Domingo, 29 de Setembro de 2024

Debate: Como diferentes religiões encaram os mesmos valores?

2022-12-21 às 17:27
Padre Edvino Sicuro, Sheik Jawad Heidari e Benyamin Zait

O programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), desta quarta (21), recebeu o padre Edvino Sicuro, que comemorou 40 anos de sacerdócio no início de dezembro, representando a Igreja Católica; Benyamin Zait, representando o Judaísmo e o sheik Jawad Heidari, da mesquita Imam Ali, representando o Islamismo, para um bate-papo inter-religioso a fim de apresentar semelhanças e diferenças entre suas heranças filosóficas e culturais.

Na semana passada, a mesquita Imam Ali (Rua do Rosário, 138 – Centro) recebeu o padre Edvino Sicuro para uma conversa com essa finalidade. O sheik, que veio do Irã, está em Ponta Grossa há um mês e, antes disso, esteve em Guarapuava nos últimos quatro anos. “Vamos nos preparar para o Ano Novo e torcer para que seja melhor do que foi neste ano, em paz, com amor e felicidade e cheio de bênçãos, pois é isso o que precisamos”, afirma Heidari.

O padre Edvino observa que esta talvez seja, na história de Ponta Grossa, a primeira vez que representantes das três principais religiões monoteístas se reúnem. “Ponta-grossense de coração”, o sacerdote, que estava na Congregação do Verbo Divino, cativou principalmente os fieis da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, onde atuou por 16 anos, entre 1999 e 2006 e, depois, entre 2012 e 2020. Também trabalhou por 10 anos no Seminário do Verbo Divino e passou cinco anos em Roma. “Muitas vezes fazemos o diálogo ecumênico, mas é diferente um diálogo ecumênico de um inter-religioso”, destaca.

Representante da sinagoga Anussim de Ponta Grossa (R. Dr. João Cecy Filho, 3242 – Rio Verde), Benyamin Zait considera uma honra estar junto de representantes de outras religiões “para aprender, conhecer e congraçar, trazer a união entre essas três religiões. Não podemos nos separar, não podemos nos permitir sermos divididos. Temos que ter um único objetivo, que é, justamente, o amor ao Eterno e a dedicação a tudo aquilo que se refere a D’us Eterno e Todo-Poderoso”, diz.

União

Na visão do sheik, o ser humano perdeu a consciência de que tem deixado muitos valores importantes de lado. “Deixar para trás esses valores tem motivo e um deles é a falta de conhecimento e de informação. Uma pessoa que cresce, desde a infância, sem entender a importância de união coletiva não vai poder ficar num ambiente que respeita essa união”, avalia.

Heidari explica que na religião islâmica o aprendizado prioriza a prática e o exemplo. Os líderes das mesquitas – os imames, sucessores do profeta Maomé – pregam que se você quiser fazer seu filho acreditar em Deus, se tornar monoteísta ou acreditar na profecia de outros profetas, e gostar da família, tem que exercer isso na prática. “Pais, mães e irmãos têm uma responsabilidade grande. Tem que começar em casa e ensinar às pessoas mais jovens. Se você quer seu filho dentro da moral, da ética, ter sabedoria e buscar as coisas boas e virar um bom servo para Deus, ele não vai te ouvir, mas vai ser como você é”, diz.

“Para nós, cristãos, Jesus mesmo, na Oração Sacerdotal, no capítulo 17 de São João [o Evangelho de São João], vai dizer ‘Pai, que todos sejam um para que o mundo creia’. Infelizmente, a polarização está muito forte, inclusive no nosso país, mas também no mundo todo”, observa o padre Edvino. O sacerdote considera que o mundo ainda não aprendeu o espírito da fraternidade.

O padre ressalta a importância de respeitar a diversidade. “Deus criou o mundo em plena harmonia e o mundo se desviou desse plano original de Deus, através do pecado. Nós temos o dever, a obrigação de trabalhar pela unidade, não pela homogeneidade”, comenta.

O representante do judaísmo concorda e fala também do respeito à individualidade. “Nós conseguimos a união através das diferenças. Todos e cada um de nós, cada ser humano, cada indivíduo pensa diferente um do outro. Ninguém pode forçar alguém a pensar como eu penso, a ter a ideia que eu tenho. Cada um acredita naquilo que acredita; tem fé naquilo que tem fé e tem que ser respeitado como tal”, analisa. Para Benyamin, o respeito é uma via de mão dupla: quem respeita é respeitado e vice-versa.

Vaidade e empatia

Vencer o egoísmo e a vaidade a fim de compreender o ponto de vista do outro é um desafio. O católico tem como principio que o ser humano é criatura e que, assim, existe alguém superior a nós – o Criador. “Meu professor de Bíblia sempre dizia: Deus é Deus e o homem não é Deus”, comenta. Padre Edvino observa que o pecado original da humanidade foi justamente a tentativa do homem de ocupar o lugar de Deus – ao consumir do fruto proibido da Sabedoria.

Essa “tentação” do anseio pela superioridade, compara o sacerdote, pode ser observada hoje nas empresas, quando alguém é promovido, ou quando assume um cargo político. “Está dentro do homem esse pecado. O Salmo 51 nos diz: ‘Em pecado, minha mãe me concebeu’. Somos concebidos no pecado, mas temos que vencê-lo. O que vence o pecado é a vivência do amor”, salienta.

Benyamin complementa ao diferenciar o egoísmo do altruísmo: o primeiro é centrado no “eu”, na satisfação das próprias vontades. O segundo, pelo contrário, se baseia na empatia, no se colocar no lugar do outro. “A partir do momento que você respeita a si mesmo, você passa a respeitar o outro”, diz. “E servir ao outro”, acrescenta Edvino.

“No Judaísmo, temos uma obrigação de fazer o tsedacá [também grafado como tzedaká, significa justiça social; em hebraico: צדקה]. Nós temos 248 mandamentos positivos, coisas que nós temos que fazer. O tsedacá não é esmola, é justiça. Ou seja, aquele que tem mais, que pode fazer algo pelo seu irmão, tem a obrigação de fazer”, explica Benyamin, sobre o preceito da solidariedade.

“Se você tem a condição de ensinar alguma coisa para uma criança para que ela se torne capaz de se sustentar, faça isso. Se você tem a capacidade de ensinar uma pessoa a fazer um determinado trabalho para desse trabalho tirar o seu sustento, isso é tsedacá. Se você vê uma pessoa passando fome, você tem a obrigação de comprar um prato de comida e trazer para essa pessoa que está passando fome”, acrescenta.

De acordo com o sheik, o respeito encerra a arrogância. Porém, respeitar a crença alheia não significa necessariamente aceitar. Respeitar a diferença de crença ou de opinião, conforme Heidari, passa por entender que o próximo possui liberdade de ter outro ponto de vista. Ele compreende que as três religiões – judaísmo, catolicismo e islamismo – possuem pontos em comum, porque há uma mesma matriz: são monoteístas e descendem de Abraão.

“O Islã veio para completar outras religiões. Cada profeta tinha uma missão e todos os profetas tinham missões em comum. O profeta Moisés fez sua missão e deixou a terra. Veio Jesus Cristo para completar a missão anterior. Nós acreditamos que veio o profeta Muhammad [Maomé], o último profeta, para completar as missões anteriores”, explica. Heidari acrescenta que o Islamismo nos oferece um caminho para que, em vez de arrogantes, sejamos humildes.

A tradição do Islamismo recomenda a visita frequente ao cemitério para que entendamos e aceitemos, com humildade, nosso destino. “O corpo vai morrer, mas a alma vai ter sabor de morte, de acordo com o Alcorão, nosso livro sagrado. Quem vai ficar na eternidade e ser julgado é a alma, é dela que temos que cuidar”, afirma.

Moralidade e ética

“Quando nós acreditamos que nossa opinião, nossa maneira de agir e nossa fé é tão importante quanto a fé de qualquer outra pessoa, estamos buscando a integração entre as pessoas”, afirma Benyamin. Ele aponta que o respeito entre as diferentes religiões e suas diferentes crenças é possível desde que cada um não procure interferir na fé alheia.

“Mesmo numa multidão, cada indivíduo tem seu pensamento, sua fé, sua ideia – ou a falta de fé – cada pessoa é como é e precisa ser respeitada dessa forma”, enfatiza. Benyamin compara a sociedade ao corpo humano, em que cada órgão tem uma função única, mas juntos eles fazem esse corpo sobreviver. “Cada ser humano, como componente da humanidade, precisa aceitar e respeitar todos os outros”, salienta.

O padre Edvino salienta que a Igreja Católica percebe uma crise ética no mundo atual, porque os valores estão sendo relativizados. “Aquilo que foi, durante muito tempo, uma questão de pautar a vida pela ética e pela moral, hoje em dia é tudo relativo. Um exemplo é o matrimônio, que sempre foi tido como algo para sempre e hoje é, como diz a música [do Negritude Jr.]: ‘que seja eterno enquanto dure’. Não existe mais valor perene. Esse é o grande problema ético”, considera.

O sacerdote também critica o discurso pró-aborto “meu corpo, minhas regras”. “Deus é o dono do nosso corpo, não posso dispor. A questão da bioética também é muito discutível”, diz. Edvino ressalta que a religião tem um código de ética próprio. “Os Dez Mandamentos são uma codificação da lei natural e, para nós, cristãos, o quinto mandamento é central, no sentido do respeito à vida, não matar”, pontua.

O Islamismo prega que cada membro será testemunha no dia do juízo final. “Na parte da ética, cremos que a religião é um código de vida. Não é um dia por semana ou uma hora por dia que vou me conectar com Deus, vou falar com ele para me aliviar um pouco. Não funciona assim. Desde o nascimento até morrer, até o dia do juízo final, a religião trouxe para nós a ética”, comenta.

“Peço aos jovens – os adultos já sabem qual é o caminho certo – mas peço aos jovens, porque eu sempre ouço eles reclamarem que a religião é antiga, já era, é história. Então, você já experimentou muitas coisas, vem também experimentar a religião”, convida Heidari.

Confira a íntegra da entrevista: