Sábado, 17 de Maio de 2025

Médico explica o que são, afinal, os cuidados paliativos e a quem se direcionam

Tema passou a chamar a atenção depois do anúncio de que o ex-jogador Pelé não responde mais à quimioterapia
2022-12-15 às 11:47

Desde que foi anunciado que a equipe médica que atende ao tricampeão mundial Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, de 82 anos, adotou os cuidados paliativos pelo fato de o craque não responder mais ao tratamento quimioterápico a que vinha sendo submetido, o tema ganhou interessa da população. Afinal, em que consistem os cuidados paliativos.

Em participação no programa programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), desta quinta (15), o médico Edek Francisco de Mattos e o professor Everson Krum respondem a essa dúvida.

Os cuidados paliativos são regulamentados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que determina em que circunstâncias eles podem ser adotados. Uma questão polêmica relacionada aos cuidados paliativos, mas também regulamentada, segundo Krum, diz respeito às diretivas antecipadas de vontade – ou seja, o que o paciente, dependendo de sua condição busca como tratamento ou não.

“Tudo isso é discutido com o médico e com a família, sempre que possível e aí se toma uma decisão. Pode-se registrar isso em cartório e dizer qual é a vontade dela, dependendo da condição de saúde que tiver”, acrescenta.

Segundo o médico Edek Francisco de Mattos, que integra a Comissão de Cuidados Paliativos do Hospital Universitário Regional dos Campos Gerais (HURCG), tratar o paciente terminal para que ele encerre sua vida com dignidade é apenas um dos escopos que embasam os cuidados paliativos. A isso se dá o nome de “cuidados de fim de vida”.

Ainda de acordo com Mattos, que é especialista em Clínica Médica pelo HURCG e pós-graduando em Cuidados Paliativos pelo Instituto Paliar, os cuidados paliativos não se restringem apenas a pacientes cujo tratamento não surte mais efeito. “O cuidado paliativo pode ser inserido já antes. Paliativo deriva da palavra palium, que significa ‘manto’, que os cruzados usavam para fazer as travessias nos desertos, para poder se proteger das intempéries, como uma tentativa de cobertura”, detalha.

Diferente que o senso comum costuma apontar, os cuidados paliativos não se resumem a aliviar o sofrimento de quem está prestes a morrer. Pelo contrário, pode também contribuir como um “bálsamo” para quem espera uma nova chance para voltar a viver com plenitude, como pacientes de hemodiálise, que aguardam um transplante de rim, ou pacientes com insuficiência cardíaca.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) prescreve os cuidados paliativos para a melhora da qualidade de vida do paciente e da família, diante de doenças ameaçadoras da vida, que tragam grande sofrimento. “Quando falamos em doença ameaçadora da vida, não é uma doença que não tenha cura. Um câncer, por exemplo, que não tenha cura, pode já começar com cuidado paliativo junto”, esclarece.

Um trabalho científico, chamado “Suporte”, de 2011, fez um comparativo entre pacientes que sofriam de câncer de pulmão e acompanhava os que foram acompanhados, desde o começo do tratamento, com cuidados paliativos e os que não os receberam. “Os pacientes que acompanharam o cuidado paliativo viveram mais, tiveram melhor qualidade de vida e menos sofrimento”, cita.

De acordo com o médico, o cuidado paliativo alivia dores; avalia e previne sintomas de desconforto – como falta de ar, ânsia, vômito. “Você pode até me perguntar ‘mas não é isso o que todo médico faz?’. Como, na Medicina, temos o escopo e entendimento geral, temos o escopo especializado. O paliativista entra, exatamente, vendo quais são os sofrimentos que acabam afetando o indivíduo”, diz.

Diretiva antecipada de vontade

Os cuidados paliativos também costumam atender a pacientes que sofrem de demências. Segundo o médico, se há o diagnóstico precoce e a pessoa consegue expressar suas vontades, a avaliação com o paliativista analisa os valores da pessoa e como ela se imagina, ao longo da evolução da doença, em situações de dependência de terceiros. Nessa avaliação, se define previamente quais procedimentos paliativos devem ser adotados em cada etapa da evolução de uma doença degenerativa.

A diretiva antecipada de vontade (Resolução 1995/2012, do CFM) expressa que o paciente pode registrar como ele pretende ser tratado nesses casos. Essa vontade pode ser escrita a mão. “Não precisa ser digitada, nem tem um formulário. Pode ser registrada em cartório”, explica. Nesse documento, a pessoa lista que tratamentos gostaria de receber ou não conforme o quadro de sua doença evoluir e isso é acordado com o médico que já a acompanha.

“Pode ser feito e assinado em cartório, mas é muito importante que essa diretiva seja discutida com seus familiares”, salienta. Em casos mais críticos à saúde do paciente, se ele já expressou sua vontade aos familiares, não há necessidade de nenhum documento assinado: a reunião com a família e com a equipe hospitalar já possui validade jurídica para determinar os procedimentos, explica Mattos.

Interrupção de tratamento

Em relação ao Pelé, os cuidados paliativos foram adotados para alívio do sofrimento que o câncer tem causado, uma vez que o ex-atleta já não responde mais ao tratamento quimioterápico. Segundo Mattos, os procedimentos adotados dependem do tipo de desconforto que Pelé venha a sofrer, conforme o tipo de metástase e os sintomas que ela venha a trazer.

A adoção de cuidados paliativos, contudo, não representa, necessariamente, a interrupção do tratamento médico de uma doença. “O paciente pode acompanhar com o médico especialista dele e com o paliativista. O paliativista tem a autonomia de fazer o diagnóstico de uma doença que já esteja muito avançada, o que não exclui a possibilidade de continuar o tratamento com o oncologista, por exemplo”, diz.

Muitas vezes, segundo Mattos, o trabalho do paliativista é descobrir o que causa o sofrimento no paciente, a fim de aliviá-lo justamente para que ele possa prosseguir o tratamento sem esse desconforto, ou fazer com que ele seja amenizado. “Existem pacientes que não toleram hemodiálise, por vários motivos. A partir do momento em que você consegue avaliar o que causa esse sofrimento para tratar os sintomas para ele poder continuar e que o médico consegue alinhar toda a avaliação desse sofrimento – seja psíquico, seja, inclusive, espiritual – e consegue aliviá-lo, pode ser que a pessoa persista no tratamento”, ilustra.

O cuidado paliativo vai além do atendimento médico e abrange toda uma equipe multidisciplinar, que inclui fisioterapia, enfermagem, psicologia e terapia ocupacional, por exemplo. O médico coordena essa equipe.

A autonomia do paciente para definir quando serão reduzidos ou interrompidos os cuidados paliativos é uma questão bastante sensível, levando-se em conta nossa legislação, segundo Mattos. “O paciente tem direito de escolher que tipo de tratamento ele quer ser submetido. Ninguém pode ser coagido a fazer alguma coisa. O próprio Código de Ética Médica fala que em situações ameaçadoras de vida, o médico pode acabar fazendo medidas salvadoras. Também pensando nisso, quando o diagnóstico é de uma doença incurável, está progressiva, e esses tratamentos não estão conseguindo reverter o quadro da doença, é permitido para o médico segurar esses tratamentos, não continuar persistindo nesse tratamento, que vamos chamar de fútil, porque não está conseguindo fazer sua ação prometida”, aponta.

Por exemplo, um paciente em UTI faz uso de droga vasoativa – um remédio para manter a pressão sanguínea do paciente, quando ela está muito baixa – e já apresenta outros vários problemas, como má função dos rins e dos pulmões e doenças que já afetavam sua qualidade de vida. Nessa situação, se os médicos concluem que a medicação já não funciona mais, vão precisar lidar com um dilema filosófico, porque, na nossa cultura, a morte é vista como tabu.

Eutanásia

Proibida no Brasil, a eutanásia consiste na prática de morte assistida, ou seja, a morte do paciente que não responde mais a tratamento é induzida. Na Holanda, por exemplo, a Lei da Eutanásia, que permite a prática, está em vigor há 20 anos, mas pune com até 12 anos de prisão sua má aplicação.

Nos Estados Unidos, uma paciente de 80 anos, que convalescia com câncer de mama, foi a primeira pessoa a obter autorização judicial para o suicídio assistido, em março de 1998. Até 2015, cinco estados americanos já permitiam a prática: Montana, Oregon, Washington, Vermont e Califórnia. Um juiz do Novo México chegou a aprová-lo em 2014, mas uma corte de apelações revogou a decisão.

“O cuidado paliativo afirma a vida. Ele não posterga nem adianta a morte. Vamos acompanhar o ciclo natural da vida”, observa Mattos.

Cuidados paliativos na região, via SUS

O Hospital Universitário Regional dos Campos Gerais (HURCG) possui uma Comissão de Cuidados Paliativos, da qual Edek Mattos faz parte. “Não funcionamos somente para esses casos, mas os acompanhamos, justamente, para ter horizontalidade: fazer o acompanhamento do paciente em todos esses dias, para que os plantonistas, que se alternam, entendam qual é a conduta”, explica.

O Hospital de Caridade Darcy Vargas, no município de Rebouças, possui uma Unidade de Cuidados Continuados Integrados, pioneira no interior do Paraná, que atende a pacientes que dependem de cuidados paliativos. O hospital filantrópico realiza todo o atendimento via SUS e aceita doações voluntárias. A UCCI do Hospital Darcy Vargas admite pacientes oriundos de várias Regionais de Saúde do Paraná, entre elas a 3ª, sediada em Ponta Grossa. Mais informações aqui.

Confira a entrevista com o médico Edek Mattos na íntegra: