Segunda-feira, 28 de Julho de 2025

Pesquisadores da UFPR estudam diagnóstico de esquizofrenia a partir de exame oftalmológico

2023-08-28 às 10:31
Foto: Divulgação

Como diz a frase comumente atribuída ao escritor norte-americano Edgar Allan Poe, “os olhos são as janelas para a alma”. Afinal, é pelo olhar que as sensações ou sentimentos naturais do ser humano, como humor, tristeza ou afeto, são percebidos. Mas você sabia que eles também são uma janela direta para o cérebro? A retina, um fino tecido que reveste a camada de trás dos olhos, é o único lugar do corpo em que médicos podem observar os neurônios sem precisar abrir o crânio.

A partir dessa técnica, pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Medicina Interna e Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (UFPR) publicaram um estudo que mostra a possibilidade de haver uma relação direta entre marcadores biológicos (alterações na retina, por exemplo, a espessura da camada que a cobre ou fibras nervosas que formam o nervo óptico) e o diagnóstico de esquizofrenia.

Essa pesquisa, de caráter inovador, está em andamento, e os resultados apresentados até agora são animadores, segundo os cientistas. O desenvolvimento dessa técnica pode abrir possibilidades de um novo diagnóstico para a doença, que atinge cerca de 21 milhões de pessoas no mundo, e quase 1% da população brasileira, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Somando evidências: psiquiatria e oftalmologia

Marcelo Alves Carriello é psiquiatra e mestre pela Pós-Graduação em Medicina Interna e Ciências da Saúde da UFPR. Ele conta que o interesse pela pesquisa surgiu por meio da leitura de artigos divulgados na área, que está em constante crescimento. Por isso, junto de seu orientador, o médico Rafael Massuda, e em conversa com o médico oftalmologista Mario Sato, resolveu investigar a relação entre duas áreas da medicina: a psiquiatria e a oftalmologia.

A aproximação entre esses dois ramos, que em princípio podem parecer distantes, foi suficiente para alcançar resultados preliminares de grande impacto. “O que percebemos foi a redução do volume da mácula [pequena região no centro da retina] nos pacientes com esquizofrenia quando comparado ao de pessoas da mesma faixa etária e sexo, mas sem transtornos mentais”, conta o pesquisador. Essa parte chamada “mácula” permite, aos seres humanos, uma visão nítida e detalhada. As suas células convertem a luz em impulsos elétricos, que são enviados ao cérebro.

Mario Sato, que é professor associado de Oftalmologia na UFPR e responsável pelo setor de Neuro-Oftalmologia e Eletrofisiologia Ocular do Hospital das Clínicas, também comenta que essa aproximação entre as áreas é muito importante para o bem dos pacientes. “São muitas as doenças psiquiátricas que afetam a estrutura e a função do cérebro“, comenta. “Esses exames de eletrofisiologia ocular conseguem identificar essas alterações, porque junto da tomografia de coerência óptica não é necessário a subjetividade para avaliar os pacientes”, explica.

Outra descoberta do estudo foi uma correlação entre a espessura da camada de fibras da retina com os sintomas de esquizofrenia. “Ou seja, quanto menor a espessura dessa camada, maior eram as quantidades de traços presentes na esquizofrenia. Esses sintomas são a inflamação dessas áreas”, conta Marcelo. Entre eles, estão dificuldades na expressão de emoções, diminuição da fala, bem como a manifestação de alucinações e delírios.

Esse dado já foi publicado em revistas internacionais e, conforme Raffael Massuada, é possível partir para novos caminhos no desenvolvimento científico. “Começamos a perceber que em áreas neuronais das pessoas com esquizofrenia, há a diminuição desse volume. E mesmo no cérebro é possível perceber que esses pacientes possuem a diminuição das estruturas de sinapse dos neurônios“, explica o médico. Sinapse é o termo utilizado para o número de conexões dos neurônios no cérebro. Desta forma, se existe essa redução, é possível associar diretamente ao diagnóstico da esquizofrenia.

Para Marcelo, essa pesquisa tem um papel importante para somar evidências para novas formas de avaliações dos pacientes com esquizofrenia no futuro. “Nossa pesquisa não tem por objetivo mudar as práticas clínicas atuais, mas podemos ajudar, no futuro, para que os pacientes possam ser melhor avaliados e tratados de forma mais eficaz, com um diagnóstico considerado mais rápido”, conta.

Ele destaca, também, a importância da realização da pesquisa de forma multidisciplinar. “A pesquisa conjunta com a oftalmologia foi uma forma de  encontrar, a partir do exame biomarcador, a esquizofrenia, visto que há características biológicas de neurodegeneração (perda de neurônios) observadas nesta doença, e o olho seria uma extensão do sistema nervoso central (olho e cérebro possuem a mesma formação embriológica)“, finaliza. A pesquisa ocorreu com 35 pacientes saudáveis, além de outros 35 de controle, que são importantes para a validação metodológica.

da assessoria