O futuro do agronegócio aliado à preservação do meio ambiente pautaram a live do Quinta com Café, promovida pelo Sindicato Rural de Ponta Grossa, na noite de quinta (15). Transmitidas pelo YouTube, toda quinta-feira, às 18h, as lives do Quinta com Café são apresentadas pelo presidente do Sindicato Rural de Ponta Grossa, Gustavo Ribas Netto.
Para discutir os temas, o programa recebeu a advogada consultora ambiental Caroline Schoenberger, que considera que a preservação do ambiente é uma condição necessária à manutenção do agronegócio. Ela explanou sobre como os agricultores podem organizar seus cultivos de forma sustentável. “Antigamente, existia incentivo do governo para o desmatamento e abertura de áreas de plantio. Com o passar do tempo, da década de 1970 em diante, houve uma mudança nesse tipo de ação que o proprietário rural poderia ter”, afirma.
Hoje, para o agricultor poder fazer um trabalho adequado na área de plantio, precisa estar regular a situação da área de preservação permanente, o licenciamento ambiental para o manejo de solo, sob pena de receber autuação ou multa.
Caroline aponta para um avanço legislativo no Congresso, com a elaboração de leis que regulam o pagamento de serviços ambientais ao produtor que preserva, para que ele receba, em troca, um benefício relacionado à preservação de área ambiental. O que já existe é um benefício pago ao “produtor de água”, concedido ao proprietário de área rural que protege nascentes, mas é um valor módico de custas de manutenção. “É um valor muito pequeno que se recebe pelo serviço que está sendo prestado à coletividade”, considera a advogada.
“O custo para o agricultor, para o proprietário de área rural é muito alto, porque você tem toda uma extensão de área e tem muitos locais onde você não pode fazer esse uso econômico. Hoje, está sendo desenvolvida a legislação para o pagamento por serviço ambiental e também já existe uma legislação em que você consegue retirar o crédito rural a partir daquela área que você tem em pé, da mata nativa”, explana.
Hoje, o agricultor usa muito a Cédula de Produto Rural (CPR) para fazer linhas de crédito e existe, agora, a possibilidade de fazer o mesmo uso da área mantida em pé, com a CPR Verde. Segundo Caroline, a CPR Verde, no Paraná, por enquanto, vem sendo aplicada na região Norte do Estado, mas já é mais frequente no Mato Grosso e em São Paulo, onde produtores conseguiram fazer esse levantamento de valores de financiamento utilizando a área verde.
No entanto, a consultora ambiental adverte que não é uma tarefa simples. É necessário apresentar um projeto, assinado por um engenheiro especializado na área, que será submetido a uma avaliação. “Se aprovado, você consegue o valor do financiamento. O juro é um pouco maior, dizem que uma média de 15%. Além disso, tem a condicionante de você ter que fazer a renovação desse projeto, a atualização dele, para que se confirme que a área verde que conseguiu a verba da CPR esteja em pé daqui a um, dois ou três anos”, detalha.
Na avaliação de Caroline, o que vai pesar para o agricultor na adesão à CPR Verde é o custo. Para definir se o investimento é válido, o agricultor vai ter que fazer um projeto, contratar pessoal especializado e levar o projeto a uma instituição bancária para ser submetido a uma avaliação. “Vai ser mais vantajoso para quem possui mais áreas verdes. Não é só o excesso de reserva legal, é tudo o que você possui de nativo, de planta, dentro da tua propriedade. Consta a reserva legal, o excesso, a área de preservação permanente. Tudo isso vai ser considerado na hora de fazer esse levantamento”, acrescenta. O projeto também vai depender de certificação, similar às que atribuem o ISO para as empresas.
A consultora indica que alguns projetos podem não ser tão vantajosos a curto prazo, mas que, para o futuro, geram a possibilidade de o proprietário de área rural transformar a CPR em moedas na Bolsa de Valores. “Você colocaria esses projetos, a oferta que você tem de área verde e ele vai virar um ativo dentro da Bolsa de Valores. Empresas e indústrias, tanto nacionais quanto internacionais, poderiam utilizar esse valor da CPR também, que é uma compensação, como o crédito do carbono”, diz.
Esse avanço da CPR Verde, analisa a consultora ambiental, não será rápido, porque depende da aprovação da legislação, de sua regulamentação e, depois, será submetido à dinâmica do mercado. “O que vai fazer a CPR Verde efetivamente funcionar vai ser o mercado, na questão de oferta e procura. Se não for algo muito vantajoso, você não vai gastar teu tempo para isso”, opina.
Caroline destaca que o Parlamento Europeu decidiu que a Europa não deve mais receber produtos da região amazônica que tenham sido cultivados em áreas de desmatamento recente. Segundo a consultora, na verdade, isso representa não adquirir produto de área não licenciada. “Eles não podem simplesmente fechar fronteiras. O que eles vão começar a exigir agora é uma certificação de procedência daquele produto”, diz.
Entre esses certificados que o Parlamento Europeu vai passar a exigir está o de governança ambiental e social, ou ESG (do inglês, environmental and social governance). “É o politicamente correto e totalmente sustentável. Isso está sendo muit aplicado, hoje, na parte da indústria e no comércio, mas o agro também já está seguindo por essa linha. Dessa forma, com a exigência do Parlamento Europeu e do mercado em si, os produtores vão ter que estar adequados, com o licenciamento ambiental e, na parte social, esclarecer como está acontecendo o andamento da empresa voltado aos funcionários, clientes e fornecedores. Na parte de governança, se a empresa está totalmente adequada”, observa a consultora.
Segundo Caroline, essa adequação aos parâmetros do ESG independem do tamanho da propriedade, para os próximos anos. Quem não se adequar vai ficar para trás e não conseguirá, sequer, incluir seus produtos em uma cooperativa, no caso de um pequeno produtor.
A consultora, que fez pós-graduação na Alemanha, compara que a legislação ambiental alemã está um quarto de século adiantada em relação à nossa, no que concerne à sua aplicação prática. “Estive entre 2012 e 2013 na Alemanha, enquanto aqui ainda estávamos começando a falar sobre o fotovoltaico [energia solar]. Eles já estavam pensando na reciclagem das placas”, compara.
Por outro lado, Caroline expõe que a Alemanha mantém áreas de preservação permanente, mas rarearam as florestas nativas. “Em relação a isso e à necessidade que eles têm de produção de energia, até para aquecimento das casas no inverno, vemos que existe uma legislação, mas a prática é diferente. Como aconteceu agora, no conflito que existe entre Rússia e Ucrânia, uma das notícias que tivemos há cerca de um mês foi de que a Alemanha derrubou florestas praticamente milenares para poder manter isso”, diz.
Nesse caso, o Estado decidiu que o desmatamento era de interesse público, para assegurar ao povo o básico para a subsistência ao longo do inverno, em função da escassez de gás ocasionada pelo conflito entre russos e ucranianos.
A consultora ambiental avalia que o risco de escassez de comida é um problema complexo, tanto no que tange ao setor agro quanto no que se refere ao setor ambiental, porque o discurso difere da prática, inclusive na questão do consumo consciente. “Você pode, sim, ter novas atitudes voltadas à preservação ambiental. Agora, pensar como vai alimentar a população mundial”, afirma.
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que a população mundial atinja a marca de 8 bilhões de pessoas na primeira quinzena de novembro. “O agro vai precisar aumentar a produção e aí que vem a questão de sobrevivência nossa: tem que ser sustentável”, considera.
Caroline opina que o baixo Índice de Desenvolvimento Humanos (IDH) de algumas áreas é reflexo da falta de incentivo do governo, de aculturamento e da busca de melhorias e, ainda, da “exigência de não-expansão”, que não dá ao produtor nenhuma contrapartida. “Houve um êxodo rural muito grande, do campo para as cidades, mas quando acharam um problema, uma dificuldade no centro urbano, de poder se desenvolver voltaram para a área rural. Mas quando voltaram para a área rural se depararam com um problema que já existia anos atrás e, nessa dificuldade, a pessoa fica perdida. Os que conseguem sobreviver e achar um novo caminho são os que estão procurando novas alternativas: o que eu posso fazer nessa área verde, que está em pé e não dá muita oportunidade, para conseguir dinheiro a partir dela? Aí que entra a situação que temos visto do turismo rural”, afirma.
A consultora ambiental acredita que a obtenção de um selo regional de certificação florestal internacional e/ou de indicação geográfica para os Campos Gerais, a exemplo do que já ocorreu com a erva-mate, serviria para indicar a qualidade da produção e valorizá-la. Outro exemplo são os selos que atestam a produção orgânica.
“O pequeno produtor que seja, de hortifruti, de queijo, de mel, que venha a produzir com o selo de produção dos Campos Gerais [que indique] que ele cumpriu certos requisitos tem que ser valorizado dentro do mercado. Essa é uma das alternativas, usar um selo de certificação de qualidade do produto”, afirma.
Confira a íntegra da Quinta com Café desta semana: