Domingo, 02 de Fevereiro de 2025

Artigo: ‘O gênio da lâmpada’, por Oliveiros Marques

2025-01-29 às 11:02

Era o início dos anos 1990. Ele passeava por uma praia no norte da ilha de Nossa Senhora do Desterro, observando uma horda de argentinos que fazia arruaça pelas ruas. Subiam em carros estacionados e pulavam enlouquecidos, pouco se importando com o sacrifício que aquele proprietário havia feito para comprá-lo. Assediavam mulheres que passavam, gritavam e entoavam cantos que ele não entendia muito bem.

Foi então que tropeçou em algo enterrado na areia fofa. Curioso, afastou um pouco da areia com as mãos e pegou o objeto. Parecia muito com uma lâmpada de gênio, igual às que via nos desenhos animados da infância. Automaticamente, sem pensar muito, começou a alisá-la, reproduzindo o movimento que assistira na televisão por tantos anos.

“Você tem direito a dois pedidos”, disse, com a voz empostada, uma nuvem vestida com um colete e um turbante vermelhos. Seu rosto era redondo, com bochechas rosadas – talvez por ter passado tanto tempo espremido dentro daquela lâmpada.

“Mas não eram três?”, ele perguntou, com um meio sorriso.

O gênio respondeu de bate-pronto: “A inflação comeu um dos seus pedidos.” Naquele ano, a inflação seria superior a 1.100%.

Ele olhou ao redor, observou mais um pouco as cenas de barbárie que aconteciam perto de si, voltou-se para o gênio e fez seu primeiro pedido:

“Quero que construa um muro bem alto, de mais de cinco metros de altura, em torno de toda a Argentina.”

O gênio franziu a testa. Um muro ao redor da Argentina? Que pedido estranho. Mas gênios não estão no mundo para questionar – apenas para realizar desejos.

Feito. Lá estava o muro, imenso, cercando todo o território argentino.

“Pronto, já está construído. Agora faça seu segundo e último pedido”, disse o gênio, ainda sem acreditar no que ouvira.

“É um muro bem alto mesmo? Com cinco metros, cobrindo toda a fronteira da Argentina com os outros países?”, ele perguntou.

“Sim, sim, exatamente como você pediu. Agora seja rápido.”

Ele pensou por um instante, lançou um olhar de soslaio para o tumulto ao seu redor, depois para o gênio, e tascou o segundo pedido:

“Ótimo. Agora enche de água.”

Eu sei, a piada é infame e politicamente incorreta. Até porque nem todos os argentinos são iguais, não é verdade? E nem mesmo os piores merecem o fim dessa história.

Mas, no fundo, a piada ilustra o que está prestes a acontecer por desejo e obra do governo Milei. Como um animalzinho de estimação, ele imita Trump e diz que construirá um “muro” na fronteira da Argentina com a Bolívia e o Brasil. Será que receberá dinheiro americano para a obra?

Dentro desse “muro”, ao se fechar para a América Latina, Milei concentrará uma população cada vez maior de pessoas vivendo na pobreza. Hoje, já são mais de 52% dos argentinos que vivem nessa situação, após um ano de um governo que existe para poucos – os bem-nascidos, em sua imensa maioria.

Diferente do gênio da lâmpada, que apenas atendeu a pedidos, o “jênio” Milei condena seus compatriotas ao afogamento por pura maldade. E um pouco de loucura, também.

Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político