Os historiadores Helton Costa e Carlos Henrique Pimentel publicaram o livro “Dever e honra: veteranos da FEB legalistas e militantes de esquerda contra ditaduras e golpes no Brasil – 1945/1995”, uma análise dos 50 anos em que os ex-membros da Força Expedicionária Brasileira – FEB se posicionaram contra governos e medidas autoritárias no país. Quando estiveram na Europa, os brasileiros eram conhecidos como pracinhas.
Helton é do Mato Grosso do Sul, mas mora há 10 anos em Ponta Grossa e Carlos é de Londrina.
Os legalistas eram aqueles ex-combatentes que não faziam parte da esquerda, mas que defendiam a Constituição de forma intransigente, não aceitando golpismos. Já os veteranos militantes de esquerda foram pessoas que iam desde as alas mais progressistas e moderadas, até as alas mais radicais, que defendiam a luta armada na defesa de seus ideais. “São histórias de homens e mulheres que foram perseguidos, presos, torturados e até mortos por não concordarem com imposições oficiais do Estado”, explica Carlos Pimentel, mestre em História.
Helton ressalta que o novo front começou ainda na Itália, com uniões contra o Varguismo e se prolongou por décadas combatendo autoritarismos. “A FEB foi um recorte do Brasil, com seus sotaques, costumes e culturas, mas também com suas visões políticas. A visão anti-Vargas juntava os legalistas e os militantes. Depois eles se uniram em vários outros momentos, como por exemplo, para cobrar direitos sociais, em campanhas eleitorais e nacionais como a do petróleo, além de estarem juntos em disputas por órgãos como associações e clubes militares”, explica Helton, que além de historiador, é jornalista e doutor em Comunicação.
No entanto, também aconteceram derrotas e as uniões cessaram na década de 60. “Foram vitoriosos em vários momentos históricos, mas, principalmente no período entre 1964 e 1985, vários deles foram punidos pelo Exército e pela Aeronáutica, justamente por terem feito a defesa de valores democráticos em décadas anteriores ou por não concordarem com o regime que se instalava”, revela Carlos.
Carlos também comenta que mesmo depois do fim da ditadura civil-militar (1964-1985), muitos desses militares perseguidos e cassados continuaram atuando como agentes políticos, sendo peças importantes na redemocratização do país. “Muitas lideranças foram forjadas ao longo daquelas décadas pós-guerra. Acho importante dizer que da mesma forma que havia militares ex-combatentes da FEB do lado da resistência, legalistas e militantes de esquerda, havia também militares que haviam estado na Itália e que compactuavam com medidas autoritárias desde a década de 40, inclusive fechavam os olhos para os abusos que aconteciam nos quartéis”, comenta.
Usando documentos do próprio Estado
Em um tempo de contestações, os historiadores optaram por utilizar documentos primários encontrados no Arquivo Nacional e no Arquivo Histórico do Exército, de modo que pudessem associá-los a bibliografias existentes e mesmo a biografias escritas por ex-combatentes, como um trabalho de checagem.
O objetivo da metodologia foi fazer com que as próprias pessoas possam consultar os arquivos caso tenham alguma dúvida. “Foi a forma que encontramos de permitir com que as pessoas construam seu próprio conhecimento, podendo, inclusive, acessar os documentos nos próprios arquivos, já que há o número de cada um deles no livro”, adianta Helton.
Pimentel revela que mesmo os documentos da União Soviética também foram consultados. “Em determinado momento, estivemos em contato com o governo russo, que detém os arquivos soviéticos. Conseguimos descobrir que o que eles tinham dos nossos ex-combatentes comunistas não era muito diferente do que o Serviço Nacional de Informações – SNI possuía. A resposta foi que em 1939, com a eclosão da Segunda Guerra, os contatos com os comunistas brasileiros cessaram, então, eles tinham apenas o básico, o mesmo o que os arquivos locais possuíam sobre as biografias de alguns elementos mais destacados como Sampaio Lacerda e Salomão Malina. Quem sabe em um futuro não muito distante, outros dados possam aparecer por lá e possam ser compartilhados com pesquisadores daqui”, argumenta Carlos.
Mortos pela ditadura
Aproximadamente 9,6% dos primeiros militares caçados pelos atos institucionais de 1964, eram ex-combatentes da FEB, a maioria sem ligação nenhuma com a esquerda, apenas por serem legalistas e não concordarem com o golpe. Nos anos seguintes e nas décadas que se sucederam, foram dezenas de prisões, espancamentos, torturas e dois ex-combatentes foram assassinados.
O primeiro foi em 1964, Dilermano Mello do Nascimento, paraibano que combatera na Itália, pelo 11º Regimento de Infantaria, na 4ª Companhia. Foi detido, sofreu tortura psicológica e foi induzido a se jogar de uma janela, após terem humilhado muito ele e ameaçado os familiares do pracinha. A família provocou o Estado até conseguir um pedido de desculpas nos anos 90. Até laudo falso de suicídio os militares golpistas usaram, o que mais tarde ficou evidenciado em contraprovas apresentadas.
Já José Mendes de Sá Roriz, que na guerra perdeu um dos olhos com a explosão de uma bomba alemã perto da posição de artilharia que ele guarnecia, foi perseguido por anos e sempre escapava das prisões. Acusavam-no de ter feito parte de um grupo que havia atentado conta a vida do governador do Rio de Janeiro, em 1964, o que não conseguiram confirmar por falta de provas. Ele deixou o país para escapar das perseguições e o Estado começou a vigiar e intimidar a família dele, chegando ao ponto em que militares prenderam o filho de Roriz, de 18 anos e ameaçaram matar uma neta dele, recém nascida. Roriz se entregou e foi morto dias depois em um quartel do Rio de Janeiro, mesmo os militares tendo garantido sua a integridade física ao ex-comandante dele na FEB, o general Cordeiro de Farias.
“Nosso objetivo foi homenagear esses brasileiros e brasileiras que não abaixaram a cabeça frente aos autoritarismos, e que buscaram manter-se íntegros em suas convicções pessoais e políticas. Quem ler, vai gostar. Há uma primeira parte contextual e depois optamos por contar as histórias que encontramos”, ressalta Helton.
“Exatamente por isso, não é uma narrativa e nem uma falácia. É sim uma constatação histórica e bem documentada, de modo que as gerações atuais e futuras percebam a gravidade dos autoritarismos, sejam eles quais forem e que há determinados momentos em que a neutralidade e a passividade não são saídas viáveis”, completa Carlos.
O livro pode ser adquirido a preço de custo no link pelo Clube de Autores, clicando aqui. Para quem prefere ler a versão digital, o download é gratuito aqui.
Sobre os autores
Helton é Doutor em Comunicação e Linguagens, mestre em Comunicação, especialista em Estudos da Linguagem e em Arqueologia e Patrimônio; bacharel em Jornalismo e licenciado em História. Pós-doutor em História pela Universidade Federal do Paraná. Autor de “Confissões do Front: soldados do Mato Grosso do Sul na II Guerra Mundial”, de “Crônicas de sangue: jornalistas brasileiros na II Guerra Mundial”, de “Dias de Quartel e guerra: diário do Pracinha Mário Novelli”, de “Camarada pracinha, amigo partigiani: anotações brasileiras sobre a resistência italiana na II Guerra Mundial”, de “Ao alcance da morte: ensaio sobre o estado psicológico dos soldados da FEB na Segunda Guerra Mundial”, de “Soldado 4.600: vida e luta do pracinha Manoel Castro Siqueira”, “Soldado Justino: um sobrevivente da FEB” e de “Estrada para Assunção: imagens e memórias da Guerra do Paraguai/Tríplice Aliança, 160 anos depois”.
Carlos é mestre em História Social pela Universidade Estadual de Londrina e especialista em História Social e Ensino de História pela mesma instituição, onde também graduou-se em História. Ele possui pesquisas e artigos sobre História Política e Militar brasileira. Atualmente é professor concursado do quadro permanente da rede pública de ensino do Paraná.
da assessoria