Entre os 40 e os 50 anos de idade, muitas pessoas se dão conta de que a velhice e a morte se aproximam e começam a questionar as escolhas de uma vida inteira. Nesse momento, pode surgir uma forte insatisfação com o trabalho, com o casamento e com o futuro. Bem-vindo à crise de meia-idade
Por Michelle de Geus
Jovens demais para ser velhos, velhos demais para ser jovens. Se, até o início do século XX, chegar aos 40 anos de idade era sinal de velhice, hoje a idade marca apenas a metade da vida. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa média de vida no Brasil atualmente é de 76 anos. Ao completar quatro décadas de existência, é comum que a pessoa comece a refletir sobre a própria vida e a questionar as escolhas feitas até aqui, fase que ficou conhecida como “crise de meia-idade”. O termo foi criado pelo psicanalista Elliott Jaques, em 1965, para descrever a insegurança que muitos experimentam quando percebem que a juventude está acabando e a velhice se aproxima.
A psicóloga Kristy Samways, que atende em Ponta Grossa, observa que, entre os 40 e os 50 anos, as pessoas se deparam com mudanças profundas na sua imagem, no seu corpo e, sobretudo, nos laços sociais, mudanças que evidenciam a passagem do tempo e sinalizam para a proximidade do fim da vida. “A crise de meia-idade é a avaliação de todos os aspectos da vida, desencadeada pelo reconhecimento de que ela é finita”, explica, acrescentando que deparar-se com a finitude da vida pode gerar sentimentos de fracasso e insegurança. “É comum as pessoas terem a crença de que essa é a sua última oportunidade e que, se adiarem os seus sonhos, será tarde demais. Nesse período, também aparecem sentimentos de frustração, insatisfação com a vida e a dificuldade de lidar com a limitação do tempo e com a própria morte”, detalha.
Como a crise de meia-idade desencadeia uma reavaliação de todos os aspectos da vida, essa fase pode afetar profundamente a percepção do sucesso, das realizações e do trabalho. “Não seria surpreendente uma pessoa em crise de meia-idade mudar de emprego, pedir demissão ou abandonar um negócio. O trabalho é uma função e está bem conectado às questões existenciais dessa fase”, observa a psicóloga, sublinhando que os relacionamentos amorosos não são imunes à crise de meia-idade. “Por ser um momento de reavaliação, pode haver traições, rupturas e separações. Mas, como toda crise, também pode trazer prosperidade, também pode ser o momento de investir mais em relacionamentos interpessoais e familiares”, pondera.
Pessoas divididas
Kristy reforça que, durante a segunda metade da vida, as pessoas podem se sentir divididas entre aquilo que já conquistaram e aquilo que ainda não alcançaram, gerando uma sensação de frustração. “Ocorre um conflito entre manter as estruturas e abdicar de sonhos mais ambiciosos, satisfazendo-se com o que já foi alcançado, ou optar por uma ruptura para novas tentativas, seja na família, nas amizades ou na carreira, que foram construídas ao longo dos anos”, aponta.
A psicóloga diz que vários fatores podem amenizar ou intensificar esse conflito. “O grau de satisfação ou insatisfação com o que foi obtido, a confiança em si mesmo, o nível de exigência consigo mesmo, as expectativas de sucesso, a autoestima e a incapacidade de correr riscos e conviver com incertezas podem intensificar a crise”, enumera. “Por outro lado, manter a saúde física e a independência econômica, ter fortes laços de amizade e vínculos com a família, e manter-se ocupado e com planos para o futuro seriam algumas estratégias para evitar uma crise”, complementa.
De acordo com a psicóloga, a crise de meia-idade afeta igualmente homens e mulheres. No entanto, Kristy nota que o público feminino tem maior facilidade para procurar ajuda psicológica.
Kristy Samways, psicóloga
O que você quer ser quando crescer?
O psicólogo Derek Kupski Gomes, que também atende em Ponta Grossa, observa que a crise de meia-idade está fortemente relacionada à criação de objetivos – muitos dos quais podem se revelar inatingíveis em alguma fase da vida. Segundo ele, essa mentalidade começa a ser formada já na infância. “As crianças costumam ser questionadas desde cedo sobre o que querem ser quando crescerem, e isso já é um aspecto relacionado a estabelecer objetivos e metas para a vida adulta. Quanto mais objetivos a pessoa estabelece e quanto mais difíceis são essas metas, maior a tendência de ela se frustrar futuramente por não atingi-las”, explica.
De acordo com o psicólogo, as pessoas geralmente esperam ter alcançado ao menos parte dos seus objetivos de vida por volta dos 40 anos – como casar, ter filhos ou abrir o próprio negócio –, e não conseguir realizá-los pode se tornar um gatilho para a crise da meia-idade. “Isso pode desencadear uma série de pensamentos que giram em torno desses aspectos, como a sensação de que fracassou na vida e não atingiu as suas metas, assim como uma insatisfação com o trabalho, coisas que costumam aparecer na segunda metade da vida”, aponta.
Tenha calma, vai passar
“Segundo algumas pesquisas realizadas nessa área, a crise de meia-idade é uma fase passageira e, a partir dos 50 anos, a tendência é que a pessoa comece a sentir uma satisfação maior com a vida e uma melhora no humor”, aponta Gomes. Para entender melhor como isso funciona, o psicólogo pede para que se imagine um gráfico no formato da letra “U”. “Da adolescência até o início da vida adulta, o nível de satisfação com relação à própria vida tende a ser mais alto, em seguida abaixa conforme a idade avança e depois começa novamente a aumentar”, ilustra.
Uma das estratégias que ajudam a lidar melhor com esse período, conforme o psicólogo, é antecipar alguns comportamentos positivos que a maioria das pessoas só aprende a cultivar na velhice. “Entre eles, dar mais importância para as coisas que realmente têm valor, evitar perder o contato com os amigos, viver mais o momento presente e estabelecer metas viáveis”, cita. Outro conselho do psicólogo para atravessar bem essa fase é celebrar as próprias vitórias. “É importante não dar peso apenas para o que está faltando e olhar para o que já foi conquistado em termos de avanços pessoais e profissionais”, indica.
Derek Kupski Gomes, psicólogo
Questão de maturidade
Na visão do psicólogo João Augusto Silveira Ribas, que atende em Carambeí e Curitiba, a crise de meia-idade não é necessariamente uma crise da metade da vida, mas, sim, “uma crise relacionada à estrutura que você montou dentro da sua cabeça e que rege a sua vida”. Teria, segundo ele, muito mais relação com o momento e a maturidade da pessoa do que com a idade dela. “A idade influencia menos do que nós imaginamos. Não existe uma idade específica. A crise de meia-idade pode acontecer muito antes da metade da vida”, defende.
A forma mais adequada de se descrever a mudança interior que caracteriza essa fase, conforme o psicólogo, é através da palavra grega “metanoia”, que significa “virada de cabeça”. “Tradicionalmente, na primeira metade da vida, as pessoas vão desbravar o mundo e ficam muito focadas em aprender como a vida funciona, em relacionar-se com outras pessoas amorosamente, em construir uma carreira e conquistar um patrimônio”, cita. Na segunda metade, porém, é comum que muitas pessoas mudem esses paradigmas e padrões de pensamento, o que pode provocar a sensação de desconforto e inquietação conhecida como crise de meia-idade.
Falsa suposição
Sobre a suposta prevalência da crise de meia-idade entre o público masculino, Silveira Ribas opina que essa suposição é falsa e que foi “fabricada” pela indústria cultural americana. “A crise de meia-idade foi muito emplacada por livros de autoajuda e pelo universo do cinema, principalmente americano, como sendo algo que apenas o homem teria”, afirma, acrescentando que, por conta disso, criou-se uma imagem de que essa fase é vivenciada mais pelos homens, que passam a questionar as escolhas feitas durante a vida e a apresentar mudanças de atitude, como adquirir carros esportivos ou relacionar-se com mulheres mais jovens. “Isso é herança de uma época que as mulheres não tinham direito a nada, nem mesmo a ter uma crise, muito menos de meia-idade. Elas eram criadas para atender aos seus maridos até a morte. Então, como as mulheres teriam uma crise de meia idade se elas não tinham liberdade para mudar de vida?”, questiona.
João Augusto Silveira Ribas, psicólogo
Bem-vindo aos 40
Chegar à casa dos 40 definitivamente não é fácil, mas também não é o fim do mundo. Pelo contrário: pode ser o início de uma vida ainda mais significativa e feliz. O primeiro passo é aceitar o envelhecimento, buscar novas habilidades e objetivos, e manter bons relacionamentos familiares. Se ainda assim os sentimentos de frustração e fracasso permanecerem, busque ajuda profissional. Pois, enquanto há vida, há saída. Lembre-se: crises não duram para sempre. É possível passar por elas reduzindo os danos e ainda virar o jogo, aceitando o seu momento e sendo mais feliz.