dialético e reflexivo.

Enquanto isso, sonhemos, utópicos que somos, com o país da Educação. Ele é possível, ao menos durante o tempo em que o desejarmos com o coração.

“Os discursos de quem não viu, são discursos,

Os discursos de quem viu, são profecias”.  (Padre Vieira)

as opiniões expressadas por nossos colunistas não refletem, necessariamente,
o posicionamento do portal D’Ponta News.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.