Sem contar o trabalho dos próprios pais, a profissão dos professores é a primeira que uma criança tem contato mais de perto. É o professor quem “abre a janela” para que a criança observe o mundo de forma expandida, ampliando seus horizontes e, progressivamente, estimula o debate e a reflexão em seus alunos, independente de sua idade.
Nesta véspera de Dia do Professor, a coordenadora pedagógica do Colégio Sepam, Sônia Mongruel e o coordenador do Sepam Vestibulares, Yuri Sócrates, debateram os desafios atuais da educação, em entrevista ao programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero e Jonathan Jaworski, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), nesta sexta (14).
Sônia pontua que foram muitos os desafios de adaptação enfrentados por professores e alunos durante o período pandêmico, em função da necessidade de isolamento e da adoção de linguagens tecnológicas para o processo de ensino-aprendizagem a distância. No entanto, apesar de as aulas terem sido retomadas no esquema presencial há algum tempo, no dia a dia, surgem novos desafios. “Ainda estamos entendendo as consequências desse isolamento que as crianças tiveram durante um ano e meio. Algumas escolas puderam voltar, gradativamente, no finalzinho de 2020 e outras, não, optaram por ficar o ano todo e, em 2021, a partir de agosto estávamos todos na escola”, argumenta.
Sócrates analisa que a pandemia evidenciou algo que os professores já percebiam como cada vez mais presente na vida dos adolescentes, das crianças e de todos, no geral, que é o uso mais incisivo das tecnologias. “Nos últimos tempos, tenho me dedicado a tentar entender um pouco mais isso, não apenas no período da pandemia, mas nas últimas décadas, e tentar entender esse fenômeno da internet como a cereja de um bolo muito maior, que já vem se desenvolvendo”, aponta.
O coordenador do Sepam Vestibulares menciona que o psicanalista Sigmund Freud (1856-1939) tinha uma expectativa bastante positiva no que diz respeito ao avanço das tecnologias, pois ele propunha que o avanço tecnológico ampliaria o acesso à informação, o que as tornaria mais livres. Anos mais tarde, um filósofo alemão da Escola de Frankfurt, Herbert Marcuse (1898-1979), aponta que Freud estava enganado sobre essa perspectiva de futuro, porque a tecnologia entrou muito mais nas nossas vidas, mas não somos, necessariamente, mais livres.
“Ele falava isso no contexto em que tinha, ainda, a proliferação da televisão, especialmente. Se pegarmos essa fala dele, que está muito bem descrita num livro chamado Eros e a Civilização, entendemos que os dias de hoje representam ainda mais essa fala, no sentido de que nunca tivemos, na história da humanidade, tanta facilidade de acesso à informação, porém, em que medida sabemos utilizar essa informação, em que medida sabemos garimpar uma informação?”, questiona.
Sócrates diz que, ao refletir sobre esses apontamentos de Marcuse, percebe uma relevância sem precedentes na história com relação ao papel do professor. O coordenador do Sepam Vestibulares menciona seu homônimo, o filósofo grego Sócrates (470a.C – 399 a.C.), definia conhecimento não como o acúmulo de informações, mas como a capacidade de conectá-las.
“O que eu percebo no meu aluno, hoje em dia, independente da idade, do curso que ele está querendo para o vestibular – e isso envolve todo mundo, para fora das portas das escolas – é que acesso à informação todo mundo tem. Em que medida temos essa capacidade de conectar informações? Percebo que, mais do que nunca, o papel do professor, vai se apresentando como extremamente relevante não necessariamente em trazer respostas – porque, resposta, a internet já tem, os livros têm – mas trazer perguntas”, frisa.
O professor avalia que uma pergunta bem posicionada, num momento oportuno, faz com que o aluno consiga desenvolver o que é conhecimento, de fato. “Quando você gera curiosidade e começa a fazer conexões entre informações, aí, sim, temos conhecimento. Tem muita informação no mundo? Demais. Com o smartphone, temos uma presença dessa informação muito mais incisiva no nosso cotidiano, mas em que medida sabemos utilizá-la?”, reforça.
Na visão de Sócrates – agora, o coordenador do Sepam Vestibulares, não mais o filósofo grego – todas as épocas estabelecem novos desafios no ensino. “Há um termo em alemão que acho muito válido para isso, que é o Zeitgeist – o ‘espírito do tempo’. Cada época da história tem seu conjunto de desafios, de tecnologias, de pensamentos, de crenças; então, cada época tem novos obstáculos a serem problematizados, enfrentados e, no momento certo, talvez vencidos, nem sempre vencidos”, reflete.
A professora Sônia destaca que, em sala de aula, há também o desafio de driblar o compartilhamento de informações falsas entre os alunos. “Cabe ao professor fazer questionamentos aos alunos para levá-los a perceber e buscar a fonte correta, buscar a informação correta. Entendo que, historicamente, sempre tivemos um papel relevante, mas penso que, hoje, mais ainda, porque as crianças, adolescentes e jovens têm acesso a essas informações, mas nem sempre têm maturidade emocional para entender essas informações”, avalia.
Dessa forma, ela considera que é necessário alguém com uma certa neutralidade – o professor – possa provocar que o aluno busque e perceba. “Às vezes, numa sala de aula, o professor tem um planejamento a ser cumprido, mas, ao aparecer a criança ou adolescente trazendo esse tipo de discussão, ela ensina muito mais do que, necessariamente, aquilo que está no livro”, afirma.
Sócrates pontua que, entre os alunos do pré-vestibular e do 3º ano do ensino médio, que fazem um uso mais acentuado dos celulares, com consulta quase que ininterrupta à internet, recai muito em sua inabilidade de criticar ou filtrar a informação que eles entram em contato.
Metodologias ativas
“O professor precisa estar muito bem informado e ter muito claro seu papel nesse contexto social. Temos hoje possibilidade de metodologias diferenciadas para poder chegar, de uma maneira, mais rápida, mais agradável”, aponta. Sônia enaltece que para desempenhar o processo de aprendizagem e levá-lo a bom termo exige bastante foco e concentração.
Em sua avaliação, algumas metodologias inovadoras, como a gamificação, precisam ser aplicadas com cautela. “O professor precisa entender isso, saber o que ele pode utilizar e como utilizar em sala de aula”, pondera.
Sônia comenta que o professor Paulo Tomazinho, especializado em metodologias ativas, como a gamificação, reforça que as metodologias ativas devem corresponder a 20% da carga horária do professor e, nos 80% restantes do tempo, o professor precisa ensinar, no método convencional. “Claro, entendendo, hoje, que o aluno não é um receptáculo de informações, mas que ele é um sujeito ativo, que fala, que pensa, que age. Não pode esquecer disso. Esses 80% não podem ser mais a escola que eu tive, em que ficávamos quietinhos, ouvindo”, diz.
A metodologia ativa ajuda o professor a promover debates, nas discussões em pares ou nas aulas invertidas. Porém, ela reconhece que a aplicação dessas metodologias também é um desafio ao professor. “Mudar sua prática é bem difícil”, conclui.
“Há várias metodologias, com toda essa discussão bem recente, da gamificação e essa tentativa de tornar o ensino algo mais atrativo, ainda que eu entenda as finalidades desse tipo de proposta, aprender é dolorido”, avalia Sócrates.
O professor conta que, algumas vezes, trabalha com os alunos trechos de obras densas, como do filósofo, historiador e ensaísta britânico David Hume (1711-1776). “A linguagem, numa obra dessas, ainda que traduzida para o português, é muito chocante para o aluno ler um trecho de dois, três parágrafos. Ele termina de ler e já fala: ‘caramba, não entendi nada; sinto que o cara fala parece que outro idioma, na verdade, não estou pegando a ideia do cara e ainda acho chato'”, cita.
Sócrates questiona em que medida o sistema de ensino, como um todo, está incorporando as tecnologias para ter um bom aprendizado e até que ponto elas são usadas apenas como outdoor que sugere que somos modernos a fim de se tornar atrativo para o possível aluno. “A tecnologia mais avançada da história da humanidade é o livro. Você pode comprar a edição mais linda que for, com capa dura, autografada pelo escritor. Se você não sentar e não tiver o empenho de ler, você não entende”, diz.
“Ler é um processo reflexivo. Pensar é um processo analítico, que exige confronto consigo mesmo, entrar em contato com aquela informação, entrar na mente do outro indivíduo, entender aquilo e recriar certos pensamentos seus”, acrescenta.
O excesso de informação, reflete o professor, faz com que tanto alunos quanto outras pessoas não necessariamente inseridas no processo de ensino-aprendizagem, se sintam “donos de verdades”, apenas porque leram títulos, sem explorar o conteúdo. “Às vezes, levantamos em sala de aula um tema mais recente ou mais polêmico, para se trabalhar em Ciências Humanas e percebemos que a argumentação do aluno, muitas vezes, é muito rasa, porque é baseada em manchetes, em informação rápida, de facílima absorção, que exige zero empenho do aluno para entrar em contato com aquilo”, analisa.
Confira a entrevista dos coordenadores do Sepam na íntegra: