Domingo, 18 de Maio de 2025

Ponto de Vista: Especialista explica proposta de tributação dos ‘super-ricos’

2023-09-09 às 17:24
Foto: Reprodução/LinkedIn

Em entrevista concedida, com exclusividade, ao Ponto de Vista, programa apresentado por João Barbiero na Rede T de rádios do Paraná, na manhã deste sábado (9), o advogado Ricieri Calixto, sócio e diretor tributário do escritório Salamacha, Batista, Abagge & Calixto Advocacia falou sobre a proposta de elevar a tributação dos chamados super-ricos, que devem pagar de 15% a 22,5% de Imposto de Renda. O que muda, na prática? A quem afeta a tributação dos super-ricos?

A polêmica em torno do tema reflete, de certa forma, a desinformação. “Quando pensamos em tributação dos ricos ou dos super-ricos, na minha opinião e de muitos estudiosos, não é que os super-ricos estão sendo taxados a menos, mas é que o sistema é tão complexo – e tem alguns doutrinadores que chamam de ‘manicômio tributário’ – que há todo um desgaste, uma amplitude de tributações, a meu ver, um monte de situações estão erradas, em que estão tributando mais o pobre, como se isso tirasse a carga tributária. Como a tributação sobre o consumo é uma realidade no Brasil nos termos de 40% – e a média mundial sobre o consumo é muito menor – faz com que, quando vamos ao mercado, posto de gasolina ou farmácia, os tributos tenham peso igual para todo mundo. Na verdade, seria muito melhor os fiscos tributarem com outros tipos de metodologias”, diz Calixto.

A proposta visa, na verdade, taxar investimentos da população mais rica da população, ao tributar fundos exclusivos e capital aplicado em offshores (empresas no exterior), ou seja, pessoas com grandes patrimônios. Calixto avalia que a mudança não tenha tanto impacto aos fundos. “Por exemplo, ao invés de só pagar no final, quando resgata, vai pagar de tempos em tempos. Só vai antecipar um pouco. Mas se faz um alarde muito grande”, afirma.

A taxação uniforme sobre o consumo é vista pelo advogado de forma injusta, tendo em vista que alguém que recebe um salário mínimo paga o mesmo tributo sobre o consumo de quem ganha 100 salários mínimos. Proporcionalmente, o impacto será muito maior sobre o mais pobre, mesmo que ele compre menos.

“O que se discute é uma Medida Provisória para a questão dos fundos exclusivos e também um projeto de lei para a tributação, um pouco diferente, da renda dos fundos fora do Brasil – os offshores. Os dois projetos – um já tem medida provisória com trâmite político um pouco mais acelerado e depende de aprovação e o outro é um projeto de lei que terá uma discussão um pouco mais democrática no Congresso – atingem, por exemplo, não o patrimônio, mas fundos que, estudos dizem, somam entre R$ 10 milhões a R$ 20 milhões. Não é que o patrimônio da pessoa seja estimado em R$ 10 milhões ou R$ 20 milhões, é quanto se coloca no fundo. Para se formar esse fundo, tem todo um custo das assessorias de investimento e custos iniciais para manter esse fundo”, explica.

No entanto, uma pessoa com patrimônio individual de R$ 1 milhão pode ser atingido pela tributação dos super-ricos, tendo em vista que um fundo pode ser coletivo – com várias partes de uma mesma família ou grupo. “Mesmo tendo R$ 1 milhão, mas participando de um fundo que geralmente começa em R$ 10 milhões, vai afetar ele, sim. Ele vai pagar, praticamente, o mesmo imposto, mas como é um fundo que tem riscos maiores – ou de mercado ou outros produtos indexados, que as assessorias financeiras indicam – têm tributação diferida. Significa que, ao final desse fundo, em cinco, 10 ou 15 anos, o lucro era tributado no momento do resgate, quando ele se concretizava. Ele ia pagar o imposto de renda normal, só que tudo numa ‘pancada’ só. Agora, se traz para dois momentos – geralmente maio e novembro – que o mercado chama de ‘come-cotas’, vai já tributando o lucro, se teve, mas por etapas. Só vai ser adiantado algo que era para ocorrer daqui a cinco, 10 ou 15 anos”, detalha.

Para os fundos exclusivos, a nova tributação tem previsão de arrecadar R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026: R$ 3,21 bilhões ainda em 2023; R$ 13,28 bilhões em 2024; R$ 3,51 bilhões em 2025; e R$ 3,86 bilhões em 2026. Segundo a MP, a alíquota de 15% a 22,5% de Imposto de Renda será aplicada sobre os rendimentos uma vez a cada semestre, por meio do mecanismo chamado “come-cotas”, a partir do ano que vem. Quem optar por começar a pagar o come-cotas em 2023 pagará 10% sobre o estoque dos rendimentos, passando a pagar de 15% a 22,5% nos anos seguintes. Quem não optar, pagará só em 2024, mas com as alíquotas mais altas.

Para offshores, a proposta em projeto de lei prevê cobrança anual de rendimentos a partir de 2024, com alíquotas progressivas de 0% a 22,5%. Hoje, só pagam 15% de Imposto de Renda sobre ganho de capital se voltarem ao Brasil. Ainda não está claro se alíquotas variarão conforme o prazo ou o valor aplicado. Atualmente, legislação brasileira não trata dos trusts, modalidade de investimento usada para reduzir o pagamento de tributos por meio de elisão fiscal (brechas na legislação) e facilitar distribuição de heranças em vida. Nos trusts, o dono do patrimônio transfere bens para terceiros administrarem. O PL prevê alíquota de 10% sobre ganhos de capital para quem atualizar o valor de bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023. Quem não fizer o procedimento pagará 15%. Até 2026, devem ser arrecadados R$ 24 bilhões: R$ 7,05 bilhões em 2024; R$ 6,75 bilhões em 2025 e R$ 7,13 bilhões em 2026.

Por ora, esclarece o advogado, não há a taxação sobre as grandes fortunas, nem vai mudar a tributação do Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), que está listado na Reforma Tributária. No Paraná, hoje, a taxa é de 4%; em São Paulo, pode chegar a 7% ou 8% e em Santa Catarina já é de 7%. “O ITCMD não vai passar de 8%. Não há, por exemplo, esses 40% de imposto sobre o ITCMD”, reforça.

“Nos fiscos, seja municipal, estadual ou federal, notamos pessoas extremamente organizadas, metódicas, que cumprem metas, inteligentes. Obviamente, o fisco sempre vai ter aquela interpretação mais ‘sedenta’ para aumentar a tributação, mas isso dentro do jogo. O contribuinte, por sua vez, vai querer pagar menos. Isso faz parte do direito tributário. A aplicação dos recursos públicos fruto [da arrecadação] é um trabalho do Executivo, do Legislativo, de Gestão de Finanças. É uma via de mão dupla: assim como os governantes precisam ter boas práticas, nós também temos que lembrar de cobrar, de uma forma polida, mas muito firme, que nossos políticos apliquem essas questões”, observa Calixto.

O governo estima em pouco mais de R$ 1 trilhão (pouco mais de US$ 200 bilhões) o valor aplicado por pessoas físicas no exterior.

Tributação

O Brasil possui tributos sobre o patrimônio, sobre a renda, sobre a herança, sobre a folha de salários e sobre o consumo. O tributo sobre o consumo, comenta o advogado, fica oculta, ainda que hoje as notas fiscais apresentem, resumidamente, a incidência de carga tributária aproximada. “Você não tem noção de como, numa compra de supermercado, tem muito mais impostos do que o que você paga no IPVA e no IPTU. O Brasil segue um modelo muito mais focado na tributação do consumo”, diz. Boa parte do que pagamos em serviços de luz, água e telefonia também advém de impostos sobre consumo.

Já na tributação sobre a renda envolve salários, distribuição de lucros e aposentadoria. “Lucros, por exemplo, não são tributados da pessoa física porque já são altamente tributados na pessoa jurídica, independentemente do regime tributário”, explica.

Tributação sobre o patrimônio diz respeito aos bens móveis ou imóveis. “Você não paga IPTU para melhorar o asfalto da cidade. Você paga IPTU simplesmente porque é titular de uma casa. Indiretamente, vinculamos o asfalto da nossa casa para isso. O IPTU não serve para o asfalto. Infelizmente, não é assim que, tecnicamente, ele é”, acrescenta.

O imposto sobre a herança (transmissão de bens) é cobrado quando você faz uma doação ou quando alguém falece e deixa bens para os sucessores. No Brasil, varia entre 4% a 8%, conforme o estado.

Ricieri Calixto é gestor jurídico, tributário e financeiro, e sócio e diretor tributário do escritório Salamacha, Batista, Abagge & Calixto Advocacia, de Ponta Grossa. É fundador e membro do Comitê Tributário e Julgador no Conselho de Contribuintes de Ponta Grossa da ACIPG. Advogado e graduado em contabilidade, focado na consultoria tributária e na tomada de decisão financeira em projetos de governança fiscal. Mestrando em Gestão de Cooperativas pela PUC/PR. Conselheiro com formação pelo instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Ponto de Vista

Apresentado por João Barbiero, o programa Ponto de Vista vai ao ar semanalmente, aos sábados, das 7h às 8h, pela Rede T de Rádios do Paraná.

A Rádio T pode ser ouvida em todo o território nacional através do site ou nas regiões abaixo através das respectivas frequências FM: T Curitiba 104,9MHz;  T Maringá 93,9MHz; T Ponta Grossa  99,9MHz; T Cascavel 93,1MHz; T Foz do Iguaçu 88,1MHz; T Guarapuava 100,9MHz; T Campo Mourão 98,5MHz; T Paranavaí 99,1MHz; T Telêmaco Borba 104,7MHz; T Irati 107,9MHz; T Jacarezinho 96,5MHz; T Imbituva 95,3MHz; T Ubiratã 88,9MHz; T Andirá 97,5MHz; T Santo Antônio do Sudoeste 91.5MHz; T Wenceslau Braz 95,7MHz; T Capanema 90,1MHz; T Faxinal 107,7MHz; T Cantagalo 88,9MHz; T Mamborê 107,5MHz; T Paranacity 88,3MHz; T Brasilândia do Sul 105,3MHz; T Ibaiti 91,1MHz; T Palotina 97,7MHz; T Dois Vizinhos 89,3MHz e também na T Londrina 97,7MHz.