Apesar dos inegáveis avanços vividos pelo município em vários setores, sempre há o que melhorar, aperfeiçoar, mudar. Com a cidade prestes a completar dois séculos de história, talvez seja a hora de nos questionarmos: o que nós, enquanto cidadãos e enquanto cidade, podemos fazer para que Ponta Grossa melhore e avance ainda mais?
Por Michelle de Geus
Ponta Grossa é uma cidade em pleno crescimento e uma das mais desenvolvidas do Paraná, onde ocupa posição de destaque na lista de maiores economias, em densidade populacional e em qualidade de vida. O surgimento de novos bairros em regiões mais afastadas e a construção de muitos prédios na área central mudaram radicalmente o visual da cidade e são algumas das marcas da rápida expansão vivida nas últimas décadas. Formada por mais de 20 etnias diferentes e cerca de 400 mil habitantes, a cidade celebra a pluralidade e a diversidade.
Além de contribuir para o intercambio cultural e social, a Princesa dos Campos abriga o maior entroncamento rodoferroviário do sul do país, o que contribui para a atração de empresas e investimentos. A recente ampliação e as melhorias propostas para o Aeroporto Sant’Ana devem consagrar a cidade como um dos principais parques industriais do estado. Ponta Grossa também é um polo comercial e educacional, com oito instituições de ensino que fornecem mão de obra qualificada para as mais diversas atividades. Isso para não falar no seu talento natural para o agronegócio, um dos pilares de sua economia, e de sua vocação para o turismo, com inúmeros atrativos naturais.
Apesar dos inegáveis avanços em vários setores, sempre há o que melhorar, aperfeiçoar, mudar. Com a cidade prestes a completar dois séculos de existência, talvez seja a hora de nos questionarmos: o que nós, enquanto cidadãos e enquanto cidade, ainda não aprendemos? Em quais aspectos podemos avançar? Para fomentar esse debate, a revista “D’Ponta” ouviu algumas das principais lideranças da cidade. Confira as respostas nas próximas páginas.
ACESSO À CULTURA
“Enquanto sociedade, nós, ponta-grossenses, deixamos a desejar no quesito cultura. São poucos os museus e galerias existentes no nosso município, e ainda não abrem aos finais de semana. Fica difícil, para uma pessoa que trabalha durante a semana em horário comercial, visitar uma exposição se o local não abre aos domingos, por exemplo. Além de ter um horário mais flexível, é preciso divulgar para a população os locais onde funcionam as galerias de arte e museus, estimulando o interesse e facilitando o acesso de todos os moradores à cultura”
TRÂNSITO MAIS CIDADÃO
“Perto de completar o seu bicentenário, Ponta Grossa ainda é uma adolescente juvenil quando o assunto é trânsito. Não respeitamos pedestres, que, por sua vez, não costumam utilizar as suas faixas, e muitos ciclistas avançam em semáforos e calçadas. Os motoristas de aplicativos são os novos ‘carros-fortes’: ligam o alerta e param onde querem. Há muito tempo discute-se uma nova concessão do transporte coletivo ou o fim do monopólio para melhorar o serviço e o preço. A cidade precisa de uma verdadeira frente ampla, que inclua setor público, privado, associações, sindicatos e organizações dos mais diversos setores, para educar e formar para um trânsito mais cidadão”
DESCENTRALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS
“Preservar a nossa história e acomodar de maneira digna a nossa população são grandes desafios para as próximas décadas. Ponta Grossa é uma cidade onde a maioria dos serviços públicos importantes são oferecidos apenas na região central, e a especulação imobiliária fez com que boa parte dos bairros populares fossem construídos e organizados a muitos quilômetros do centro. Outro aspecto problemático gerado pela especulação imobiliária é a derrubada de inúmeros prédios históricos. Precisamos levar serviços públicos de qualidade à população dos bairros mais distantes e aprender a preservar o nosso patrimônio histórico-cultural”
VALORIZAÇÃO DA CIDADE
“O que nós não aprendemos é a valorizar a nossa querida Princesa dos Campos, pois vejo nessa valorização uma forma de civismo e orgulho para com o local onde vivemos, trabalhamos e temos a nossa família. Temos que despertar cada vez mais o orgulho de sermos ponta-grossenses por tudo o que ela representa para toda a comunidade que nela vive. Toda cidade sempre tem aspectos que precisam ser melhorados, e isso é uma coisa permanente. Poderíamos ter maior divulgação dos pontos turísticos, para atrair mais pessoas para visitar a cidade; construir um Mercadão, que é tão necessário, uma vez que o antigo foi derrubado; e merecemos um aeroporto mais moderno – mas para isso tem que haver demanda de voos”
PRESERVAÇÃO HISTÓRICA
“Ponta Grossa está evoluindo muito, porém esse crescimento não pode ser desordenado a ponto de transformar a cidade em um local de estresse e dificuldade de deslocamento. Além do planejamento urbano, precisamos aprender a valorizar as riquezas naturais da cidade e preservar os espaços públicos que representam toda a nossa trajetória enquanto povo. Precisamos criar um roteiro cultural para contar a nossa história através desses locais de convívio público, ensinar as crianças a respeitarem esses lugares e entenderem o significado de cada praça, cada edificação, cada rua que nos representa”
PENSAR O FUTURO
“A grande maioria da classe governante e empresarial de Ponta Grossa só olha para o hoje, em especial para os seus interesses pessoais. Não se preocupa em criar projetos para melhorar o desenvolvimento econômico e social da população. As nossas lideranças deveriam investir mais na conscientização do povo, buscando a sua participação nas discussões e soluções dos problemas da cidade. O maior exemplo disso é que Ponta Grossa não consegue eleger um número expressivo de representantes no Legislativo estadual e federal, pois a nossa cidade é um mar aberto para captação de votos para candidatos que aparecem aqui somente em época de eleição”
CAPACITAÇÃO DE TALENTOS
“Enquanto cidadãos e cidade, avançamos muito na consciência coletiva de valorizar o local onde vivemos, mas é preciso fazer mais. Cada um de nós pode contribuir com o seu esforço pessoal para melhorar Ponta Grossa, cada um à sua maneira e com os seus talentos e dons, pois aqui construímos as nossas histórias e o nosso futuro. As entidades, associações de classe e organizações não-governamentais devem incentivar, promover e fomentar ações para que as pessoas criem ambientes favoráveis para a produção e capacitação de talentos, e atração de investimentos, contribuindo para uma Ponta Grossa pujante e excelente para se viver”
HUMANIZAR E PLURALIZAR
“O que nós, enquanto cidadãos, ainda não aprendemos é a distância abissal entre a cidade de quem tem o poder e a cidade de quem está pelos chãos da história. Ponta Grossa cresceu bastante nos últimos 30 anos, mas será que esse crescimento foi uniforme? Será que, apesar de maior e mais rica, a cidade hoje em dia é mais justa? Um breve olhar para fora das regiões mais centrais e valorizadas da cidade já é mais do que suficiente para entender que Ponta Grossa é cruelmente excludente. É preciso humanizar a nossa realidade e reconhecer as pluralidades étnicas, culturais e sociais do povo, não só daqueles que viram nomes de avenidas e prédios públicos, mas daqueles que labutam diariamente e estão longe dos retratos da oficialidade”
EDUCAÇÃO E RESPEITO
“Ponta Grossa deveria ter mais campanhas de educação e respeito ao próximo. Por exemplo: campanhas para que os pedestres atravessem a rua usando a faixa; para que os motoristas parem para os mesmos; para que as pessoas aprendam a dar a vez a idosos ou gestantes, e para que respeitem as vagas para deficientes. Outra ideia bacana é não dar esmola, mas, sim, dignidade para as pessoas em situação de vulnerabilidade, oferecendo um telefone para chamar o serviço de assistência social, que faria a abordagem e os encaminhamentos necessários. Isso diminuiria o número de pedintes em sinaleiros e ruas da cidade”
GESTÃO INCLUSIVA
“Acredito que a prosperidade deve andar de mãos dadas com a caridade e que a gestão pública tem que priorizar a coletividade, principalmente crianças, jovens e idosos. Infelizmente, não aprendemos isso em nossos quase 200 anos e não tivemos uma história realmente inclusiva, que tratasse a cidadania e a dignidade das pessoas como prioridade. Estamos atrasados em diversos aspectos e não existe relacionamento, convênios ou parcerias com as universidades nem com as associações de classe. É preciso ouvir a população e incluí-la na gestão, porque, se não se iniciar um diálogo mais sério e transparente, e um mandato mais coletivo com os moradores, a tendência é só piorar”
UNIÃO E AÇÃO
“O que o ponta-grossense ainda não aprendeu é que todo cidadão pode se oferecer como voluntário para discutir a cidade, seja através da sociedade civil organizada, de entidades sociais ou até mesmo da política, independente se partidária ou não. Além disso, essas lideranças precisam ser unir em bandeiras específicas e conquistas para a cidade. A união faz a força e, com as tarefas divididas entre essas entidades, podemos avançar muito mais. Afinal de contas, Ponta Grossa ainda é muito fechada em relação aos seus representantes, e nós poderíamos abrir ainda mais possibilidades para que novas pessoas venham representar a cidade, seja na esfera federal ou estadual”
PARTICIPAÇÃO MAIS EFETIVA
“O maior problema que enfrentamos é justamente a falta de cidadania. Ponta Grossa precisa de uma participação mais efetiva e constante da população em geral frente às questões importantes, que afetam cada cidadão e a sua família. Inteirar-se, envolver-se, opinar e ajudar a construir uma cidade melhor e mais humana, baseada em princípios básicos e fundamentais e que deveriam ser imutáveis. Cabe a cada um de nós não dar brecha para oportunistas que têm sede em satisfazer os seus desejos e que visam apenas projetos pessoais, jamais pensando no coletivo e muito menos no próximo”
SENSO DE COMUNIDADE
“Ponta Grossa é uma das cidades mais prósperas do país, com infraestrutura invejável, excelente parque industrial e talento nato para o agronegócio. Apesar de tantas qualidades, a nossa cidade tem algumas carências. Ela cresceu de forma desordenada nos últimos 50 anos, e isso implica novas linhas de ônibus, energia e abastecimento de água e esgoto, sem falar na coleta do lixo. Espalhar as pessoas dessa forma dificultou a formação do senso de comunidade ponta-grossense e também do sentimento de pertença a essa mesma comunidade. Podemos concluir, então, que faltou planejamento urbano, uma falha dos gestores públicos que a sociedade civil organizada não cobrou com o devido rigor”
CONSCIÊNCIA COLETIVA
“Ponta Grossa é uma cidade rica, o problema é que a riqueza financeira está concentrada em poucos grupos, enquanto a maioria da população está excluída do acesso aos bens e serviços. Como fazer para sair do círculo vicioso da desigualdade social que atravessa a cidade? Os ricos, que detêm boa parte da riqueza gerada no município, não vão mudar por espontânea e solidária vontade de ver a maioria de pobres acessar o que, há cerca de dois séculos, sequer foi assegurado por gestores públicos eleitos. Os próprios moradores poderiam conversar com vizinhos, parentes e colegas para avaliar se, por um acaso, não estariam iludidos com as velhas promessas, enganos eleitoreiros ou contos de vigário, e não estariam ajudando a manter as coisas como estão nos quase 200 anos de uma mesma história”
ENVOLVIMENTO POPULAR
“Ponta Grossa vive uma falta de interesse da população de um lado, e de investimento público de outro. O envolvimento popular na elaboração das políticas públicas e do orçamento é fundamental para que a cidade seja, de fato, mais democrática na prática e na vida diária de cada um de seus habitantes. A efetivação de agremiações da sociedade civil organizada, seja por meio de clube de mães, associações de moradores, grêmios estudantis, dentre outros, pode tornar a sociedade mais plural e ampla, perfazendo uma trajetória honrosa para Ponta Grossa em seu quase bicentenário”
Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #292 Setembro de 2022.