Terça-feira, 30 de Abril de 2024

Coluna Draft: ‘Lula vence, mas não convence!’, por Edgar Talevi

2022-04-18 às 10:53

Simbiose – termo que evoca a interação ou associação interdependente entre duas pessoas. Esta é a prática usual da política desde quando fecundou suas premissas básicas na sociedade moderna. Pensar o contrário seria esvaziar o discurso da lógica que se ajusta de acordo com o cenário em que se insere a fisiologia da necessidade de se perpetuar um sistema por meio do voto.

Perceba-se, no voto, um instituto permanente da democracia, mas não o único, haja vista a presciência, consciência ou, até mesmo, a “pré-ciência” dos fatos objetivos e tangíveis serem proponentes sui generis da formação da cidadania e propulsores do desenvolvimento da cidadania plena, em consonância com a prerrogativa Constitucional do Estado Democrático de Direito. Daí a ruptura com o analfabetismo funcional ser um patrimônio subjetivo imprescindível à garantia do estabelecimento de uma República perene em suas instituições e mister epistemológico.

Entrementes, muitos agentes políticos, personagens legislativos ou executivos, alguns mais “atores” que propriamente “feitores” das plecaras casas palacianas da República ocupam cargos celebrados – é certo e de fato -, pela participação popular em sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, segundo reza a egrégia Carta Magna, mas sem entregarem um produto final capaz de convencer. Porém, há que se considerar que o foco no processo eleitoral tem o poder de eclipsar, dissimular programas de governo e de Estado com propagandas político-partidárias, tornando confusas suas premissas junto ao eleitorado.

Basta que se observem as primeiras eleições majoritárias para Presidência da República pós-processo de democratização, em 1989. Marxistas confrontaram avidamente neoliberais que, por exaustão de propaganda que serviria de base para a conceituação da pós-verdade dos dias atuais, suscitaram um niilismo, ao proclamar uma luta digna de um roteiro de uma guerra fria entre EUA versus União Soviética.

Arroubos não faltaram. Collor caiu. Collor voltou. A República erodiu. Os atores permaneceram inamovíveis. O processo eleitoral não transformou suas bases e a participação popular não percebe a falta de autocrítica contra a autocracia dos políticos de carreira.

Itamar Franco. Fernando Henrique Cardoso. Luís Inácio Lula da Silva. Dilma Vana Rousseff. Michel Temer. Jair Messias Bolsonaro. 2022? Mas já temos uma certeza: nenhuma novidade haverá na República Federativa do Brasil. Com uma terceira via insípida, não se vislumbra um crescimento capaz de desvirginar o país em seu foro mais íntimo de necessidade, qual seja, a imorredoura esperança da construção de uma pátria em que todos tenham o sentimento de pertença, com suas pautas respeitadas e agendas consagradas pelos entes públicos aclamados pelas urnas “eletrônicas” – mas cujos votos são depositados dedo a dedo.

Digressões à parte, o momento é de extremo torpor. O ex-presidente Lula, agora líder nas pesquisas de intenção de voto de vários institutos, contradiz sua biografia ao aliar-se/alinhar-se ao seu ex-adversário, ex-rival, ex-tucano e agora notável admirador, Geraldo Alckmin, formando uma chapa “jabuticaba”, ao bel-prazer do contexto do imediatismo eleitoral, sem um conteúdo com robustez programática, mesmo à custa de égides históricas do Partido dos Trabalhadores, contrariando os anseios e utopias que construíram sua luta dentro dos sindicatos, nos movimentos sociais e nas ruas, nas agremiações estudantis dentre outros.

Falar em traição seria um desatino, pois Lula jamais se assentou à mesa dos mais “à esquerda”, tampouco esteve “à direita”. Sua política se dogmatizou pela permanência no poder, pautando-se pelos apelos de sua época. Se não, vejamos sua práxis política desde a eleição de 2002, quando o PT, sempre sob seu comando, contratou Duda Mendonça para assinar o marketing da campanha presidencial petista. José Alencar, do PL, vice-presidente, também foi uma mostra de que os antineoliberais não teriam êxito no gabinete do Executivo.

Desnecessário seria lembrar o lendário superávit primário, condenado pelo PT desde sua fundação, mas aplicado com todas as vênias pelo governo petista de Lula e (des)governo de Dilma. Privatização de aeroportos, minirreforma tributária em prol da liberação do foro privilegiado, a institucionalização do toma-lá-dá-cá como política partidária em detrimento do debate plural amplo e propositivo, bem como emendas parlamentares sem fim e cargos a gosto do cliente – a que podemos chamar de PMDB, nas duas câmaras legislativas congressuais.

Neste ponto é impossível não relembrar dos escândalos a que José Sarney fora acometido, mas que, com o ombro amigo de Lula, permaneceu como quis, onde quis. E Lula, mesmo com o mensalão às costas, reelegeu-se em Glória, legando ao país sua escolhida – removida, em parte, pela força das ruas, área outrora dominada pelo PT.

Por tantas vicissitudes e (des)caminhos, estaria Lula ainda reerguendo seu exército para proclamar novamente a República como sendo sua? Se estivesse no BBB (Big Brother Brasil), o ex-presidente seria indicado ao paredão por seus brothers? De um lado, sim. De outro, não. Saber dialogar e compor um jogo é principal mérito do relacionamento lulista. Talvez seu carisma venha dessa inusitada compreensão e capacidade de “perdoar” antigos desafetos políticos. Se bem que – pensemos – no jogo político, haveria desafetos ou seriam meros personagens? Vide Bula!

Do lado dos que defendem o retorno de Lula ao ofício de Mestre dos Magos, estão os mais pragmáticos, progressistas, que veem na chapa Lula-Alckmin a oportunidade de remover Bolsonaro do poder. Mas, a que custo?

Não obstante, os mais ideológicos, exatamente 16 “companheiros” que formalizaram o “não” à chapa mais fisiológica de todos os tempos, da última semana, de Brasília, o apoio a Lula é incondicional, mas há dúvidas quanto à reavaliação ideológica do ex-tucano, na vice-presidência.

O dirigente Valter Pomar, um dos que se posicionaram contra a união de forças (interesses), diz estar com Lula, mas não nega insatisfação com o ex-governador neoliberal que, segundo Pomar, apoiou o “golpe” contra Dilma.

Se dentro do PT não á palatável dividir o palanque com Geraldo Alckmin, um dos ex-defensores de Lula, o sindicalista Paulinho da Força (SOLIDARIEDADE) foi vaiado em evento repleto de petistas. Paulinho, com sua “força”, votou pelo impeachment de Dilma, em 2016. Torna-se mais jabuticaba ainda a união dessas forças estranhas, agora signatárias do mesmo espectro “ideológico”.

Estaríamos diante de uma nova época em que as relações sociais, econômicas e de produção são frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos, segundo pensa Zygmunt Bauman? Ou política é um ledo engano pactual em que peças de um tabuleiro sempre se moveram para caracterizar novos roteiros, mas com o final definitivamente disfórico aos espectadores?

A sociedade ainda terá o poder de fazer frente ao maniqueísmo impetrado do “eles contra nós”, em que se vê um infundado discurso de ódio que maldiz a aparente essência político-eleitoral de tornar longeva e perpétua a manipulação da vida pública, nos mesmos moldes viciados de antanho, cedendo, ora uma peça, ora outra, em troca de um xeque-mate?

Arthur Schopenhauer é preciso ao afirmar: “Prepare o caminho, mas oculte a conclusão”.

Talvez na sabedoria do supracitado autor devamos meditar, para que, quando nos dispusermos a votar e, de fato, assim devemos exercer nosso direito, por enquanto inalienável, ninguém nos pregue peças, mesmo que estejamos a jogar, sem que saibamos, ou, ainda, quem sabe, alguém já esteja jogando com ou contra nós!

as opiniões expressadas por nossos colunistas não refletem, necessariamente,
o posicionamento do portal D’Ponta News.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.