Uma ferramenta de auxílio no aprendizado ou uma distração? Um perigo ou um aliado? Quatro profissionais de Ponta Grossa ligadas à educação opinam se celulares deveriam ou não ser proibidos nas escolas
por Edilson Kernicki
Quando ainda tinham pouquíssimos recursos além de fazer e receber chamadas e enviar mensagens SMS, os celulares foram introduzidos na rotina escolar sob o pretexto da segurança dos alunos, pois ajudaria os pais a localizá-los na saída. Mas já eram vistos com resistência pelos professores, tanto por serem objetos de valor com potencial risco de furto ou dano quanto pela eventual distração que trariam, como outros dispositivos eletrônicos já restritos, como discmans, mini-games, câmeras e calculadoras. Mal sabiam eles que não demoraria muito para que os celulares incorporassem todos esses recursos, ficassem muito mais caros e se tornassem atribuição de status, principalmente entre adolescentes.
Recente pesquisa do Datafolha demonstra que 65% dos pais são contra o uso de “smartphones” nas escolas. Na contramão, uma parcela significativa admite que os filhos já possuem aparelhos próprios: 43% dos pais de alunos de até 12 anos e 50% dos pais com filhos até 18 anos.
A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou em 30 de outubro um Projeto de Lei, engavetado há nove anos, que proíbe o uso de celulares por alunos em escolas públicas e privadas. A proposta do deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS) estendia a proibição até a instituições de ensino superior e aperfeiçoava uma proposição mais antiga, de 2007, do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), que proibia celulares comuns. O advento dos “telefones inteligentes” demandou a atualização da matéria, cuja justificativa estende a proibição a “todos os equipamentos eletrônicos portáteis que desviam a atenção do aluno do trabalho didático desenvolvido pelo professor”.
O ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que “é preciso dar limites” para crianças e adolescentes no uso de celulares. Por isso, consultamos quatro profissionais da área para debater a questão: independentemente de qualquer decisão dos governos federal ou estadual a esse respeito, qual é a sua opinião pessoal sobre o assunto? Com base na sua experiência e conhecimento, você é a favor ou contra o uso de celular em sala de aula?
PRIVAÇÃO SOCIAL
“Sou contra o uso de celulares nas escolas, pois um dos maiores danos para crianças e adolescentes tem sido a privação social. Eles estão perdendo a capacidade de se relacionar de forma sadia e cordial, de desenvolver empatia, colaboração, respeito e o sentimento de pertencimento tão importante na adolescência. Outro prejuízo é a privação do sono, que traz consequências psicológicas como irritabilidade, ansiedade, depressão e défices cognitivos. A escola, sendo um dos ambientes onde crianças e jovens passam a maior parte do tempo, pode ser uma boa aliada para eles. Mas proibir o uso apenas no momento da aula não é adequado; a sugestão seria guardar os celulares em armário específico, com a devolução no final das aulas. Adotar regras bem claras e medidas com consequências, junto ao apoio dos pais, é fundamental. Alguns pais têm sido contra a essas medidas pois também se habituaram com o acesso imediato e irrestrito aos filhos, mas, em casos urgentes, as escolas têm capacidade de fornecer essa comunicação”
UTILIZAÇÃO SUPERVISIONADA
“Eu, como educadora e especialista, sou contra o uso desregulado do celular em sala de aula, quando ele se torna uma fonte de distração. Crianças e adolescentes não têm maturidade para separar o tempo de entretenimento do tempo de aprendizagem. Mas o celular pode ser uma poderosa ferramenta de aprendizagem se utilizado de forma adequada, com uso intencional exclusivo para os estudos em sala de aula. Sendo assim, sou a favor de um uso regulado e supervisionado dos celulares em sala de aula, com diretrizes claras que promovam seu uso pedagógico, enquanto minimizam as distrações. A educação digital deve caminhar lado a lado com a educação tradicional, preparando os alunos para usarem a tecnologia de forma consciente e produtiva”
FALTA PREPARO
“É fato que vivemos na era digital, da Tecnologia da Informação e Comunicação, e, consequentemente, a tecnologia que tanto se faz presente em nossas vidas em algum momento ultrapassaria os muros da escola e chegaria às salas de aula. Mas até que ponto o celular realmente está sendo utilizado pelo aluno com cunho pedagógico, através do acesso a Recursos Digitais Educacionais ou com a finalidade de pesquisa? O que muito vemos em sala de aula é um uso descuidado, em excesso, que distrai e pouco agrega, como ferramenta para trocar mensagens e acessar jogos ou redes sociais. A questão é que nós, escola e alunos, ainda não estamos preparados. É inegável que o uso da tecnologia e do ‘smartphone’ ainda é um desafio para a escola e exige mais pesquisa e reflexão sobre os impactos positivos, negativos e a influência no processo de aprendizagem, bem como mais investimentos em políticas públicas de igualdade de acesso, formação adequada aos professores, conscientização dos alunos, entre outros”.
MAIS PERDAS DO QUE GANHOS
“O uso da tecnologia enquanto recurso pedagógico é interessante para os alunos concretizarem conceitos abstratos. Movimento das placas tectônicas, degelo dos polos, números negativos, visita a museus, conhecer países em passeios virtuais etc. são recursos que tornam a aprendizagem significativa e duradoura. Nesse sentido, somos favoráveis ao uso de recursos tecnológicos, e os dispositivos necessários podem ser utilizados coletivamente, como tablets, computadores e até mesmo celulares, juntamente com projetor multimídia. Portanto, o aluno não precisa necessariamente de um dispositivo próprio, exclusivo seu. A proibição do uso de celulares pelos alunos em sala de aula e nos intervalos, através de legislação pertinente, nos parece favorável, uma vez que as perdas, entre crianças e adolescentes, têm sido mais percebidas do que os ganhos.
Algumas pesquisas têm demonstrado prejuízos significativos na atenção, no repertório linguístico e na comunicação dos alunos. É hora, sim, de a sociedade rever o uso indiscriminado das telas tanto no espaço escolar quanto no familiar e nos demais ambientes”
Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #304