Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2024

Enfoque D’P: Movidos pela paixão

2023-06-25 às 16:53

Um coleciona carros antigos. Outra coleciona colherinhas. Um terceiro coleciona itens relacionados a trens. E um quarto coleciona moedas e cédulas antigas. O que eles têm em comum? Uma relação especial e amorosa com objetos que, para muitos de nós, geralmente passam despercebidos. Conheça a história de quatro colecionadores de Ponta Grossa

por Michelle de Geus

Primeiro, você compra um. Depois, outro. E, depois, mais outro. Aos poucos, os amigos também começam a lhe presentear. De repente, começa a faltar espaço para guardar tantos itens e você não consegue mais saber quantos possui. Mais do que o valor material, aquela coleção adquire um valor sentimental e cada um dos objetos conta uma pequena história. De moedas a carros antigos, de selos a bonecas, as opções de itens colecionáveis são quase infinitas. O que não muda entre os colecionadores é o sentimento de nostalgia e a certeza de que jamais abririam mão de seu acervo.

A paixão do produtor rural Douglas Fanchin Taques Fonseca por carros antigos surgiu já na infância. “Eu via passarem aqueles carros bonitos e achava a coisa mais linda, mas, claro, não tinha condição financeira para comprar. Agora, graças a Deus, nós conseguimos ter um carro desses e acabamos comprando”, conta ele, que atualmente possui 32 veículos em sua coleção de automóveis antigos e tratores, avaliados em R$ 3,5 milhões. Apesar do alto valor de mercado, o empresário garante que não abriria mão de nenhum deles. “Os carros acabam virando um filho para nós. Nós compramos por um motivo, o motivo permanece e acabamos não vendendo”, diz.

Carro “casamenteiro”

De todo o acervo, o Chevrolet 1948 é o item mais especial para Fonseca. “Em 1968, eu fui morar em Bauru, no estado de São Paulo, para estudar Engenharia, e lá eu comecei a vender madeira. Assim que eu consegui juntar um dinheiro, a primeira coisa que eu fiz foi comprar um carro”, lembra, observando naquela época isso não era muito simples. “Não era como hoje, que existem essas lojas cheias de carros à venda e todo mundo tem um automóvel. Eram poucos os proprietários de veículos e, para comprar um, era preciso descobrir alguém que quisesse vender o seu”, explica.

Para a sorte do produtor rural, ele estava visitando a irmã na capital do estado, Curitiba, quando viu um carro à venda na calçada e imediatamente o comprou. “Na noite que eu comprei esse carro, eu levantei umas duas ou três vezes de madrugada para olhá-lo pela janela. Eu o achava muito lindo e queria ficar apreciando”, conta, aos risos.

O automóvel já tinha 20 anos de uso quando Fonseca o comprou. “Eu comprei esse veículo porque não tinha condições financeiras de comprar um melhor, mas foi uma alegria muito grande”, confessa. Tempos depois, ele vendeu o carro para comprá-lo novamente dez anos mais tarde. “Ele está comigo até hoje e me marca muito. Foi o primeiro carro da minha vida e o início da minha vida financeira. O primeiro dinheiro que eu ganhei na vida foi com esse carro”, destaca, acrescentando que o Chevrolet é um automóvel “casamenteiro”. “Muitas pessoas me pedem um veículo emprestado para levar a noiva até a igreja e, vira e mexe, acabam escolhendo ele”, diverte-se.

O raro e o buscado

O item mais raro da coleção de Fonseca é um Ford 1925. “É o famoso Ford T, um dos primeiros veículos a serem produzidos no mundo e que inaugurou a linha de produção nas fábricas. Esse carro é da época que ainda não existia câmbio e a tração dele é por correia”, explica o produtor rural, destacando que também tem um carinho especial por um Chevrolet 1951, que marcou época no ano mais badalado da marca. “Um primo da minha mãe tinha um desses e eu o achava lindo. Esses carros não eram fabricados no Brasil e pouquíssimas famílias tinham um”, recorda.

O item que falta para completar a coleção de Fonseca é um carro conversível dos anos 50 (ele não cita o modelo ou a marca). “Há muitos desses veículos à venda; o problema é o preço. Os conversíveis sempre valem o dobro dos modelos tradicionais, e os dessa época custam em torno de R$ 800 mil, dependendo da marca”, explica.

Hobby, não. Investimento

Fonseca diz não saber o quanto já investiu no acervo, mas ressalta que muitos de seus veículos se valorizam com o passar do tempo. “Inclusive, esse é um argumento que eu uso para não apanhar da mulher quando eu compro um carro antigo. Eu digo que é um investimento, que vai valorizar mais tarde, e ela finge que acredita”, brinca.

Além dos carros antigos, o produtor também coleciona outros itens de época, como móveis, câmeras fotográficas, máquinas de escrever e telégrafo.

O mundo na palma da mão

“Cada uma das minhas colherinhas tem a sua história, a sua geografia, o poder de suscitar e ressuscitar uma experiência vivida”, conta a escritora, professora e pesquisadora Luísa Cristina dos Santos Fontes. Ela começou a colecionar colherinhas há cerca de 20 anos e atualmente possui aproximadamente 260 itens, originários de países que vão da China à Patagônia, com temas que vão dos Beatles ao casamento do Príncipe William, dos mais conhecidos aos mais distantes pontos turísticos do mundo. Em sua maioria, elas são de metal, algumas integralmente de prata ou de aço, mas há também algumas de porcelana, uma ou outra de barro, de madeira e até de osso.

“Cada uma das minhas colherinhas tem a sua história, a sua geografia, o poder de suscitar e ressuscitar uma experiência vivida” (Luísa Cristina dos Santos Fontes, escritora, professora e pesquisadora)

Luísa observa que a história de uma dessas colheres exemplifica perfeitamente o tipo de relação que ela tem com o seu acervo. Ela conta que, certa vez, estava passeando em um “flohmarkt” (mercado de pulgas) na cidade de München, na Alemanha, quando um vendedor percebeu o seu interesse e lhe ofereceu uma coleção de colherinhas do mundo todo por um preço razoável. Luísa prontamente recusou. “Comprei apenas uma delas e tentei explicar que, no meu entender, colecionar é um processo. Não faria sentido comprar uma coleção pronta, com a organização e o procedimento de outra pessoa. O colecionador não almeja a facilitação”, explica.

A maioria dos itens foram adquiridos por Luísa em antiquários ou em viagens ao exterior, onde são mais facilmente encontrados. “Há poucos exemplares do Brasil; não é um souvenir comum por aqui, mas tenho algumas brasileiras antigas”, relata. Embora não seja um item barato, ela conta que costuma ser presenteada por amigos e familiares com objetos para a sua coleção. “As colherinhas significam, além de uma forma de carinho, as minhas viagens, viagens da minha família e as viagens dos meus amigos. É o mundo na palma da mão”, afirma, destacando que nunca passou pela sua cabeça vender a coleção. “O valor é inegociável”, declara.

Amor que não sai dos trilhos

“Eu tenho certeza que, quando nasci, o primeiro som que eu ouvi foi o barulho da chaminé anunciando a chegada da Maria Fumaça”, conta o bancário aposentado José Francisco Pavelec, considerado por seus pares um dos maiores colecionadores de itens relacionados a trens do Brasil. Natural de Rebouças, mas cidadão ponta-grossense, ele é filho de ferroviários e nasceu à beira da linha do trem. “Quando eu era criança, eu ficava em pé no meu berço e via o trem passando. Foi ali que começou essa paixão”, conta ele, que atualmente possui mais de 20 mil itens, entre réplicas de locomotivas, miniaturas de trens em todas as escalas, maquetes, reportagens sobre ferrovias e objetos de decoração com o tema. Muitos desses itens foram adquiridos nos mais de 60 países visitados por ele ou em viagens por ferrovias ao redor do mundo.

“Quando eu era criança, eu ficava em pé no meu berço e via o trem passando. Foi ali que começou essa paixão” (José Francisco Pavelec, bancário aposentado e colecionador de itens relacionados a trens)

Pavelec menciona que sonha em entrar para o “Guinness World Records”, o livro dos recordes, pois acredita ser um dos maiores colecionadores de trens em miniatura e matérias sobre ferrovias do mundo. “Eu só conheci outros dois grandes colecionadores, mas eles não têm tantos itens quanto eu”, afirma, acrescentando que demoraria anos para fazer um inventário completo de seu acervo e que o investimento nas peças é incalculável. “O valor é sentimental. O preço maior é o desejo, a vontade e a alegria de ter esses itens”, ressalta.

Entre as milhares de miniaturas em papel, plástico, metal, pedra e acrílico, Pavelec destaca a réplica da locomotiva Big Boy. “Ela foi a maior do mundo e a única a usar o sistema de rodagem 4-8-8-4. Ou seja, eram quatro rodas na frente guiando o trem, seguidas por dois conjuntos de oito rodas cada e mais quatro rodas atrás”, explica. O trem original foi construído nos Estados Unidos, na década de 40, e tinha capacidade para puxar até 300 vagões.
Atualmente, Pavelec luta para recuperar uma de suas peças mais raras, a réplica da Maria Fumaça 250, que foi originalmente construída nas oficinas da antiga Rede Ferroviária de Ponta Grossa. “A tristeza é que é uma peça única. Ela foi fabricada em 1945, poucos anos depois da original, e funcionava de verdade”, comenta. O item estava em exposição no Centro de Cultura e foi furtado em 2015, junto com outras obras de arte, e ainda não foi recuperado. “Por favor, nos devolvam. Se quiserem um resgate, nós damos um jeito”, pede.

Doação do acervo

Pavelec é um ferrenho defensor da preservação da memória ferroviária e já planeja o destino de sua coleção. “Eu já fiz o testamento da doação do meu acervo para uma instituição que vai ajudar muito na continuidade dessa história”, adianta, sem revelar o nome da entidade. Entretanto, ele confessa que o seu sonho é que as peças dessem origem a um museu ferroviário em Ponta Grossa. Ele já tentou fundar o museu por duas ou três vezes, mas alega que nunca conseguiu apoio do governo municipal. “As ferrovias são o progresso de um país e devem ser preservadas. Um povo que não preserva o seu passado, não tem direito ao presente e tampouco ao futuro”, opina.

Moedas que se trocam e se guardam

O microempreendedor João Lory Prado conta que sempre se interessou por história e que começou a colecionar moedas e cédulas antigas já por volta dos 16 anos. “Eu me lembro como se fosse hoje. Em um sábado à noite, eu adquiri uma moeda de prata da mão de um rapaz em um posto de gasolina. Era uma moeda comum, de 1907, e foi ali que eu comecei a colecionar”, relata, admitindo que não faz ideia de quantos itens possui em sua coleção. “A numismática brasileira é enorme e nós também acabamos acumulando muita coisa repetida, que posteriormente trocamos por outras. Para ajudar, ainda estendemos o colecionismo para moedas internacionais, então fica muito difícil manter uma contagem”, explica.

“As moedas são fonte de cultura e dão uma sensação muito agradável de nostalgia. Para quem gosta de história, são um prato cheio” (João Lory Prado, microempreendedor e colecionador de moedas e cédulas antigas)

Na coleção de Prado, as peças mais raras são os 960 réis, popularmente conhecidos como “patacões”. Elas começaram a circular no Brasil por volta de 1810, durante o reinado de Dom João VI e do príncipe regente Dom Pedro I. “São peças fantásticas, e a maioria foi cunhada sobre outras moedas hispano-americanas. O curioso é que, em muitas delas, nós podemos observar vestígios da moeda original – por exemplo, pesos mexicanos e argentinos”, menciona. Um dos 960 réis do colecionador foi cunhado sobre uma moeda da cidade espanhola de Sevilha. “Esse foi o primeiro patacão que eu consegui. Eu o adquiri em um encontro nacional de colecionadores na cidade de São Paulo [SP]. Essa moeda está guardada e gosto muito dela”, observa.

Sonho de numismata

Para tornar o seu acervo ainda mais especial, Prado sonha em adquirir um item específico e muito raro. “Acredito que todo numismata brasileiro deseja muito ter uma moeda da coroação de Dom Pedro I. Além de a peça ter um valor astronômico, muito longe das minhas possibilidades, é quase impossível encontrar um exemplar. Se não me falha a memória, são conhecidas apenas 16 moedas”, comenta. Considerado o item mais raro da numismática brasileira, o objeto é avaliado em R$ 2, 5 milhões, segundo ele.

Para celebrar a sua coroação como imperador, Dom Pedro I autorizou a Casa da Moeda a fabricar moedas em ouro 22 quilates com o seu rosto. O modelo criado exibe o monarca como um imperador romano, com o busto nu e uma grande coroa de louros na cabeça. No entanto, Dom Pedro I não gostou do resultado, pois preferia ser mostrado com uniforme militar e repleto de medalhas. Por conta disso, suspendeu a produção e as 64 moedas que foram produzidas saíram de circulação.

Cultura e nostalgia

Assim como muitos colecionadores, Prado também ganha moedas de presente de amigos, sejam brasileiras ou estrangeiras, adquiridas como “troco” em compras fora do país. Ele não sabe estimar o tamanho de seu acervo, nem o seu valor em dinheiro. Mas sabe estimar o seu valor em outra moeda (perdão pelo trocadilho). “A coleção tem grande valor sentimental, além de ser uma boa terapia contra o estresse do dia a dia. As moedas são fonte de cultura e dão uma sensação muito agradável de nostalgia. Para quem gosta de história, são um prato cheio”, avalia.

Com o objetivo de incentivar outras pessoas a conhecerem as moedas antigas e adquirirem o gosto pela numismática, Prado mantém um escritório no centro de Ponta Grossa para compra, troca e venda de itens repetidos. O contato com a Prado Numismática pode ser feito por meio do telefone (42) 99166-7700, do Facebook (/joaoloryprado) ou do site www.pradoleiloes.com.br.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #295