Do início de sua formação até as cores da bandeira, Ponta Grossa tem uma relação histórica com o catolicismo. Nesta entrevista, o bispo da Diocese local, Dom Sergio Arthur Braschi, reflete sobre a presença dos católicos na cidade desde os primórdios até os dias de hoje.
Por Enrique Bayer
Ao longo de sua história, o município de Ponta Grossa e o catolicismo estiveram umbilicalmente ligados, a começar pelo próprio povoamento da região, iniciado por tropeiros, que trouxeram a fé católica à cidade. Os marcos civis e religiosos no território que atualmente forma o município estão cronologicamente muito próximos. Além disso, uma das evidências que revelam mais explicitamente a relação de Ponta Grossa com a fé católica é a própria bandeira da cidade, que ostenta as cores branco e azul, que simbolizam a Virgem Maria. A flâmula estampa também os dois pombos que, segundo a lenda, pousaram no local onde hoje se encontra a Catedral de Sant’Ana, marco inicial do povoamento da cidade. A pomba, aliás, é um dos símbolos mais fortes da fé católica, representando o cumprimento de promessas, um futuro de harmonia, o Espírito Santo e a paz. Um futuro de harmonia e paz é também o desejo de todos os ponta-grossenses, sejam eles ligados à fé católica ou não. Na entrevista a seguir, Dom Sergio Arthur Braschi, bispo da Diocese de Ponta Grossa desde 2003, conta como os católicos têm trabalhado desde sempre para que os valores cristãos e os valores caros a uma cidade convivam harmoniosamente. Aos 73 anos de idade, o líder religioso, natural de Curitiba, fala também sobre a sua relação com os ponta-grossenses e detalha curiosidades da vida pessoal, como o interesse pela música e pela astronomia.
A prática da fé católica e a história de Ponta Grossa estão intimamente ligadas. O senhor poderia falar um pouco sobre isso?
Nós estamos para completar os 200 anos da comunidade católica aqui em Ponta Grossa, que foi constituída como freguesia por Dom Pedro I um ano depois da independência do Brasil. Isso foi um pedido das famílias que habitavam a região. A história do nosso povoamento, feito pelos tropeiros, traz consigo a devoção a Sant’Ana, mãe da Virgem Maria e protetora da lavoura e do gado, os empreendimentos agropecuários da época. Naquele tempo, tínhamos uma capela que era atendida por padres que vinham de Castro, que estavam pleiteando morar aqui, o que significaria a constituição de uma paróquia, movimento que foi autorizado pela Igreja. Então os marcos civis e religiosos – a constituição da freguesia e a fixação da moradia de um padre – estão, sim, intimamente ligados.
E qual foi a importância dos católicos em relação ao desenvolvimento urbano?
Em 1892, tivemos o primeiro bispo no Paraná. Antes vinha de São Paulo. Aí foi criada a Diocese de Curitiba, que atendia Paraná e Santa Catarina. Durante mais de 30 anos, foi assim que funcionou por aqui. A Diocese de Ponta Grossa é de 1926 e foi criada pelo Papa Pio XI. O primeiro bispo, Dom Antônio Mazzarotto, no entanto, só chega em 1930. Nessa altura, segundo nos consta, Ponta Grossa tinha em torno de 35 mil habitantes e tínhamos a Paróquia Sant’Ana, hoje representada pela catedral. Com o passar do tempo, foram chegando irmãs e leigos, que ajudaram muito no crescimento da cidade, com colégios e outros instrumentos de infraestrutura. Hoje, são 23 comunidades constituídas no território de Ponta Grossa, com interferência econômica e cultural na vida da cidade.
Como o senhor avalia a inserção dos católicos nos bairros, na vida comunitária?
Apesar da nossa força, o crescimento da cidade aponta que ainda podemos nos inserir em alguns bairros. Temos uma “quase Paróquia”, a São João Paulo II, próxima ao Centro de Eventos, e que atende toda aquela região. Também vamos fortalecer a nossa presença na região da vila Cipa, Lago de Olarias, Parque dos Pinheiros, vila Odete… Além disso, estamos trabalhando na região do Cará-Cará e da Santa Barbará. São comunidades surgindo e fortalecendo a nossa presença.
O senhor atua como bispo da Diocese de Ponta Grossa desde 2003. Como tem sido a relação com os ponta-grossenses?
A relação com os ponta-grossenses é muito boa. A minha família é dos Campos Gerais. A minha mãe nasceu em Ivaí e morou em Prudentópolis. Eu sempre fui muito bem acolhido. Logo no segundo ano aqui, já recebi o título de Cidadão Honorário. Mas a relação não é boa só por isso. A nossa atuação na comunidade, na sociedade e a relação com outras entidades também é muito forte e gera muitos bons frutos, então me sinto em casa.
Na visão do senhor, o católico ponta-grossense é fervoroso?
Sim. Nós percebemos isso nas escolas, nos hospitais e em outras instituições. Estamos com uma boa capilaridade na sociedade, o que também é importante. Participar da comunidade é uma característica importante da fé, porque conseguimos imprimir os nossos valores. Essa presença, de alguma forma, molda e influencia a vida da cidade.
Pesquisas mostram que o número de adeptos do catolicismo está diminuindo. A que o senhor atribui essa diminuição?
Estamos em um contexto de mudanças – e mudanças rápidas e profundas. É natural que enxerguemos a realidade com uma visão então mais desafiadora. Em outros tempos, a sociedade era mais uniforme, com mais influência de fatores locais. Era até difícil uma pessoa se comportar de uma forma que não a geral naquele local. As novas gerações agora crescem em ambientes mais diversos, sofrem influências mais diversas, então cresce a possibilidade de a pessoa fazer opções desviantes das da família, do bairro, da comunidade. Mas, veja, apontar isso não é, de forma alguma, defender uma volta ao passado. Temos que caminhar para a frente e estar atentos às mudanças, acompanhá-las, colocar os fermentos da fé.
Em se tratando de doutrina, quais são as diferenças em relação aos evangélicos, por exemplo?
Com a maioria dos evangélicos não há grandes diferenças. Veja a Reforma Protestante, por exemplo. Celebramos os 500 anos da Reforma junto aos luteranos. Não há grandes embates. A relação é de fraternidade e harmonia. A grande diferença seria na prática sacramental. Nós consideramos o casamento como um sacramento, e nem todos os evangélicos o fazem. No mais, há pequenas diferenças em entender qual seria a forma de se conduzir a vida cristã. Nós fazemos devoção aos santos, como Maria; os evangélicos, não. Mas essas não são questões que estão no centro do debate a ponto de gerar grandes celeumas.
O senhor falou da Reforma Protestante, que também foi motivada por política. Como os católicos encaram hoje a questão da política?
Procuramos trabalhar com o desenvolvimento da cidadania e do voto consciente. Aqui no Paraná, temos uma cartilha com orientações para o voto, mas não costumamos ter uma orientação partidária. Entendemos que as pessoas devem se posicionar a partir do seu próprio conhecimento. Quanto à constituição de uma bancada, por exemplo, isso não está nos planos, mas incentivamos que leigos e leigas que sentem o chamado divino para a participação na vida política façam isso. Quanto aos padres, bispos ou até diáconos, há restrições. Alinhar-se a um partido pode dificultar o ministério, a relação com os fiéis, então desaconselhamos isso, ainda que alguns o façam. O posicionamento, no entanto, não deixa de ser político. Não se posicionar também é um ato político. O que vemos, com a polarização, é que até dentro das famílias há discussões. Então, ao fim e ao cabo, incentivamos sempre o exercício da escuta, da conciliação, do diálogo.
Falando em debate, como se dá o debate da doutrina na Igreja?
Alguns pontos da doutrina cristã são intocáveis. São os dogmas que estão presentes na Bíblia. Fora disso, temos debates intensos. Podemos citar, por exemplo, a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]. Agora, entre agosto e setembro, teremos uma assembleia geral. Teremos estudos, discussões e votações. Os documentos de uma conferência são muito trabalhados, porque serão eles que vão reverberar no cotidiano da Igreja, e isso é importante porque, enquanto comunidade cristã, somos responsáveis pela fé uns dos outros. Aqui na Diocese, por exemplo, ouvimos pessoas até de fora da comunidade católica – recentemente a AME [Associação dos Ministros Evangélicos], a ACIPG [Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa] e outras entidades foram ouvidas para entendermos como os católicos podem participar mais e melhor da vida comunitária.
A vida no sacerdócio exige sacrifícios. Como o senhor encarou isso ao longo da vida?
Nós acreditamos que existe vocação, que somos chamados por Deus. No meu caso, sempre vivi a fé católica na família e na comunidade. Fui para o seminário de Curitiba com dez anos de idade, depois fiz o curso de Teologia na Universidade Gregoriana de Roma. São 50 anos de dedicação.
O que o senhor costuma fazer no tempo livre?
Eu gosto muito de música. Tive isso presente na minha família. O meu pai era tenor de ópera. A família da minha mãe, açoriana, era mais dada aos instrumentos como violão e bandolim. Já me dediquei ao piano e aos teclados por um tempo e, mais recentemente, aprendi violão. Além disso, eu gosto muito das Ciências Exatas, especialmente da Astronomia. Eu tenho um telescópio e gosto de ler muito sobre isso. A minha infância e adolescência se deram concomitantemente com a corrida espacial, então foi algo que me fascinou. A internet facilitou muito esse interesse, que eu mantenho até hoje.