Cerca de 1,2 milhão de brasileiros convivem com alguma forma de demência e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano. Em todo o mundo, o número chega a 50 milhões de pessoas, de acordo com a Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde. Segundo estimativas da Alzheimer’s Disease International, os números poderão chegar a 74,7 milhões em 2030 e a 131,5 milhões em 2050, devido ao envelhecimento da população.
O programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba) desta sexta (9) recebeu o neurologista Omar El Sayed, que prestou informações acerca dos cuidados para identificar e lidar com a Doença de Alzheimer e outras demências, assim como formas de reconhecer seus diferentes estágios. Um estudo indica que, depois dos 80 anos, até 30% dos idosos podem vir a sofrer da Doença de Alzheimer, aponta o especialista.
O médico neurologista é membro titular da Academia Brasileira de Neurologia; mestre em Ciências da Saúde; professor de Neurologia no curso de Medicina da UEPG; preceptor da Residência de Neurologia do Hospital Regional Universitário dos Campos Gerais (HRUCG); chefe do Serviço de Neurologia do Hospital Bom Jesus e Hospital Vicentino.
A Doença de Alzheimer “é uma enzima que ‘come’ o cérebro. O que ativa essa enzima? A ciência não sabe”, diz. Conforme o neurologista, a ideia central do tratamento é o trabalho de prevenção e, depois de diagnosticada, estagnar sua evolução. Ele compara o Alzheimer ao cupim: “a madeira que comeu não vai recuperar, mas vamos trabalhar para parar a evolução”.
Para prevenir o Alzheimer, não há uma “receita mágica”, mas o neurologista recomenda reduzir os antioxidantes, substâncias que podem estimular essas enzimas. Outra recomendação, nesse sentido, é fazer atividades físicas aeróbicas, por cerca de 20 a 30 minutos por dia, e reduzir o consumo de produtos industrializados ultraprocessados.
Segundo o neurologista, a região com menor incidência de Alzheimer é o Mediterrâneo (Portugal, Espanha, Grécia), porque seus habitantes consomem muitas verduras, oleaginosas (castanhas), peixes, pouco agrotóxico. Em compensação, em países onde o consumo de industrializados e o sedentarismo são mais evidentes, como nos Estados Unidos, a prevalência é maior. Alguns países da Europa e o próprio Brasil acompanham essa tendência.
“Vamos para a academia para ficarmos fortes, mas esquecemos de treinar o cérebro, de cuidar dele”, diz. Esse exercício para o cérebro, o “recrutamento cognitivo”, é feito com estímulo ao cérebro, por exemplo, executando uma tarefa rotineira de modo diferente, que pode ser, até mesmo, fazer uma caminhada por um trajeto diferente do habitual, para “quebrar” o costume e a ação automática. Procurar aprender uma nova língua, tocar um instrumento musical servem também como estímulos.
Quando os pais – ou qualquer familiar mais velho – já desenvolveu o Alzheimer, uma coisa que os filhos devem evitar, ao máximo, é privá-lo das atividades que ele costumava fazer, tentando poupá-los, porque, ao fazer isso, vai prejudicá-los ainda mais. O médico sugere que se permita, sim, que a mãe faça a lista de compras, que calcule o gasto mensal com remédios, que cozinhe, enfim, que se mantenha ativa e com o cérebro estimulado. Segundo El Sayed, não é uma doença hereditária, pois apenas cerca de 5% dos casos possuem correlação genética.
A depressão na terceira idade é, aliás, um dos sinais do início de Alzheimer, que não é, obrigatoriamente, uma doença que se manifesta apenas em pessoas mais velhas. Existe o Alzheimer precoce, que afeta pessoas mais jovens.
Entretanto, o sintoma mais evidente é a perda de memória recente: o paciente lembra de forma nítida de episódios de 20, 30 anos atrás, mas não lembra de coisas que acabou de fazer ou dizer. Pode esquecer de pagar uma conta ou relatar repetidas vezes a mesma história, como se fosse inédita, ou perder objetos de forma mais frequente.
O médico sugere dois filmes que mostram bem a realidade de quem sofre com Alzheimer: “Para Sempre Alice” (2014), com Juliane Moore, que fala do Alzheimer precoce, e “Meu Pai” (2020), com Anthony Hopkins, que mostra como uma família lida com o Alzheimer do protagonista. O primeiro filme está disponível no streaming HBO Max e o segundo, na Paramount+.
Perda da memória
De acordo com El Sayed, logo em seguida das dores de cabeça, as queixas sobre a perda de memória lideram o ranking dos motivos que levam os pacientes a seu consultório. “Atuo desde 2009 e vejo uma piora importante da perda de memória. Nessa análise do que vem piorando, tem um fator crucial: o excesso de informação. Nosso cérebro não foi programado para multitarefa”, alerta.
Conforme o neurologista, as pessoas hoje em dia se encarregam de muitas tarefas simultâneas, o que impede que elas foquem numa atividade. “O primeiro passo para a memorização é a atenção. Tenho que estar atento, a região do meu cérebro competente à atenção, para posterior memorização ativa”, explica.
Um dos principais elementos nesse sentido é o fato de que o smartphone virou uma extensão do corpo humano: a todo momento, enquanto comemos, trabalhamos, conversamos pessoalmente com alguém, dividimos a atenção com a tela do celular. De acordo com o especialista, esse consumo excessivo de informação tem acarretado crises de insônia, que é um sintoma de ansiedade, “de um cérebro que não ‘desliga'”.
Alterar a ordem das atividades da rotina ou testar trajetos diferentes para chegar a um mesmo lugar podem contribuir para a memorização. El Sayed explica que possuímos dois modos operantes em nosso cérebro: o rápido e automático, que é pré-programado, consome menos energia e dá menos trabalho, e o modo lento reflexivo. Esse segundo modo aciona novas redes neuronais. “No modo reflexivo, você recruta mais neurônios, para e observa”, diz. Um exemplo de uso desse modo reflexivo é quando viajamos, porque saímos de nossa rotina e o tempo parece passar mais devagar.
Drogas
Ao abordar o efeito de algumas drogas sobre o cérebro, El Sayed pontua que a cocaína, entre os anfetaminéticos, hiperestimula a atividade cerebral. “Você deixa aquele cérebro tão hiperestimulado que ele não aguenta, rompe conexões”, diz. O médico compara a situação a instalar um motor Turbo num Fusca.
Entre as drogas lícitas, o metilfenidato (comercialmente conhecido como Ritalina ou Venvanse) já apresenta as consequências de seu consumo a longo prazo. “A função dele no cérebro nada mais é do que microestimulações, como se fosse a cocaína. Fisiologicamente, faz a mesma coisa, mas em microdoses, de forma controlada”, aponta. A prescrição é bastante restrita: trata-se de remédio tarja preta, receita amarela, para não mais do que um mês de uso.
Depois de mais de duas décadas desse medicamento sendo prescrito a pacientes, neurologistas já são capazes de observar que, em longo prazo, ele tem provocado uma piora cognitiva. “Lá atrás, ele ajudou [no foco], mas agora está causando piora cognitiva”, adverte.
Nesta semana, a Assembleia Legislativa do Paraná começou a discutir projeto de lei que trata de acesso a medicamentos à base de canabidiol, no Paraná. O neurologista frisa que o canabidiol já é pesquisado há muitos anos nos Estados Unidos e na Europa e, em países de primeiro mundo, ele já vendido sob prescrição nas farmácias. “O canabidiol é um substrato da maconha, mas nós somos um dos poucos seres vivos que temos receptores canabidioides”, diz.
O neurologista atesta que o canabidiol possui efeitos positivos. “Hoje, tenho mais de 50 pacientes que usam canabidiol. Até recentemente, foi bloqueado e, depois, liberado novamente; de forma precipitada, um bloqueio sem tantos critérios, mas foi liberado e é usado para diversas situações”, aponta.
Vale lembrar que o tetrahidrocanabinol (THC), presente na maconha, é prejudicial. “Fumar maconha faz mal para a saúde. Ele perde memória e precipita episódios esquizofrênicos. O paciente pode dar o start numa esquizofrenia. É claro que precisa haver uma predisposição”, salienta.
Em geral, observa El Sayed, a droga age sobre o sistema de recompensa. “Teu cérebro tem uma explosão de prazer e você quer aquilo de volta”, acrescenta.
O calmante Rivotril (benzodiazepínico) cria dependência, conforme o neurologista. Contudo, estudos comprovam que o medicamento não causa perda de memória mediante o uso prolongado, apesar de ele perder o efeito calmante e sedativo.
Confira a entrevista com o neurologista Omar El Sayed na íntegra: