Quarta-feira, 02 de Outubro de 2024

Ponta Grossa está vulnerável a fenômenos de ordem climática?

2024-05-15 às 17:25
Foto: Divulgação/PMPG

O número de pessoas em abrigos no Rio Grande do Sul por causa das cheias das últimas semanas aumentou nesta terça-feira (14), após uma nova inundação no Rio Guaíba, em Porto Alegre. Na manhã de terça, eram 76.884 alojados nos abrigos do estado, e no final da tarde o número passou para 79.494. Mais uma morte foi confirmada, passando para 149 no total e 124 pessoas continuam desaparecidas. O total de desalojados pelas enchentes chega a 538.245 pessoas. Dos 497 municípios do estado, 446 foram afetados, o que corresponde a 89,7% do total.

A redação do portal D’Ponta News conversou com professores de geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) para entender quais fatores influenciaram na tragédia do Rio Grande do Sul e questionar se fenômenos de ordem climática podem gerar algum impacto em Ponta Grossa, além de compreender como as práticas humanas têm contribuído para o avanço do aquecimento global no mundo.

Ponta Grossa está vulnerável a fenômenos de ordem climática?

A professora de geografia da UEPG, Mª Ligia Cassol-Pinto, aponta que fenômenos de ordem climática podem gerar impacto em Ponta Grossa e relembra alguns momentos em que a cidade os vivenciou. “Ponta Grossa já vivenciou eventos de estiagem em 2009 e 2011, que podem ocasionar falta de água para o abastecimento público, serviços e agricultura. Se pensarmos em eventos pluviométricos fora da média normal, por exemplo, como grandes volumes de chuva em um curto espaço de tempo, teremos a passagem rápida de enxurradas e alagamentos para inundações”, pondera. “Isso pode acontecer devido à falta de capacidade da drenagem urbana em escoar, porque a rede pluvial não foi projetada para isso e/ou encontra-se assoreada, entupida de resíduos lançados nas vias públicas e terrenos baldios da cidade”, complementa.

Ligia comenta que devido a essas condições, a entrada de água na área urbana pode acontecer, quando fortes chuvas forem concentradas e maiores que a capacidade de escoamento. “Enquanto as áreas centrais, que são mais elevadas, podem ter alagamentos, as áreas mais baixas, que são os fundos de vale e as margens dos rios, arroios e lajeados, receberão mais água que são capazes de escoar”, afirma. “É importante lembrar que a cidade é drenada por 12 sub-bacias e elas são formadas por várias nascentes, todas localizadas na porção central da cidade. Parte desta rede de rios urbanos foi transformada em canais, que estão sob ruas, casas e edifícios, como o arroio Pilão de Pedra”, ressalta.

Ela pontua que parte significativa da população ponta-grossense desconhece esses rios como rede hidrográfica. “Muitas pessoas os reconhecem como canais de esgoto e os mantêm como tal, depositando seus resíduos sólidos, domésticos e da construção civil nesses rios”, assegura. “Não há plano municipal de limpeza de rios e canais, então quando ocorrem fortes chuvas todo e qualquer resíduo é carregado pela água até os arroios, dificultando o escoamento e aumentando a poluição”, pondera.

Ligia pontua que o Código Florestal, a Lei das Águas e o Estatuto da Cidade devem ser respeitados em relação à preservação de nascentes e/ou margens de rios. “A legislação ambiental existe para proteger também as pessoas!”, assegura.

Fenômeno que mais atinge PG

A professora de geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Dra. Karin Linete Hornes, ressalta que o fenômeno natural que mais atinge Ponta Grossa são as tempestades convectivas associadas a vendavais. “Todo ponta-grossense já passou por situações difíceis com tempestades severas. Estas tempestades, além de trazer ventos com velocidades acima de 100 km/h, podem proporcionar granizo, tornados e uma concentração fora do normal do índice pluviométrico”, afirma. “Esta intensa concentração de chuva em um curto espaço de tempo, como 180 mm em 1 hora, provoca enxurradas, enchentes, inundações, cabeças d’água [rápida vazão dos rios], alagamentos e movimentos de massa, trazendo um grande risco à vida, pois são desastres com comportamento rápido de deslocamento”, acrescenta.

Segundo a professora, Ponta Grossa sofre com chuvas contínuas que são aquelas precipitações acumuladas durante vários dias, que deixam o solo encharcado e provocam alagamentos, inundações e movimentos de massa. “Isso acarreta em diversos problemas, porém de uma forma mais lenta quando comparado às chuvas intensas. Um exemplo recente é o das chuvas que ocorreram em outubro de 2023, em que tivemos um volume excessivo que chegaram a apresentar mais de 500 mm no mês”, destaca.

Ela ainda recorda que, em 1927, aconteceu a tempestade de São João Maria que foi o tornado histórico mais devastador que já passou por Ponta Grossa e ressalta alguns trechos do trabalho realizado pelo seu orientando, Rodrigo Gabre: “Este tornado causou tantos danos ao município que houve a necessidade de auxílio externo. Ele foi o primeiro tornado a ser reportado internacionalmente. Se você está assustado com a leitura, ainda não acabamos. Ponta Grossa também teve problemas com estiagem entre os anos de 2019 e 2020 quando uma grave seca afetou o Paraná. Algumas cidades como a capital Curitiba tiveram que fazer rodízio por vários anos e Ponta Grossa quase teve uma crise no seu sistema de abastecimento”.

Karin pontua que a cidade é vulnerável a fenômenos naturais, que podem gerar desastres relacionados a fenômenos climatológicos, meteorológicos, hidrológicos e biológicos. “Somos vulneráveis justamente porque esquecemos que estes eventos já aconteceram em Ponta Grossa. Outro fator importante é que não pensamos sobre eles na organização social de nossas cidades e, por consequência, de nossas vidas. Existem muitos trabalhos realizados no pós-desastre, porém é necessário trabalhar na prevenção deles”, pondera.

A professora deixa alguns questionamentos referentes a como evitar que isso volte a acontecer em Ponta Grossa. “Como eu posso ter água para todos, caso ocorra uma grande estiagem? Como posso me proteger de vendavais? Quais são as áreas de inundação do município? Que plantas são mais resistentes ao frio?”, questiona. “É imprescindível conhecermos os tipos de fenômenos que geram desastres no município, a frequência e o comportamento deles. Não basta apenas conhecer os fenômenos, nós necessitamos de organização, planejamento e tecnologia para convivermos com os mesmos e nos mantermos resilientes”, assegura.

Ela ressalta que a principal pergunta que a população e as autoridades devem se fazer está relacionada ao preparo que a cidade tem para eventuais situações no futuro: “Como podemos ter uma Ponta Grossa resiliente para o futuro?”.

Aquecimento global

Ligia afirma que as práticas humanas, na cidade e no campo, têm contribuído para o aumento da agressividade do aquecimento global num tempo menor do que seria naturalmente. “As condições de tempo, o que chamamos de clima, têm dado significativos sinais dessas mudanças, nos últimos 20 anos, com a ocorrência de eventos denominados episódicos e catastróficos, cujo tempo de ocorrência é cada vez menor”, explica. “Existiu um período em que isso acontecia a cada 1 mil anos, depois 100 anos e agora a previsão é de redução do intervalo de tempo entre cada evento”, pondera.

Ela pontua que o aquecimento global denota os desastres que, em sua quase totalidade, foram anunciados há décadas e reforçados na 3ª Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Redução do Risco de Desastres, realizada em Sendai, no Japão, em 2015. “O anseio por mais lucro em menor tempo sobre ecossistemas ou áreas frágeis tem agravado algumas tragédias como inundações e secas prolongadas recheadas com incêndios. As cheias do Amazonas são um outro exemplo dessas mudanças e, agora e em setembro de 2023, a tragédia no Rio Grande do Sul”, ressalta.

Tragédia no RS

Karin pontua que essa tragédia que acontece no Rio Grande do Sul envolve vários aspectos relacionados ao clima. “As frentes frias que atingem o nosso país vêm da Antártida e geralmente entram pela direção sudoeste e se dirigem à direção nordeste. Nas demais áreas do país, que envolvia o Paraná, Santa Catarina e região central, nós tínhamos uma região de alta pressão, que é um local que funciona como um ventilador e espalha a umidade”, explica. “Naqueles dias, nós estávamos com altas temperaturas e quando existe uma frente fria, ela possui uma determinada temperatura que é baixa em relação à superfície que está à frente dela. A partir disso ela não conseguiu se deslocar devido a esse bloqueio atmosférico e ficou sobre o Rio Grande do Sul”, acrescenta.

A professora assegura que unido a isso, existem os jatos de baixos níveis (JBN). “Eles são ventos que vêm da região amazônica e trouxeram muita umidade para a região do Rio Grande do Sul. Existem muitas teorias a respeito de por que tivemos tanta umidade concentrada no estado e uma delas está relacionada às explosões solares, porque na semana passada aconteceram várias. Provavelmente isso aqueceu mais a região do [Oceano] Atlântico e trouxe mais umidade para a Amazônia que esses jatos de baixos níveis para o estado”, afirma. “A outra é que nós estávamos saindo do El Niño, então estamos numa situação de neutralidade, mas o Pacífico Central ainda está aquecido, fazendo com que a gente ainda tenha umidade. Esses elementos, que são a alta pressão, o calor concentrado na região Central e parte do Sul, funcionaram com esse bloqueio. Devido a isso, a frente fria não conseguiu avançar e temos um alto índice pluviométrico concentrado no Rio Grande do Sul”, complementa.