Segunda-feira, 09 de Junho de 2025

Psicóloga demonstra como aspectos da infância podem impactar na vida adulta

2022-10-12 às 13:39

Ao brincar, a criança experimenta vários papeis sociais e profissões. Ter esse estímulo à criatividade, dentro de um ambiente saudável, é muito importante para o desenvolvimento do futuro adulto. Em entrevista ao programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero e Jonathan Jaworski, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), nesta quarta (12), a psicóloga Roberta Seles fala sobre o impacto que a vivência da infância exerce sobre o resto de toda a vida.

Uma das experiências vividas por muitas crianças, que exerce um impacto bastante negativo e, por muito tempo, negligenciado pelos adultos, é o bullying. “Antigamente, não usávamos esse termo, mas não quer dizer que não acontecia e, muito menos, que era frescura. O fato de não a nomearmos, lá atrás, fez com isso fosse naturalizado”, explica a psicóloga.

Roberta destaca que muitos dizem que passaram pelo bullying e aguentaram, que estão aqui. A orientação que se recebia na escola, até cerca de 20 anos, era de ignorar “que eles paravam”. Assim, se criou a ilusão de que gerações de adultos não sofreram quaisquer consequências. “Muitos dizem que é frescura, porque ‘passei por isso e estou aqui’. Estou aqui, mas com várias feridas que não foram cuidadas. As pessoas que passaram por isso, mesmo quando o bullying não era nomeado dessa forma, certamente têm um impacto, um sofrimento decorrente deste tipo de experiência”, adverte.

Segundo ela, é necessário adotar práticas de cuidado tanto com a vítima, quanto com o agressor e, ainda, com a plateia – sem a qual esse assédio pode nem existir. Muitas vezes, em casa, pode faltar a essa criança um ambiente acolhedor, que ensine a ela noções de empatia, pois não consegue aprender a lidar com as emoções e identificar o impacto que causa ao outro e, mesmo que identifique, isso não seria suficiente para inibi-lo dessa atitude. “Pode ser que ele mesmo, em casa, esteja num ambiente agressivo e acabe reproduzindo isso. Existem muitos fatores possíveis”, observa a psicóloga.

Durante a infância e, por extensão, na adolescência, o ser humano aprender a interagir socialmente. Primeiro, na família; depois, na escola e, aí, na igreja, praça, parque, clube, condomínio e em outros tipos de reuniões sociais. Em todos esses ambientes de convívio, a criança – e o ser humano, em geral – busca identificação. “Para o ser humano, não existe nada que dói mais do que não pertencer. Somos seres sociais e buscamos o grupo, tanto na infância e, em especial, na adolescência, que é uma fase que isso faz muita diferença”, destaca.

Muitas vezes, para o agressor, as ofensas que ele dirigia ao alvo do bullying são esquecidas com o passar do tempo e com o fim do convívio. Para a vítima, pelo contrário, essas marcas permanecem, porque tocam na dor de sentir que não pertence a determinado grupo, por se sentir excluído por uma mera característica física ou comportamental que o diferencia de uma maioria. “Aí é que preferimos nos recolher, para evitar aquele sofrimento. A diferença é algo que chama muito a atenção. É como se, de alguma maneira, buscássemos a diferença do outro, quando temos a intenção de diminui-lo; ou a intenção de crescer, quando, para isso, precisa diminuir o outro”, diz.

A psicóloga pondera que é comum o adulto encarar o isolamento da criança como algo natural. Ela, no entanto, salienta que é importante ficar atento a esses comportamentos em que a criança se exclui de brincadeiras em grupo e chamá-la para conversar e entender o que a aflige. “Nem sempre a criança vai ter essa habilidade de chegar para o adulto e contar o que está acontecendo. Mesmo quando ela conta, o adulto toma aquilo como algo com menos importância e não dá tanto crédito para a queixa da criança. Não podemos esquecer que, por mais que para você, adulto, aquilo não tenha tanto impacto, porque você ama o seu filho exatamente como ele é, para a criança, aquilo é o mundo dela. Naquele momento, a aceitação dos amigos, fazer parte daquele grupo, o que as outras crianças dizem, é o mundo completo delas”, alerta.

De pai para filho

De acordo com Roberta, a construção de uma relação de confiança entre um adulto e uma criança não se dá do dia para a noite. Se o pai ou a mãe se mantém distante ou as conversas são muito superficiais, sem aprofundar nenhum assunto – e, pior, sem ouvir o filho – a criança não vai, automaticamente, desabafar e contar tudo o que acontece só porque o adulto quer. “É um processo gradativo; toda relação é construída”, afirma. Os pais devem estar sempre atentos à mudança de comportamento de uma criança e investigar o que pode estar acontecendo, especialmente quando ela se retrai ou apresenta algum tipo de regressão em seu desenvolvimento, que pode ocasionalmente afetar seu desempenho escolar.

A psicóloga relata que atende a muitos pacientes adultos “machucados” pelas vivências e experiências da primeira etapa da vida. “Cada pessoa tem sua história, sua dificuldade e isso não começa, necessariamente, na parte adulta. Na maior parte das vezes, tem a ver com essas relações iniciais. Uma coisa que observo muito é que existem pessoas que buscam a terapia quando têm filhos também, porque é aí que essas dificuldades começam a aparecer de uma forma mais evidente, quando você vai se reconhecendo na criança, quando você não quer que seus filhos sofram aquilo que você sofreu e, ao mesmo tempo, não consegue fazer diferente do que seus pais fizeram”, observa.

Roberta enfatiza que a dor que não é transformada é transmitida. “Às vezes, queremos curar uma dor muito profunda com um band-aid. Não funciona. De alguma maneira, isso vai continuar impactando na sua vida, em especial, na relação com seus próprios filhos. É uma demanda bem comum, que nem sempre as pessoas percebem. Ela chega ao consultório por outro motivo, pela insegurança, pela ansiedade. Quando vamos resgatando, percebemos que tem sua origem lá”, comenta.

Separação dos pais

Por muito tempo, a separação de um casal foi vista como tabu e os filhos sofriam o impacto, muitas vezes, até indireto, quando os pais de outras crianças as proibiam de brincar com elas, por essa mera diferença. Além disso, enquanto alguns casais que se separavam jogavam a culpa nos filhos, outros atribuíam a eles a justificativa para se manter casados, apesar de diferenças irreconciliáveis.

De acordo com a psicóloga, para a criança, a separação dos pais pode gerar impactos que ela só vai notar na vida adulta, em seus relacionamentos afetivos. Esse impacto vai depender de como a criança participou desse processo. “Tem casos em que, por mais que seja difícil essa separação, às vezes, ela ocorre até por pedido da criança, que tem um ambiente completamente agressivo, com brigas frequentes. Às vezes, a criança percebe que aquela relação não é boa para ninguém e pede para a mãe se separar”, comenta.

Roberta admite que uma separação gera impactos na criança e na formação de sua afetividade. Entretanto, a depender de como essa relação estava, o impacto da manutenção de uma relação abusiva e de uma família desestruturada também é grande.

“Quando a criança, nesse processo de separação, se vê abandonada de alguma maneira, isso pode ter algum impacto não só para os relacionamentos amorosos, mas para todo tipo de relacionamento. Ou eu sempre faço demais, com medo de que o outro vá embora; ou eu nunca entro por inteiro, para não me vincular, por medo de que o outro vá embora”, adverte.

Confira a entrevista com a psicóloga Roberta Seles na íntegra: