O historiador Luís Fernando Cerri comenta os vários episódios de radicalismo político, em instituições de ensino, que têm repercutido nas redes sociais e na imprensa local e nacional. Em entrevista ao programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), nesta terça (11), o docente do Departamento de História da UEPG, explica o que caracteriza a ofensa a minorias expressa nesses gestos.
O caso mais recente envolve a professora demitida de um colégio privado, diante da má repercussão de um vídeo registrado por um aluno, em que ela aparece fazendo uma saudação nazista. O historiador comenta que suas duas filhas estudaram no colégio onde ocorreu o episódio e uma delas foi aluna da professora em questão.
“O testemunho que ela tem da professora é o de que ela tinha sua ideologia política, um pensamento de centro-direita, mas que sempre respeitou todos os pensamentos, pensando na questão técnica da redação. Ou seja, uma boa professora”, comenta.
Cerri conta que dez anos se passaram desde então. “Essa professora, talvez, por brincadeira, faz um gesto nazista. Primeiro, ela é uma professora que está fortemente engajada num dos lados da campanha eleitoral. Nesse período, percebemos que ela foi deslocada para a extrema-direita, porque, na verdade, a política inteira no Brasil foi deslocada”, avalia.
O PSDB, por exemplo, de acordo com o historiador, nasce como centro-esquerda. Durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), se tornou de centro. Quando o PSDB migra para a oposição, acabou se associando à centro-direita. “Hoje, muitos analistas dizem que o PSDB desapareceu, ele praticamente não existe mais como partido, porque o espaço da centro-direita foi consumido pela extrema-direita. Temos muita gente que é conservador, que é gente boa, que acaba caindo para o extremismo por medo ou por ódio e não por raciocínio. O que eu percebo é que muita gente boa está se perdendo no extremismo de direita e começa até a brincar com essa coisa, extremamente perigosa, que só traz destruição, que é o fascismo e o nazismo”, comenta.
O erro de quem adota esse gestual, mesmo que “por brincadeira”, de acordo com o professor, é ignorar que existe lei que proíbe a apologia ao nazismo. “Você entra na esfera criminal. Não se está mais falando de opinião. Reputo isso a esse processo de radicalização, principalmente, que a direita vem sofrendo no Brasil”, diz.
A oposição ao governo, conforme Cerri, não pode ser considerada radical de esquerda, pois é praticamente de centro. “A extrema-esquerda no Brasil são outras coisas, outros partidos que praticamente não têm deputado, não conseguem eleger e não têm espaço para avançar”, opina.
O PT, relembra o historiador, surge nos anos 1980 como um partido posicionado à centro-esquerda, com uma tendência muito mais forte à esquerda. “Até porque surgiu lutando pela democracia, não dá para ser um partido extremista. Para ele poder existir, tinha que acabar com a ditadura. Ele foi se deslocando para a centro-esquerda. Por mais que se fale que é de esquerda, as políticas que o PT propõe hoje são políticas de centro. Na verdade, todo o espectro político foi deslocado para a direita, então, quem estava na esquerda, acabou indo para o centro; quem estava no centro, foi para a direita e quem estava na direita, acabou indo para a extrema-direita”, explica.
Cerri destaca que as pessoas precisam refletir sobre até que ponto elas estão em uma perspectiva que ainda aceita a democracia e até que ponto elas não estão começando a dar espaço a ideologias que pregam o fim da própria democracia. Ainda que ninguém vá assumir publicamente que queira o fim da democracia, pode apoiar atitudes que vão limitá-la, segundo o docente.
Questionado sobre qual eleição seria mais arriscada no Brasil, se a de extrema-direita ou de extrema-esquerda, Cerri é taxativo: “Não temos risco de a extrema-esquerda chegar ao poder. PCO e PSTU são partidos que não conseguem eleger um deputado. Não há nenhuma cogitação de a extrema-esquerda chegar ao poder no Brasil hoje”, analisa.
Quando a pergunta é se a eleição de Lula “traria o comunismo ao Brasil”, como defendem muitos de seus opositores, o historiador responde com outra pergunta: “Lula foi presidente por dois mandatos. Ele trouxe o comunismo ao Brasil? Isso responde. País estritamente comunista hoje é a Coreia do Norte; se tem uma força comunista muito grande em Cuba, mas já existem muitas variações no sentido de liberalização do regime; se tem a China, que se pode falar que é dirigida por um partido comunista, mas o país usa plenamente o capitalismo”, ilustra.
O comunismo é um “fantasma” que tem sido usado no Brasil, de acordo com o historiador, desde os anos 1930. “Getúlio Vargas conseguiu implantar a ditadura do Estado Novo (1937-1945) botando a culpa no comunismo”, exemplifica.
Cerri concorda que essa ameaça do comunismo seja um discurso de manipulação e que não há a menor chance de implantação desse regime no Brasil, o que demandaria em torno de 50 anos para se consolidar, se fosse o caso. “Temos três Poderes. Por mais que alguém queira fazer alguma coisa, os outros Poderes vão limitar. Por isso que se divide o Poder em três, para que ninguém possa ter poder absoluto. O perigo é quando os três Poderes estão alinhados: se eu alinhar os três Poderes e eles não forem independentes entre si, aí posso ter algum tipo de ditadura”, enfatiza.
“Em algum lugar, alguém chegou ao poder com uma perspectiva de extrema-direita e conseguiu implantar um regime de extrema-direita do qual não conseguimos mais sair se não tiver um banho de sangue é a Hungria”, comenta o professor. Viktor Orbán, primeiro-ministro desde 2010, é um político aliado de Vladimir Putin, anti-União Europeia e que fundou neste ano o partido ultraconservador Fidesz, que levou seu grupo a ser o mais poderoso da Hungria.
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Confira a entrevista de Luís Fernando Cerri na íntegra: