Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2024

Coluna Draft: ‘Com o diabo no corpo!’, por Edgar Talevi

2024-05-21 às 15:06
Foto: Freepik/Reprodução

“Com o diabo no corpo!”

Inquieto, sem pensar nas consequências, balançando as pernas sem parar. Só poderia estar “Com o diabo no corpo!” Certamente todos nós, prezados leitores, já deparamos com essa e outras expressões populares e, até mesmo, usamos algumas delas sem saber suas origens. Aqui vai uma lista de várias frases de efeito para nos deliciarmos neste início de semana.

Comecemos, evidentemente, com o “diabo no corpo!” O significado é de mostrar-se alvoroçado. Sua origem sugere a figura da personagem caracterizada, em várias culturas, como o “inimigo”, “satanás”. Diversos escritores, tais como João Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”, registra o nome “coisa ruim” ao inimigo das almas. Neste ínterim, notamos que, quando uma ação humana é contrária ao pensamento do grupo em relação ao que é correto, imputa-se ao diabo a responsabilidade por tal ato.

A mesma expressão surgiu no título de um romance do escritor francês, Raymond Radiguet, a saber, “O diabo no corpo”. Mas, calma! Trata-se apenas de Literatura! Porém, se algo nos condena, cuidado!

Não obstante, quando cometemos algum “pecado”, ficamos “Com o rabo entre as pernas”. O significado da frase é estar com medo. Sua origem é de Portugal. A expressão retoma o praticado pelos animais quando estão com medo de alguma coisa. O escritor político e militar Português, Francisco Manuel de Melo, citou a frase em “Feira de Anexins”, em 1666.

No entanto, se alguém comete algo errado, logo começa “Chorar às Pitangas!” Essa frase significa chorar intensamente. Sua origem vem do Tupi (pi’tang), que quer dizer avermelhado. Sendo assim, a frase equivale a “chorar muito”, até o olho ficar vermelho.

Mas, mesmo assim, há quem resista “Com unhas e dentes!” A frase significa agarrar algo “Com unhas e dentes”. Equivale a pegar alguma coisa e fazer de tudo para não soltá-la. Sua origem remonta a Portugal.

Na época dos romanos, unhas e dentes eram considerados como as primeiras armas do homem. Em Gil Vicente, um grande dramaturgo Português, encontramos a expressão em sua obra “Auto da Barca do Purgatório”.

Outra expressão que causa estranheza e curiosidade é “Comer com os olhos!” Seu sentido é desejar muito, cobiçar. Na religião romana, cada casa tinha seus próprios espíritos para proteção desta. Em dias especiais, tais espíritos eram adorados pelas famílias, em uma cerimônia religiosa, no banquete em honra a esses “deuses”. Quando servido o alimento, ninguém punha as mãos, todos participavam apenas olhando. Assim, passou-se a usar a expressão “Comer com os olhos”.

São tantas expressões que chegamos a pensar que tudo não passa de algo “Cheio de nove horas!” Opa! Mais uma para nosso diletantismo cultural! O significado imediato de “Cheio de nove horas” é de um sujeito cheio de regras, de censuras e de limites às alegrias alheias. A origem é brasileira. A história consagrou as nove horas da noite (21h), como o momento adequado para as pessoas se recolherem. Era, portanto, na cultura da época, momento de se interromper uma visita, um jogo qualquer e ir para casa.

Existe até um poeminha popular do século XIX, que prega a frase:
“Nove hora! Nove hora!
Quem é de dentro, dentro,
Quem é de fora, fora!”

Tantos conhecimentos nos deixam com “A faca e o queijo na mão”! O sentido lato da frase é ter o poder absoluto. A origem é brasileira também. A faca é o poder emanado da tecnologia, e o queijo, do capital ou poder econômico. Qualquer semelhança, não é mera coincidência!

“Com o perdão da palavra”, temos de encerrar esta crônica, mas não sem antes determinar significado e origem de mais essa expressão popular. O sentido aqui expresso é de pedir desculpas pelo que se vai dizer. Portugal é a origem da frase. Na Roma Antiga, o costume de pedir desculpas por dizer algo que pudesse ferir os ouvidos das pessoas era comum. O costume permaneceu, ao menos, até o século XVI.

Fugindo ao senso comum e navegando pela Alta Literatura, proponho, para romancearmos com estilo o epílogo desta crônica, uma frase de José Saramago, em “Memorial do Convento”: “São os sonhos que seguram o mundo na sua órbita!”

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.