Além da força física e do volume muscular, o fisiculturismo desenvolve qualidades como disciplina, resiliência e autoconhecimento. Conheça a rotina e os desafios de fisiculturistas ponta-grossenses que não medem esforços para alcançar o corpo perfeito
Por Michelle de Geus
Mente sã, corpo são. A famosa citação romana lembra que a saúde depende do equilíbrio entre o bem-estar físico e o mental. E é justamente isso que cada vez mais ponta-grossenses têm encontrado no fisiculturismo, esporte que visa o aumento do volume de massa muscular e chama a atenção pelos corpos esculturais exibidos em competições mundo afora. Levando vidas totalmente disciplinadas, esses atletas têm uma rotina regrada, com dieta equilibrada e treinos que levam o corpo ao limite. Ao mesmo tempo, eles encontram no fisiculturismo um aliado contra a depressão e a ansiedade, além de valiosas lições sobre disciplina, resiliência e persistência.
Um dos maiores nomes do esporte em Ponta Grossa e região, Carlinhos de Jesus teve o seu primeiro contato com o fisiculturismo aos 13 anos. “Ganhei da minha mãe uma mensalidade de academia, mas, como eu não tinha dinheiro para continuar pagando, trabalhava guardando pesos, limpando e ajudando os alunos para poder treinar”, lembra. A primeira competição viria já no ano seguinte, quando ele tinha apenas 14 anos. “Foi algo natural para mim, simplesmente aconteceu. Foi o esporte que me achou”, reflete.
O atleta revela que uma das coisas que o atraíram ao fisiculturismo foi a possibilidade de se destacar por meio do mérito – e não da conta bancária ou do status. “Como eu era muito pobre, na academia eu me sentia aceito. Lá dentro, quem se destacava não era quem tinha dinheiro ou ostentava, mas sim quem se dedicava e treinava”, observa. Aos 20 anos, Carlinhos já era conhecido no cenário paranaense por apresentar um físico sempre bem condicionado e por ganhar competições de levantamento de peso. Entre os prêmios do quais mais se orgulha, ele cita os troféus de campeão brasileiro, o segundo lugar no Arnold Classic South America e o de campeão “overall” (onde disputam os campeões de todas as categorias de uma competição) por mais de uma federação. Hoje, já na casa dos 40, ele está há três anos sem competir, mas afirma que não pretende abandonar a carreira e espera retornar aos palcos no ano que vem.
Resiliência e paixão
A resiliência, ou seja, a capacidade de resistir, lidar e reagir de modo positivo em situações adversas, foi um dos maiores benefícios que o fisiculturismo trouxe para outras áreas de sua vida, aponta Carlinhos. “Um bom fisiculturista é focado, dedicado e persistente. Tem que superar muitas coisas para subir lá e mostrar um bom físico. São meses de preparação levando o físico, o emocional e o psicológico ao extremo”, aponta. Como o atleta está temporariamente afastado das competições, ele não segue dietas muito rígidas atualmente, mas mantém os treinos pesados, de quatro a cinco vezes por semana, com duração de uma hora e a uma hora e meia cada um.
Para quem tem o sonho de ser fisiculturista, Carlinhos avisa que o esporte é paixão. “Paixão não dá dinheiro, mas pode dar alegrias e muitas felicidades e, claro, algumas decepções”, afirma, citando como exemplo a falta de apoio, de políticas públicas e de investimento no esporte.
De confeiteira a fisiculturista
Após ganhar 28 quilos durante uma gravidez, em abril de 2016, Cristina Bejuska decidiu fazer musculação para perder peso. “No começo, eu chorava bastante, pois era confeiteira na padaria da minha mãe”, conta, aos risos. Depois de um ano, ela começou a obter bons resultados e recebeu do marido a sugestão de começar a competir. “Achei que eu não seria capaz. Afinal, será que uma confeiteira poderia ser atleta de fisiculturismo?”, recorda. Ela aceitou o desafio e deu início a um novo protocolo, agora não mais focado no emagrecimento, mas sim na hipertrofia, ou seja, no ganho de massa muscular e definição.
Segundo Cristina, o processo todo foi difícil e ela demorou para se considerar uma atleta de alta performance. “A ficha caiu quando eu fui para o meu primeiro campeonato e fui campeã. Mas o fisiculturismo é um estilo de vida. Você não precisa estar em um palco para ser atleta, desde que mantenha o foco”, opina. De 2018 para cá, ela já conquistou sete títulos, sendo seis em primeiro lugar e um em segundo. “O meu último campeonato foi o mais marcante. Encerrei a minha pequena carreira aos 40 anos e fiquei muito emocionada”, diz, em relação ao Sardinha Classic, competição que reuniu mais 880 atletas. Embora não participe mais de campeonatos, Cristina treina de segunda a sábado por duas horas, divididas entre musculação e exercícios cardiorrespiratórios.
Mente forte
Vencidas as dúvidas do início da carreira, Cristina hoje pode afirmar que “a grande alegria na vida de um fisiculturista é subir no palco”. “Porque, até chegar lá, nós passamos por muita coisa. Não é um esporte fácil, mas quem consegue é porque manteve a mente muito forte”, relata. A atleta apenas lamenta que, apesar de o fisiculturismo estar em ascensão, ainda falte incentivo financeiro para os atletas. “É um esporte caro, e creio que hoje nem 10% dos atletas brasileiros tem patrocínio. É uma realidade triste, pois é preciso pagar inscrições, suplementos, academia, consultoria, médico, exames, viagens e hospedagens”, enumera.
Entre os benefícios que o fisiculturismo trouxe para a sua vida, ela afirma que o esporte lhe possibilitou ter uma nova perspectiva de vida, com mais alegria e, principalmente, disciplina. “Costumamos falar que, para se manter motivado, tem que se manter disciplinado, e isso nós levamos para todas as áreas da vida”, comenta, observando ainda que o esporte exige muita paciência. “O fisiculturismo é um esporte que demora anos para dar resultado. Então, jamais apresse as coisas, respeite a sua genética e se mantenha focado”, aconselha.
Treino contra a depressão
Desde a adolescência, Andreia Tokutake já frequentava a academia, mas o fisiculturismo só entraria em sua vida quando ela tinha 40 anos. “Eu já havia passado por um quadro depressivo anteriormente e, em 2017, por alguns problemas particulares, eu acabei novamente me vendo nessa situação”, recorda. Nesse momento, ela buscou na academia algo que a desafiasse. Foi quando conheceu o fisiculturismo. “O ponto decisivo para que eu entrasse para esse esporte foi quando me falaram que era muito difícil. Aí eu soube que era isso mesmo que eu queria”, destaca.
O processo de transição de uma simples aluna de academia para fisioculturista foi difícil e doloroso, lembra ela. “Você não acorda e decide que vai virar fisioculturista. Levou um ano do momento que eu comecei a treinar para as competições até o meu primeiro campeonato”, explica. Entre as suas principais conquistas, ela destaca o vice-campeonato sul-americano, no Peru, em 2019, e o vice-campeonato sul-americano Olympia, em 2021, na Argentina. “As pessoas que não conhecem o esporte acham que o vice, terceiro ou quarto lugar não tem muito valor, mas, para você subir em um palco de fisiculturismo, teve uma caminhada muito árdua e uma superação muito grande”, avalia.
Caminhada
“O que mais me atrai nesse esporte é o processo. A caminhada é longa, intensa e desafiadora”, destaca Andreia. Ela conta que a sua rotina começa às 6h e que treina todos os dias, de domingo a domingo, por duas horas. “O meu treino não acaba quando eu saio da academia, pois a minha vida como atleta segue as 24 horas, por conta da alimentação”, explica. Na visão dela, o desafio é diário, sendo preciso abrir mão de festas de família e jantares com amigos. “Não é uma questão de querer, é uma questão de comprometimento. Se você se comprometeu com o esporte, precisa ir até o fim e contornar essa falta de compreensão da família e dos amigos sem perder as pessoas que você gosta”, afirma.
Andreia comenta que não existe uma idade certa para que o atleta de fisiculturismo pare de competir e que os campeonatos costumam ser separados por categorias. Embora existam pessoas de 70 anos que ainda competem, a maioria encerra por volta dos 50 anos. “Acho que é até onde o seu corpo ainda está competitivo e isso vai muito do ‘feeling’ de cada treinador e de cada atleta. Eu estou com 46 anos e pretendo competir por mais uns dois ou três anos”, planeja. Entretanto, ela garante que a influência do fisiculturismo irá permanecer por toda a vida. “Nós ficamos mais fortes, mas não falo da questão física, e sim mental. Percebemos que sempre podemos fazer mais um pouco e se dedicar um pouco mais. É um esporte lindo, de pessoas fortes mesmo”, declara.
Amor ao corpo
O empresário Paulo Avelar, mais conhecido como Paulinho Bodybuilder, começou a treinar aos 16 anos, mas acabou se afastando dos esportes para se dedicar ao trabalho. “Em 2015, eu me olhei no espelho e me vi obeso. Eu estava pesando 106 quilos na época”, lembra. Ele decidiu então que precisava mudar de vida e se matriculou em um box de crossfit. “Eu consegui emagrecer, mas, como tinha problemas nos ombros, tive que mudar para uma academia, e foi lá que eu descobri o meu verdadeiro esporte, acompanhando atletas e treinando focado, com bons profissionais”, conta.
Essa transformação é um dos temas do canal que Paulinho mantém no YouTube, intitulado “Paulinho Bodybuilder”, onde mostra a sua rotina de treinos e dá visibilidade para outros atletas da cidade. “Fisiculturismo é amar o seu corpo e mostrar as transformações que podem ocorrer quando você faz um treinamento direcionado. Então acredito que em 2021 eu me tornei fisioculturista”, aponta.
Atualmente, ele treina cinco dias por semana, reservando as quartas e os domingos para o descanso. “Nos dias de treino, eu acordo às 5h para me preparar e me alimentar no horário certo. Entro na academia às 6h e treino por duas horas em média”, detalha, enfatizando que o esporte exige muita disciplina, tanto na alimentação quanto nos treinos. “É preciso abdicar de muitas coisas, como baladas, churrascos, bebidas e doces. Todos os dias temos que decidir entre uma refeição recheada de guloseimas deliciosas ou uma marmita de arroz, frango e vegetais. Mas, se você amar esse esporte como eu amo, fica bem fácil”, brinca.
De amador a profissional
Após trabalhar acompanhando atletas em suas preparações, Paulinho está prestes a enfrentar a sua primeira competição da modalidade. “Enquanto muitos atletas estão encerrando a carreira aos 40 anos, eu, com 41, estou aqui para mostrar que tudo é possível quando você se dedica ao máximo”, garante, acrescentando que a maior alegria do esporte é mostrar o físico e constatar como a dedicação valeu a pena. “Tenho certeza de que a primeira vez que eu pisar nos palcos será épica. Sempre estive lá embaixo, torcendo, e me ver do outro lado vai ser mágico”, prevê, fazendo planos de competir até, no mínimo, os 50 anos.
Para Paulinho, o principal benefício que o esporte trouxe para a sua vida foi a disciplina. “O fisioculturista que se dá bem no esporte consegue se dar bem em todas as áreas da vida, devido ao autoconhecimento e à disciplina. Quando empregado na vida pessoal e profissional, isso tudo te leva ao sucesso”, finaliza.