Raízes, experiência, ancestralidade, cultura. A conversa foi boa no Museu Campos Gerais, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (MCG-UEPG), na última quarta-feira (23). O espaço recebeu a mestre jongueira Alessandra Ribeiro, representante da sociedade civil no Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Alessandra, que é historiadora e doutora em Urbanismo, falou com alunos da pós-graduação em História da UEPG e colaboradores do MCG sobre antirracismo, matrizes africanas, patrimônio imaterial, sua experiência com o resgate do jongo em Campinas e com a Casa de Cultura Fazenda Roseira. “Carregar um corpo preto e ter uma identidade preta é uma construção permanente”, destacou.
A presença da conselheira fez parte de um roteiro no Paraná organizado pela professora Camila Silveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que coordena o projeto Meninas e Mulheres nas Ciências. Além da atividade em Ponta Grossa, ela também passou por Curitiba, onde lançou o livro ‘Jongo e ancestralidade: salvaguarda e preservação sob olhar dos detentores’; e pela Lapa, na inauguração da exposição itinerante ‘Memórias Afrolapeanas’. “Considero muito importante o trabalho em rede e que envolve grupos de diferentes localidades, pois isso possibilita avançarmos na elaboração de novas estratégias para o museu, trazendo contribuições de diversos campos de conhecimento”, enfatiza a professora Camila. “Eu tenho trabalhado na perspectiva da Educação em Museus, Educação Patrimonial e Divulgação Científica, bem como com a valorização do trabalho das mulheres cientistas nesses espaços. Minha parceria com o MCG se orienta neste sentido e considero que estamos desenvolvendo projetos bastante inovadores e com potencial de gerar resultados que podem servir de referência para outras instituições”, complementa.
As atividades qualificam o Museu Campos Gerais e o consolidam como protagonista no campo das instituições públicas de memória em Ponta Grossa e região, segundo o diretor, Niltonci Batista Chaves. “A palestra da Alessandra é extremamente importante, porque traz ao Museu aquilo que a gente tem tentado desenvolver aqui, que é uma perspectiva muito assentada na história pública e na museologia social”, explica. “As discussões com que ela nos brindou aqui, sobre ancestralidades, sobre o jongo como uma forma cultural de resistência dos povos negros escravizados no Brasil e a preservação desse patrimônio, que é o trabalho que ela faz hoje, são extremamente relevantes e que nos interessam como um espaço público de cultura, para trabalhar com identidade e com a história da brasilidade, da nossa ancestralidade a partir dessa matriz afro-brasileira”, acrescenta.
Além da troca de experiências e capacitação da equipe, a visita também permitiu começar a articular uma exposição no primeiro semestre de 2025, a partir da história em quadrinhos ‘Ditinha na terra do Sapeca-iáiá’. “Nós vamos inclusive conversar com o professor Renê Wagner Ramos, da rede dos museus universitários, pra que essa exposição possa circular pelo Paraná”, antecipa Niltonci.
Rota Preta
Alessandra também conheceu o Rota Preta PG, projeto de extensão do Museu Campos Gerais sob coordenação do professor Robson Laverdi, diretor de acervos do Museu, e da pós-doutoranda Merylin Ricieli dos Santos, em parceria com o Departamento de História, o Programa de Pós-graduação em História e membros do Movimento Negro local.
“A Rota Preta tem como objetivo identificar pontos que revelam essa presença negra em Ponta Grossa desde a origem da nossa história”, explica o professor Niltonci. Em um primeiro momento, o projeto traçou 51 pontos urbanos com presença da comunidade negra na cidade, a partir das perspectivas da cultura, religiosidade, trabalho e sociabilidades. “A ideia da Rota Preta é fazer com que as pessoas conheçam essa história e valorizem essa história. Essa é uma missão muito importante do Museu, como esse espaço de memória pública que nós temos aqui na nossa cidade e que pertence à UEPG”, complementa.
O projeto terá edições periódicas e abertas à população. A ideia é promover circuitos de visitação, destacando espaços públicos e privados nos quais é possível perceber referenciais culturais, religiosos, educacionais, intelectuais e de trabalho envolvendo a presença da população afro e afrodescendente em Ponta Grossa. “A ideia é ressaltar pontos onde a presença negra se fez efetiva, onde teve uma participação de indivíduos negros e onde indivíduos negros participaram como agentes, seja enquanto trabalhadores ou enquanto frequentadores de alguma alguma prática sociocultural”, enfatiza Merylin.
A Rota Preta teve inspiração em projetos que acontecem em outras cidades brasileiras. “A gente teve como referência o projeto Linha Preta, em Curitiba, organizado também por integrantes do Movimento Negro de lá, em parceria com uma universidade, chamada UniBrasil”, exemplifica a pós-doutoranda. Outros projetos similares acontecem em Florianópolis, Salvador, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
São cinco circuitos principais de visitação: dois na região central da cidade; um no bairro de Oficinas e zona rural; um em Uvaranas; e um em Olarias. “Estamos organizando para que as pessoas possam fazer esses percursos numa perspectiva de duas a três horas de caminhada”, diz Merylin. “E aí dentro desses espaços, tem clube negro, com a presença negra efetiva, tem espaços onde a população negra trabalha ou trabalhou, tem nomes de rua…”, exemplifica. A primeira rota com a presença de visitantes está prevista para novembro, mês em que se evidencia as lutas e resistências da população negra.
Lapa
Ainda no circuito de eventos promovidos com a mestre jongueira Alessandra Ribeiro, o MCG foi representado na roda de conversa sobre ações de promoção e difusão de referências culturais de matriz africana, na Lapa, pela pós-doutoranda Merylin Ricieli dos Santos e pelo diretor de Ações Educativas Ilton César Martins.
Durante o evento, na tarde de sexta-feira (25), foi inaugurada a exposição itinerante ‘Memórias Afrolapeanas’, na sala de exposições do Museu Casa Lacerda. A exposição foi construída pelo Iphan-PR em parceria com a Comunidade Quilombola da Restinga e busca apresentar outras visões sobre o patrimônio cultural da Lapa, partir de memórias e saberes de suas comunidades negras, como a Restinga, o Feixo e a Vila Esperança, a Irmandade de São Benedito e o grupo Congada Ferreira. Na roda de conversa, participaram autoridades locais e representantes das comunidades negras.
da assessoria