Sexta-feira, 20 de Setembro de 2024

Constelação Familiar: Curando feridas de geração em geração

2020-02-18 às 16:00

As constelações familiares estudam as relações humanas e mostram como comportamentos negativos podem ser repetidos ao longo de gerações

Em um pequeno grupo de pessoas, cada um recebe a missão de desempenhar um papel. Pais, cônjuges, filhos, irmãos, avós e todo o ambiente familiar é representado, incluindo suas relações e conflitos. O exercício lembra o teatro, mas possui significados muito mais profundos. Trata-se das constelações familiares, uma prática psicoterapêutica baseada nos ensinamentos do alemão Bert Hellinguer. Nos anos 80, ele começou a estudar a influência dos relacionamentos familiares e como determinados comportamentos podem ser repetidos de geração em geração dando origem a novas dificuldades e problemas. A constelação familiar pode ser aplicada individualmente, em casal ou em grupos de pessoas, com o auxílio de bonecos ou de animais que irão representar os vínculos familiares e antepassados.

O psicólogo ponta-grossense Rodrigo Koroviski trabalha há cinco anos com constelações familiares e explica que não existe uma técnica pré-definida, cada profissional adapta de acordo com a sua necessidade e a do grupo. Ele costuma fazer sessões com grupos de até 20 pessoas onde, como se fosse uma peça de teatro, existe quem vai apenas assistir, os chamados representantes; a pessoa que vai constelar, ou seja, expor a situação-problema; e o constelador, que atua como um diretor. A pessoa que vai constelar deverá apresentar um tema ou questão, que pode ser problemas de relacionamento, no campo profissional, finanças ou doença. Algumas pessoas que estão assistindo são chamadas ao centro do grupo para representar elementos importantes da temática e são instruídos a seguir os impulsos do próprio corpo. Eles podem sentir vontade de se afastar ou se aproximar de outros representantes, sentar no chão ou deitar. Livre de julgamentos e preconceitos, o terapeuta auxilia o paciente a identificar padrões de comportamento que se repetem nas famílias e problemas relacionados às vivências de seus pais e antepassados.

De acordo com Rodrigo, todas as pessoas podem participar da constelação familiar, independente da crença, sexo ou idade. “Eu indico essa técnica para todas as pessoas que têm interesse em descobrir os seus vínculos familiares e comportamentos dos antepassados que estão sendo repetidos”, diz. Bert Hellinguer chama essas repetições de emaranhamentos, ou seja, quando alguém retoma ou revive inconscientemente o destino difícil de um familiar que viveu antes dele. “Identificar esses padrões de repetição e perceber a sua influência nos relacionamentos familiares é uma maneira a ter uma vida mais saudável. A sensação que me relatam após um grupo é de alívio ou mesmo tirar um peso”, conta.

Rodrigo garante que as constelações familiares são eficazes, mas é preciso estar disposto a olhar para os problemas. “Como todo e qualquer processo psicoterapêutico, é preciso estar disponível frente a um processo de cura. Se a pessoa procura uma constelação familiar consciente que isso pode trazer uma resolução de conflitos e melhor entendimento de situações, aí sim temos um bom resultado”, afirma. Ele acrescenta que os efeitos variam de pessoa para pessoa. “Existem casos onde vemos resultados imediatos; já em outras onde leva-se alguns meses ou até mesmo anos. Porém, não é apenas a pessoa que constela que sente os resultados, mas também a sua família e até mesmo que está participando como representante”, destaca.

Ciclos de vida

A constelação familiar faz parte do consultório da psicóloga sistêmica Rosiane Silvestre Jansen desde 2013, que prefere utilizar bonecos específicos para este fim. Os bonecos são posicionados num suporte de vidro, madeira ou numa bacia com água e o paciente escolhe quais peças irão representar os membros da sua família e pessoas importantes do seu convívio particular. Através do relato do paciente, é possível perceber como se estabelecem as relações familiares, os comportamentos que estão sendo repetidos e os conflitos que estão sendo repassados de uma geração para outra. “A constelação é um processo de reorganização e equilíbrio no sistema”, define.

A psicóloga explica que os ciclos de vida e as questões transgeracionais são os principais objetos de estudo das constelações familiares. “Todos os conflitos vivenciados ficam impressos na carga genética e, através do DNA, são transmitidos de geração para geração. Herda-se traumas, ansiedade, angústia, sensações sentidas em eventos traumáticos. O que uma geração cala, a outra expressa no corpo”, diz. Ela afirma que essas questões transgeracionais ficam claras ao trabalhar com sobreviventes de guerra e imigrantes. “Durante a colonização do Brasil, mulheres indígenas e as negras escravizadas foram estupradas pelos imigrantes portugueses. Isso fica de memória no feminino e até hoje as mulheres que têm essa descendência manifestam a dor na forma de depressão e outros problemas psicológicos”, exemplifica.

De acordo com Rosiane, o responsável por isso é o campo morfogenético. “Ele pode ser entendido como uma forma de energia ou de inconsciente coletivo, um campo de informações como o da ancestralidade. A qual além de fenótipo e fenótipo pelo DNA transmite tudo o que está na memória. É o campo morfogenético que mostra como é feita a comunicação desses conflitos e como eles são transmitidos para os descendentes”, frisa. Ela acrescenta que uma das principais características do campo morfogenético é a ressonância. “É como as ondas que se formam quando uma pedra é jogada num rio. Quando uma pessoa morre, a sua história de vida e o que ela construiu é passado para as próximas gerações. Se existe algo que não foi comunicado, pode ser carregado pelos descendentes como culpa, vergonha ou medo”, relata. É o campo morfogenético que explica o porquê as constelações também afetam os familiares de quem se submeteu à técnica e até mesmo que participou apenas como representante nas dinâmicas de grupo.

Mente sã, corpo são

Para a fisioterapeuta ponta-grossense Maria Helena Bessa Barros Durau, corpo e mente estão interligados. “O olhar terapêutico se volta para relacionamentos e os conflitos na convivência humana, mas essas desordens também são transferidas para o corpo e têm um papel importante em relação à saúde física. Muitas doenças são causadas por sofrimentos existenciais, dificuldades familiares e histórias de vida que ainda não foram superadas”, frisa. Ela começou a estudar sobre as constelações familiares há oito anos para entender o que havia por trás das doenças de fundo emocional e auxiliar os pacientes no processo de cura.

Maria Helena costuma repetir que é preciso ter muita coragem para enfrentar as suas feridas mais profundas. “A constelação faz isso de uma forma muito singular e assertiva. Ela permite que a pessoa se coloque neste caminho de cura e faça ela mesma este trabalho”, frisa. Ela comenta que, se não houver uma disposição profunda em olhar para seus relacionamentos e buscar soluções para os conflitos, os resultados podem não ser eficazes. “Aquelas pessoas que ainda se mantém na postura de vítimas, repletas de acusações e reivindicações sobre o seu sofrimento têm muita dificuldade nesta abordagem, pois esperam que o outro realize ou traga a cura para ela. E a constelação faz o movimento inverso disso”, explica. 

De acordo com a fisioterapeuta, os efeitos da constelação passam a ser percebidos no decorrer do dia a dia da pessoa, enquanto as suas percepções sobre questão que foi trabalhada se modificam. “A dor ou dificuldade não some após uma sessão, mas é colocada uma nova percepção sobre ela e, para constatar isso, é preciso deixar o tempo agir. Isso quer dizer que, mesmo sem perceber, a constelação continua atuando inconscientemente”, destaca. Ela acrescenta que a técnica não exclui a terapia convencional, sendo comum pessoa constelar um tema e retornar para o acompanhamento psicológico.

Uma técnica controversa

A psicóloga Heloísa Gonçalves conta que conheceu a técnica através de pacientes do próprio consultório e os relatos que ouviu nem sempre eram positivos. “A maioria sentia como se uma ferida tivesse sido aberta, sem existir a preocupação de fechá-la, o que trouxe ainda mais sofrimento”, frisa. Esses feedbacks negativos possibilitaram que a psicóloga conhecesse um lado complicado da ferramenta. “Minha principal crítica é que a técnica aponta os erros da família do sujeito e os padrões que estão sendo repetidos ao longo das gerações, mas sem fazer nada sobre isso. Abordar algo delicado, sem trabalhar este assunto com o paciente, pode dificultar o processo terapêutico”, explica. Ela cita que, em alguns lugares da Alemanha, a técnica não é mais utilizada devido a muitos casos de suicídio, depressão e comportamentos obsessivos de pessoas que passaram pelo exercício de constelação familiar.

Outro ponto enfatizado por Heloísa é que, embora a constelação familiar tenha nascido na Alemanha nos anos 80, ainda não existem estudos suficientes e investigações rigorosas que reconheçam a técnica como ciência. “Existem poucos estudos na área e pouca fundamentação científica, então não se pode dizer com certeza se ela funciona ou não, podendo somente ser um efeito placebo. Se forem realizadas mais pesquisas sobre a técnica, pode ser que, futuramente, ela saia do campo das pseudociências”, admite.

“A grande questão é que a constelação familiar tira o protagonismo do sujeito e também a sua responsabilidade em mudar, já que o problema estaria vindo de sua família, e não necessariamente dele”, enfatiza. Ela reforça que, devido às variadas críticas a essa técnica, o ideal é que os pacientes optem pela terapia tradicional, com psicólogos éticos e profissionais, que terão ferramentas reconhecidas cientificamente para auxiliar nas mais diferentes questões emocionais.

(BOX)

Novo sentido de vida

Tenho diagnóstico de depressão grave e, na época, havia risco de morte. Quando participei da Constelação Familiar pela primeira vez, em 2017, não conseguia levantar da cama e passava meus dias chorando. Achei que nada mudaria, mas meus familiares começaram a notar que ainda existia uma faísca de vida dentro de mim. Resolvi participar de novo e coisas foram fazendo sentido e me dando forças para continuar. Quem sofre de depressão sabe o quão importante é viver sem supervisão, acordar e conseguir sair da cama, tomar banho por conta própria e realizar as tarefas do dia a dia.

Camila Gadens

Revistar o passado é mágico

Participei de quatro constelações desde julho de 2019 e posso dizer que minha vida mudou, com certeza, positivamente. Digo mais, mudou até para quem convive comigo, amigos, familiares e, principalmente, meu relacionamento afetivo. Quando escutamos, lemos ou estudamos sobre um determinado assunto é uma coisa, agora, a partir do momento que você vivencia é completamente diferente, diria que é mágico! O momento mais marcante foi vivenciar o meu passado, reviver momentos que não estavam curados dentro de mim. A vida começa a ter outro sentido e tudo vai melhorando.

Amanda Calixto

Honrando a memória dos antepassados

Em 2018, eu estava tendo dificuldades para me recuperar de uma cirurgia e estava passando por problemas financeiros, de relacionamento, familiares. As constelações despertaram sentimentos e resignificar emocionalmente os papeis e responsabilidade familiares. Elas fizeram com que eu voltasse um olhar de gratidão aos meus antepassados, honrando a memória deles e tudo o que eles fizeram para que eu pudesse estar onde estou hoje.

Edite Mosconi

(BOX 2) Bert Hellinger

O alemão Bert Hellinger, nascido em 1925, inicialmente dedicou seus estudos à teologia e viveu como missionário em tribos zulus africanas. Após deixar sua missão religiosa, trabalhou como psicoterapeuta onde conheceu profundamente diversas terapias como análise transacional, terapia primal, dinâmicas de grupo, psicanálise, terapia familiar, hipnose e psicanálise. Hellinger percebeu que os conflitos humanos possuíam algo de sistêmico e desenvolveu a constelação familiar, uma abordagem terapêutica de natureza essencialmente filosófica. Esta abordagem demonstra que há algo essencial que atua por trás dos sentimentos e dos comportamentos em sofrimento. Entre os diversos autores que influenciaram seus estudos estão Erick Berne, Arthur Janov, Jacob Moreno e Viginia Satir.