Domingo, 23 de Fevereiro de 2025

Artigo: ‘Crise hídrica e o código de águas em Ponta Grossa’, por Mário Sérgio de Melo

2025-02-22 às 12:22
Captação no Rio Pitangui é responsável por 70% do sistema da cidade – Foto: Sanepar

O que temos visto em Ponta Grossa é uma vergonha: chuvas acima da média em 2025, temperaturas elevadas também acima da média, racionamento da água via rodízio entre os bairros, diretores da Sanepar alegando que a empresa não tem culpa nenhuma, o clima é culpado de tudo. Enquanto isso, discute-se sem nenhuma transparência a privatização da empresa, cujos contratos foram estendidos até 2048; e seguem as obras do novo manancial do Rio Tibagi, que deveriam ter sido concluídas em 2022. Um imbróglio típico de acordos onde prevalece o interesse privado, não o coletivo.

Fala-se então em medidas emergenciais. Já é hora que medidas responsáveis, de longo alcance, sejam tomadas. A realidade da cidade e da conjuntura de emergência climática que já adentramos precisam ser levadas em consideração. Picos de calor como o atual, estiagens prolongadas e mesmo chuvas excepcionais concentradas, capazes de danificar os sistemas de captação, tratamento e distribuição, serão cada vez mais frequentes e inevitáveis.

A cidade cresce, expande-se territorial e verticalmente, a população consome mais água. E as redes de distribuição são cada vez mais complexas e sujeitas a problemas. Mas há características ambientais de Ponta Grossa que têm sido ignoradas quando do enfrentamento da questão da água e das crises hídricas: a primeira, é que estamos numa cidade onde em média chovem mais de 1.500 mm por ano, mais ou menos bem distribuídos, não há mês “seco”; a segunda é que estamos sobre o Aquífero Furnas, um manancial subterrâneo que produz água de boa qualidade, em quantidade; há ainda o Aquífero Itararé, menos importante que o Furnas, mas adequado em algumas situações.

Urge que a cidade tenha um “código de águas”, que deve cumprir várias funções. Algumas delas são: estimular e disciplinar o uso da água da chuva, principalmente por estabelecimentos como postos de serviços automotivos, indústrias, condomínios e outros; estimular e disciplinar a explotação da água subterrânea do Aquífero Furnas; disciplinar o uso da terra na região de afloramento do Arenito Furnas a leste da cidade, que é a área de recarga do Aquífero Furnas, o manancial subterrâneo, diferente da bacia de captação, que é o manancial superficial; introduzir nos códigos de obra dos bairros da cidade questões relativas ao uso da água da chuva e dos mananciais subterrâneos.

Os aquíferos, como o Furnas e o Itararé que ocorrem na cidade, são potenciais bons produtores de água, com algumas vantagens: os poços podem ser perfurados no local de consumo, dispensam redes de distribuição; a água é de boa qualidade, amiúde classificada como “água mineral natural”, dispensa tratamento; são reservatórios subterrâneos acumulados ao longo de milênios, não dependem da chuva num dado momento. Mas os aquíferos têm uma vulnerabilidade: não podem ser poluídos. Se o forem, sua recuperação é praticamente impossível. Por isso é essencial a proteção das áreas de recarga. Da mesma forma, os poços devem ser geridos de modo a evitar a poluição e a depleção pela superexplotação.

Temas a serem abordados no “código de águas” da cidade.

Mário Sérgio de Melo
Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG