Baseada no mapeamento genético, a partir do qual pode oferecer abordagens totalmente personalizadas para cada paciente, a nutrigenômica vem revolucionando a forma como as pessoas fazem dieta e se previnem de doenças como o câncer
por Michelle de Geus
Há cerca de 20 anos, o Projeto Genoma Humano fez história ao sequenciar a maioria dos genes que formam o nosso organismo. Conhecer as instruções contidas no DNA é entender o que nos torna humanos, e essas descobertas revolucionaram a medicina e a forma como cuidamos da saúde. Agora é possível entender não apenas como as variações genéticas interagem com as doenças, mas também como o nosso organismo reage ao nosso estilo de vida e alimentação. Não demorou para que esse conhecimento chegasse também ao consultório de nutricionistas, dando origem a uma abordagem muito mais personalizada e focada integralmente em cada paciente.
A nutrigenômica é a ciência que estuda a relação entre a nossa dieta e os nossos genes, ou seja, como a ingestão de vitaminas, carboidratos e gorduras interage dentro do núcleo das células. “Essa interação pode tanto estimular a homeostase quanto trazer prejuízos para o metabolismo”, explica a nutricionista Adriane Cristina Colaça, especializada no assunto. Segundo a profissional, que atende na clínica Zênite, em Ponta Grossa, a homeostase consiste na capacidade inata do organismo de se manter em relativo equilíbrio para realizar as suas funções adequadamente.
Impacto na saúde
Adriane explica que aquilo que ingerimos diariamente pode afetar os fatores de transcrição do DNA. “Esses fatores de transcrição são responsáveis pelas codificações de genes específicos e se ligam a regiões promotoras desses genes, ativando ou inativando a sua função. Além disso, são responsáveis por modular a expressão do DNA e estão envolvidos no controle da expressão gênica”, aponta, destacando que a expressão gênica é responsável pela formação de enzimas e moléculas que transportam vitaminas, minerais e hormônios. “Alguns indivíduos possuem variações genéticas que reduzem a atividade de algumas enzimas ou a capacidade dos receptores de captar as vitaminas do ambiente extracelular para o ambiente intracelular. Na prática, isso significa que essas pessoas vão precisar de mais vitaminas e minerais para que o seu organismo funcione corretamente”, exemplifica.
A nutricionista observa que tanto o excesso quanto a falta de micronutrientes impactam diretamente na saúde, e cita como exemplo o excesso de vitaminas do complexo B. “Esse excesso produz uma hipermetilação no DNA, ou seja, a molécula do DNA fica mais compacta, dificultando a expressão de alguns genes importantes. Se o gene afetado for, por exemplo, o supressor tumoral conhecido como p53, nós temos a redução da ação enzimática desse gene, que funciona como um tipo de freio para impedir que as células se dividam rapidamente”, detalha. “Nós perdemos a capacidade de verificar a integridade do DNA durante o seu processo de duplicação e as células começam a se multiplicar sem essa espécie de selo de qualidade, aumentando exponencialmente o risco de desenvolvimento de câncer”, alerta.
Gerenciamento de peso
Adriane comenta que 99,9% do DNA é comum a todos nós e apenas 0,1% nos torna diferentes uns dos outros. “Entre essas diferenças, estão modificações que podem dificultar o gerenciamento de peso, pois existem genes que aumentam a sensação de fome e reduzem a sensação de saciedade”, afirma. Isso explica porque algumas pessoas têm mais dificuldade para emagrecer, mesmo mantendo uma dieta considerada saudável. “O ganho de peso é a soma de fatores genéticos com o estilo de vida. Dietas padronizadas agem em apenas 50% dos fatores envolvidos na obesidade”, elucida, enfatizando que, para uma dieta funcionar, é preciso trabalhar esses dois quesitos.
A nutricionista destaca ainda que algumas dietas padronizadas são muito restritivas, e alerta que a privação de nutrientes importantes pode levar à redução da massa muscular, osteoporose, imunossupressão e até mesmo ao comprometimento da função cognitiva. “Por outro lado, a dieta personalizada age dentro das limitações genéticas do indivíduo e inclui todos os nutrientes nas concentrações adequadas para aquela pessoa naquele momento de vida”, compara, mencionando também que a função da nutrigenômica é propor soluções práticas e individualizadas para cada paciente, o que aumenta a adesão à dieta e colabora para a manutenção do peso.
Prevenção é o segredo
No entanto, a nutricionista ressalta que a saúde vai muito além do peso corporal e pode ser definida como qualidade de vida. “Mais importante do que a sequência dos genes no nosso DNA, são as variações genéticas que podem elevar o risco de determinadas doenças”, salienta, lembrando que o maior beneficio da nutrigenômica é trazer previsibilidade e atuar de maneira preventiva. “Quando eu controlo a qualidade e a integridade do DNA no seu processo de duplicação, eu garanto a geração de células saudáveis e reduzo a chance de doenças oncológicas”, cita. Além do câncer, nutrigenômica também identifica doenças como Parkinson, Alzheimer, alterações metabólicas, risco de hipertensão arterial e outras condições cardiovasculares.
O futuro será personalizado
Adriane define a nutrigenômica como uma ciência inovadora, eficiente e direta. “Quando você faz o mapeamento genético, é como se você recebesse um manual de instruções sobre o seu corpo. Você compreende como ele funciona e identifica as carências que ele tem”, frisa. Adriane acredita que, em um futuro próximo, a nutrição e as demais áreas da saúde estarão mais voltadas para os tratamentos e protocolos personalizados. “Quem ganha é sempre individuo, com mais saúde e mais prevenção de doenças”, conclui.