Sábado, 14 de Dezembro de 2024

Enfoque D’P: PG 199 anos: o que ainda não aprendemos?

2022-09-15 às 13:00
Foto: Gabriel Ramos de Lima

Apesar dos inegáveis avanços vividos pelo município em vários setores, sempre há o que melhorar, aperfeiçoar, mudar. Com a cidade prestes a completar dois séculos de história, talvez seja a hora de nos questionarmos: o que nós, enquanto cidadãos e enquanto cidade, podemos fazer para que Ponta Grossa melhore e avance ainda mais?

Por Michelle de Geus

Ponta Grossa é uma cidade em pleno crescimento e uma das mais desenvolvidas do Paraná, onde ocupa posição de destaque na lista de maiores economias, em densidade populacional e em qualidade de vida. O surgimento de novos bairros em regiões mais afastadas e a construção de muitos prédios na área central mudaram radicalmente o visual da cidade e são algumas das marcas da rápida expansão vivida nas últimas décadas. Formada por mais de 20 etnias diferentes e cerca de 400 mil habitantes, a cidade celebra a pluralidade e a diversidade.

Além de contribuir para o intercambio cultural e social, a Princesa dos Campos abriga o maior entroncamento rodoferroviário do sul do país, o que contribui para a atração de empresas e investimentos. A recente ampliação e as melhorias propostas para o Aeroporto Sant’Ana devem consagrar a cidade como um dos principais parques industriais do estado. Ponta Grossa também é um polo comercial e educacional, com oito instituições de ensino que fornecem mão de obra qualificada para as mais diversas atividades. Isso para não falar no seu talento natural para o agronegócio, um dos pilares de sua economia, e de sua vocação para o turismo, com inúmeros atrativos naturais.

Apesar dos inegáveis avanços em vários setores, sempre há o que melhorar, aperfeiçoar, mudar. Com a cidade prestes a completar dois séculos de existência, talvez seja a hora de nos questionarmos: o que nós, enquanto cidadãos e enquanto cidade, ainda não aprendemos? Em quais aspectos podemos avançar? Para fomentar esse debate, a revista “D’Ponta” ouviu algumas das principais lideranças da cidade. Confira as respostas nas próximas páginas.

ACESSO À CULTURA

“Enquanto sociedade, nós, ponta-grossenses, deixamos a desejar no quesito cultura. São poucos os museus e galerias existentes no nosso município, e ainda não abrem aos finais de semana. Fica difícil, para uma pessoa que trabalha durante a semana em horário comercial, visitar uma exposição se o local não abre aos domingos, por exemplo. Além de ter um horário mais flexível, é preciso divulgar para a população os locais onde funcionam as galerias de arte e museus, estimulando o interesse e facilitando o acesso de todos os moradores à cultura”

Vanessa Knorr, professora e influenciadora digital

TRÂNSITO MAIS CIDADÃO

“Perto de completar o seu bicentenário, Ponta Grossa ainda é uma adolescente juvenil quando o assunto é trânsito. Não respeitamos pedestres, que, por sua vez, não costumam utilizar as suas faixas, e muitos ciclistas avançam em semáforos e calçadas. Os motoristas de aplicativos são os novos ‘carros-fortes’: ligam o alerta e param onde querem. Há muito tempo discute-se uma nova concessão do transporte coletivo ou o fim do monopólio para melhorar o serviço e o preço. A cidade precisa de uma verdadeira frente ampla, que inclua setor público, privado, associações, sindicatos e organizações dos mais diversos setores, para educar e formar para um trânsito mais cidadão”

Thiago Moro, empresário e sócio-proprietário da chaçaria Engenho 227

DESCENTRALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS

“Preservar a nossa história e acomodar de maneira digna a nossa população são grandes desafios para as próximas décadas. Ponta Grossa é uma cidade onde a maioria dos serviços públicos importantes são oferecidos apenas na região central, e a especulação imobiliária fez com que boa parte dos bairros populares fossem construídos e organizados a muitos quilômetros do centro. Outro aspecto problemático gerado pela especulação imobiliária é a derrubada de inúmeros prédios históricos. Precisamos levar serviços públicos de qualidade à população dos bairros mais distantes e aprender a preservar o nosso patrimônio histórico-cultural”

Alisson Camargo, músico, compositor e historiador

VALORIZAÇÃO DA CIDADE

“O que nós não aprendemos é a valorizar a nossa querida Princesa dos Campos, pois vejo nessa valorização uma forma de civismo e orgulho para com o local onde vivemos, trabalhamos e temos a nossa família. Temos que despertar cada vez mais o orgulho de sermos ponta-grossenses por tudo o que ela representa para toda a comunidade que nela vive. Toda cidade sempre tem aspectos que precisam ser melhorados, e isso é uma coisa permanente. Poderíamos ter maior divulgação dos pontos turísticos, para atrair mais pessoas para visitar a cidade; construir um Mercadão, que é tão necessário, uma vez que o antigo foi derrubado; e merecemos um aeroporto mais moderno – mas para isso tem que haver demanda de voos”

José Dárcio Glapinski, empresário, diretor financeiro da rede de farmácias Fleming

PRESERVAÇÃO HISTÓRICA

“Ponta Grossa está evoluindo muito, porém esse crescimento não pode ser desordenado a ponto de transformar a cidade em um local de estresse e dificuldade de deslocamento. Além do planejamento urbano, precisamos aprender a valorizar as riquezas naturais da cidade e preservar os espaços públicos que representam toda a nossa trajetória enquanto povo. Precisamos criar um roteiro cultural para contar a nossa história através desses locais de convívio público, ensinar as crianças a respeitarem esses lugares e entenderem o significado de cada praça, cada edificação, cada rua que nos representa”

Jorge Sebastião Filho, presidente da subseção Ponta Grossa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

PENSAR O FUTURO

“A grande maioria da classe governante e empresarial de Ponta Grossa só olha para o hoje, em especial para os seus interesses pessoais. Não se preocupa em criar projetos para melhorar o desenvolvimento econômico e social da população. As nossas lideranças deveriam investir mais na conscientização do povo, buscando a sua participação nas discussões e soluções dos problemas da cidade. O maior exemplo disso é que Ponta Grossa não consegue eleger um número expressivo de representantes no Legislativo estadual e federal, pois a nossa cidade é um mar aberto para captação de votos para candidatos que aparecem aqui somente em época de eleição”

José Eli Salamacha, advogado

CAPACITAÇÃO DE TALENTOS

“Enquanto cidadãos e cidade, avançamos muito na consciência coletiva de valorizar o local onde vivemos, mas é preciso fazer mais. Cada um de nós pode contribuir com o seu esforço pessoal para melhorar Ponta Grossa, cada um à sua maneira e com os seus talentos e dons, pois aqui construímos as nossas histórias e o nosso futuro. As entidades, associações de classe e organizações não-governamentais devem incentivar, promover e fomentar ações para que as pessoas criem ambientes favoráveis para a produção e capacitação de talentos, e atração de investimentos, contribuindo para uma Ponta Grossa pujante e excelente para se viver”

Giorgia Bin Bochenek, presidente da Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa (ACIPG)

HUMANIZAR E PLURALIZAR

“O que nós, enquanto cidadãos, ainda não aprendemos é a distância abissal entre a cidade de quem tem o poder e a cidade de quem está pelos chãos da história. Ponta Grossa cresceu bastante nos últimos 30 anos, mas será que esse crescimento foi uniforme? Será que, apesar de maior e mais rica, a cidade hoje em dia é mais justa? Um breve olhar para fora das regiões mais centrais e valorizadas da cidade já é mais do que suficiente para entender que Ponta Grossa é cruelmente excludente. É preciso humanizar a nossa realidade e reconhecer as pluralidades étnicas, culturais e sociais do povo, não só daqueles que viram nomes de avenidas e prédios públicos, mas daqueles que labutam diariamente e estão longe dos retratos da oficialidade”

Felipe Soares, historiador e professor

EDUCAÇÃO E RESPEITO

“Ponta Grossa deveria ter mais campanhas de educação e respeito ao próximo. Por exemplo: campanhas para que os pedestres atravessem a rua usando a faixa; para que os motoristas parem para os mesmos; para que as pessoas aprendam a dar a vez a idosos ou gestantes, e para que respeitem as vagas para deficientes. Outra ideia bacana é não dar esmola, mas, sim, dignidade para as pessoas em situação de vulnerabilidade, oferecendo um telefone para chamar o serviço de assistência social, que faria a abordagem e os encaminhamentos necessários. Isso diminuiria o número de pedintes em sinaleiros e ruas da cidade”

Marco Antônio Borba, empresário, proprietário da franqueadora Mestre da Obra

GESTÃO INCLUSIVA

“Acredito que a prosperidade deve andar de mãos dadas com a caridade e que a gestão pública tem que priorizar a coletividade, principalmente crianças, jovens e idosos. Infelizmente, não aprendemos isso em nossos quase 200 anos e não tivemos uma história realmente inclusiva, que tratasse a cidadania e a dignidade das pessoas como prioridade. Estamos atrasados em diversos aspectos e não existe relacionamento, convênios ou parcerias com as universidades nem com as associações de classe. É preciso ouvir a população e incluí-la na gestão, porque, se não se iniciar um diálogo mais sério e transparente, e um mandato mais coletivo com os moradores, a tendência é só piorar”

Marcio Ferreira, jornalista e ex-secretário municipal de Serviços Públicos

UNIÃO E AÇÃO

“O que o ponta-grossense ainda não aprendeu é que todo cidadão pode se oferecer como voluntário para discutir a cidade, seja através da sociedade civil organizada, de entidades sociais ou até mesmo da política, independente se partidária ou não. Além disso, essas lideranças precisam ser unir em bandeiras específicas e conquistas para a cidade. A união faz a força e, com as tarefas divididas entre essas entidades, podemos avançar muito mais. Afinal de contas, Ponta Grossa ainda é muito fechada em relação aos seus representantes, e nós poderíamos abrir ainda mais possibilidades para que novas pessoas venham representar a cidade, seja na esfera federal ou estadual”

Marcio Pauliki, vice-presidente de Comercial & Inovação do Grupo Mercadomóveis

PARTICIPAÇÃO MAIS EFETIVA

“O maior problema que enfrentamos é justamente a falta de cidadania. Ponta Grossa precisa de uma participação mais efetiva e constante da população em geral frente às questões importantes, que afetam cada cidadão e a sua família. Inteirar-se, envolver-se, opinar e ajudar a construir uma cidade melhor e mais humana, baseada em princípios básicos e fundamentais e que deveriam ser imutáveis. Cabe a cada um de nós não dar brecha para oportunistas que têm sede em satisfazer os seus desejos e que visam apenas projetos pessoais, jamais pensando no coletivo e muito menos no próximo”

Marcelo Pellissari, pastor e presidente da Associação dos Ministros Evangélicos (AME)

SENSO DE COMUNIDADE

“Ponta Grossa é uma das cidades mais prósperas do país, com infraestrutura invejável, excelente parque industrial e talento nato para o agronegócio. Apesar de tantas qualidades, a nossa cidade tem algumas carências. Ela cresceu de forma desordenada nos últimos 50 anos, e isso implica novas linhas de ônibus, energia e abastecimento de água e esgoto, sem falar na coleta do lixo. Espalhar as pessoas dessa forma dificultou a formação do senso de comunidade ponta-grossense e também do sentimento de pertença a essa mesma comunidade. Podemos concluir, então, que faltou planejamento urbano, uma falha dos gestores públicos que a sociedade civil organizada não cobrou com o devido rigor”

Ney Hermann, jornalista, palestrante e consultor

CONSCIÊNCIA COLETIVA

“Ponta Grossa é uma cidade rica, o problema é que a riqueza financeira está concentrada em poucos grupos, enquanto a maioria da população está excluída do acesso aos bens e serviços. Como fazer para sair do círculo vicioso da desigualdade social que atravessa a cidade? Os ricos, que detêm boa parte da riqueza gerada no município, não vão mudar por espontânea e solidária vontade de ver a maioria de pobres acessar o que, há cerca de dois séculos, sequer foi assegurado por gestores públicos eleitos. Os próprios moradores poderiam conversar com vizinhos, parentes e colegas para avaliar se, por um acaso, não estariam iludidos com as velhas promessas, enganos eleitoreiros ou contos de vigário, e não estariam ajudando a manter as coisas como estão nos quase 200 anos de uma mesma história”

Sergio Luiz Gadini, jornalista e professor universitário

ENVOLVIMENTO POPULAR

“Ponta Grossa vive uma falta de interesse da população de um lado, e de investimento público de outro. O envolvimento popular na elaboração das políticas públicas e do orçamento é fundamental para que a cidade seja, de fato, mais democrática na prática e na vida diária de cada um de seus habitantes. A efetivação de agremiações da sociedade civil organizada, seja por meio de clube de mães, associações de moradores, grêmios estudantis, dentre outros, pode tornar a sociedade mais plural e ampla, perfazendo uma trajetória honrosa para Ponta Grossa em seu quase bicentenário”

Edgar Talevi, professor e escritor

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #292 Setembro de 2022.