Sexta-feira, 11 de Outubro de 2024

Coluna Draft: ‘Fé e Ciência: uma relação amistosa!’, por Edgar Talevi

2022-03-02 às 10:40

Fé e Ciência: uma relação amistosa!

 

É preciso fé para aceitar a ciência, ao passo que a ciência certifica a fé. A interdependência entre ambas confere vitaliciedade à existência humana e promove conhecimentos e experiências múltiplas nos contextos em que se inserem.

Houve um tempo em que a contenda entre fé e ciência dominou a esfera pública, do senso comum, e, de igual modo, avançou à academia. O pressuposto da prerrogativa supremacista da ciência ocorreu nos séculos XVII e XVIII, com o advento do Iluminismo. A luta pela composição dos espaços de que constam temas sociais, políticos e humanos, em amplo espectro, moveu os dois lados em direção a uma inapetente oposição e adversidade que tornou estéril a dialética da interpretação dos fatos.

Nesta perspectiva, é imprescindível e oportuno que se defina ambos os termos aqui assentados, a saber, fé e ciência. O vocábulo fé é recebido do latim “fides”. Em sentido jurídico, equivale a um testemunho, afirmação cartorial ou em juízo. Em um contexto religioso, o termo carrega o significado doutrinário de uma crença segura e imutável, embora sem prova palpável, conforme se lê na carta aos Hebreus, na Bíblia Sagrada: “É a certeza das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se veem” (Hebreus 11:1).

Por fé, subentende-se que é prescindível experimentar para que se tenha prova cabal de algum fato, embora a fenomenologia aprecie o empirismo, tal como se percebe nas religiões com maior ênfase mística. Experiências objetivas ou subjetivas têm o mesmo status para a fé, dentro da ambiência religiosa e doutrinária, em que um dogma está sendo cunhado. Trata-se, portanto, de crer em experiências ou relatos/escritos, desde que referendados por determinados carimbos de símbolos (documentos oficiais) de fé.

Ciência, por sua vez, é uma área específica do conhecimento humano, tais como a Teologia, História, Matemática, a produção técnica, o que inclui todo sistema de conhecimento dentre outros. A Ciência necessita, para fins de caracterização, de objeto e método. Para o ilustre cientista Stephen Hawking, em sua obra “Uma Breve História do Tempo”: “Quando o conhecimento científico não tem possibilidade de repetições comprobatórias, e ou provas cabais e insofismáveis é apenas uma teoria, um talvez, suposição de cientistas.”

Dentro de toda a retórica a respeito da definição de um ou outro termo, existe o fator inalienável, que é objeto de toda especulação, seja científica ou mística: o humano. Tão diversa e bela, a humanidade jamais poderá descartar a fé como sistema de valores e elevação espiritual, bem como a ciência, construção de teses que se comprovarão tangíveis por meio da experimentação e repetição.

A realidade que cerca a discussão em torno do que é “mais importante” entre fé e ciência não encontra guarida, nem razoabilidade em tempos atuais, haja vista o imperativo da complexidade de um mundo multiverso, quase quântico, em que a existência ganha contorno de algo mais que somente estar no mundo.

Ao erigirmos a exegese de textos bíblicos, como exemplo, a fim de que tenhamos constatação de conhecimento científico dentro de um universo narratológico religioso, encontramos no Profeta Isaías 40:22, aproximadamente 2264 anos antes de Fernão de Magalhães, uma descrição de que a Terra é um globo, portanto não é plana, além do fato de que, no livro de Jó, escrito há mais ou menos 3200 anos antes de Isaac Newton, que a Terra é sustentada sobre o nada.

Sem nenhum instrumento de pesquisa espacial, nem interesse por tais estudos astronômicos, os autores dos livros bíblicos provaram o que viemos a saber muito tempo depois, pela investigação científica. Vale lembrar que muitos há que, mesmo hoje, divergem quanto ao fato de a Terra ser ou não plana. Nem fé nem ciência chegaram a tal ponto!

Entretanto, para além de conjecturações de metodologias e estudos epistemológicos entre fé e ciência, fato mais notável e importante é a união amistosa entre ambas. Atualmente, diversas faculdades americanas de medicina dedicam uma disciplina exclusiva de diálogo entre fé e ciência.

Na antiguidade, as religiões sustentaram o espirito coletivo que imperava nas comunidades. Segundo o estudioso Nicholas Wade, autor de “The Faith Instinct (“O Instinto da fé”): “Nas sociedades primitivas, a religião sempre exigiu tanto esforço (de união) que não pode ser encarada só como um acidente evolutivo”.

Entrementes, há um século, o canadense William Osler, eminente personagem da medicina moderna, defendeu a integração entre fé e ciência, em um tratamento plural. Em 1910, em um de seus artigos, elogiou: “A fé despeja uma inesgotável torrente de energia”.

Neste contexto, a Santa Casa de Porto Alegre fez um trabalho no sentido de entender a inter-relação entre esses dois eixos de conhecimento, em parceria com a Universidade Duke, nos Estados Unidos. O objetivo foi de descobrir se a espiritualidade em pacientes submetidos à cirurgia de ponte de safena teria influência no resultado de se obter menos inflamação no pós-operatório. Segundo o cardiologista Mauro Pontes, coordenador do Centro de Pesquisa do Hospital São Francisco, existe um marcador de inflamação que parece apresentar menores níveis em religiosos.

Uma das maiores pesquisas realizadas até o momento no respeitante à união entre fé e ciência, revisou 42 estudos sobre o papel da espiritualidade na saúde, que envolveu mais de 126 mil pessoas. O resultado surpreendeu, mostrando que, quem frequentou cultos religiosos pelo menos uma vez por semana, tem 29% mais chances de aumentar seus anos de vida em relação àqueles que não frequentaram.

Outro estudo, realizado na Universidade Thomas Jefferson, na Pensilvânia, nos Estados Unidos, revela, por meio de ressonâncias magnéticas do cérebro, que religiosos ativam áreas específicas do cérebro.

O cientista Andrew Newberg, professor da Universidade da Pensilvânia, em seu livro “How God Changes Your Brain” (“Como Deus muda o seu cérebro”), revela que, quanto mais pensamos em Deus, mais intensamente serão as alterações dos circuitos neurais.

Uma obra de profundo destaque sobre a união fé-ciência é: “Teologia & Ciência”, organizada pelo doutor em Filosofia da Educação pela USP, Roberto C. G. Castro. O volume possui um subtítulo muito apropriado: “Aproximações entre a razão e a fé”.

Evidentemente que ciência e fé adquiriram, ao longo do tempo, características distintas, seguindo, cada qual, orientações paradigmáticas, ideológicas e doutrinárias, segundo concepções filosóficas, sociais, políticas e econômicas, mas o papel de cada uma delas corrobora com a evolução do conhecimento de toda a humanidade.

Um discurso “metafísico”, porém científico, “sobrenatural”, mas realista, é possível ler vindo de uma Ph.D.  em física e ciência atmosféricaKatharine Hayhoe: “Eu sou uma cientista. Eu tenho uma licenciatura em física e um doutorado em ciência atmosférica. Eu estudo as mudanças climáticas. O meu trabalho baseia-se em evidências científicas – observações, princípios físicos, experiências e modelos. Eu também sou cristã. Eu acredito que o universo existe por causa de alguém maior do que nós, que – como diz a Bíblia – o fez começar

Certamente o que nos impele a sermos melhores como pessoas, é aquilo em que cremos e conhecemos. E isso vem da fé e da ciência. Ambas andam de mãos dadas. Tanto é assim, que nos assegurou um gênio da humanidade, exímio cientista, cuja obra fala por si só – Albert Einstein: “A ciência sem a religião fica manca; a religião sem a ciência fica cega.”

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.