Terça-feira, 04 de Março de 2025

Artigo: ‘Ainda estamos aqui’, por Oliveiros Marques

2025-03-02 às 12:38

Que a Fernandinha me desculpe, mas vou sim torcer como se fosse uma Copa do Mundo. Não, claro, com a camiseta amarela da Nike. Ou será que deveria ser sim com a amarelinha? Bem, isso eu vejo mais tarde. Mas o fato é que a ousadia da produção de Walter Salles em contar uma passagem tão importante da história recente brasileira e, ainda por cima, realizar as gravações poucos meses depois de os ratos tentarem sair dos esgotos no 8 de janeiro, é digna, sim, de uma torcida animada e esperançosa como nós, brasileiros, fazemos a cada quatro anos.

A interpretação de Fernanda Torres, Selton Mello e de todo o elenco, a direção de arte, os figurinos, a trilha sonora nos remetem clara e verdadeiramente aos tempos sombrios da ditadura militar. Momentos da história brasileira em que a liberdade de expressão era de fato cerceada, e seu uso era motivo para assassinatos cometidos por agentes do Estado — algo que Eunice Paiva e sua família sentiram na pele com o sequestro e assassinato de Rubens Paiva.

Os 21 anos entre 1964 e 1985 representaram o fim da liberdade, centenas de mortes e desaparecimentos de brasileiros e brasileiras que defendiam a democracia, o disparar da dívida brasileira — pulando de 15% do PIB para mais de 50% —, o surgimento das milícias e do crime organizado no Rio de Janeiro. Ou seja, esses milicos no governo significaram a desgraça absoluta.

Maldição que essa turma golpista exalta, se espelha e quer trazer de volta para o Brasil. Defesa que fazem sem qualquer constrangimento, nas ruas e nas redes. Avançaram em alguns de seus intentos, é verdade, durante os quatro anos em que governaram. Retirando direitos, reduzindo conquistas, impedindo avanços. Negar a ciência e matar milhares e milhares de brasileiros ao estimular tratamentos sabidamente ineficazes e não comprar vacinas foi apenas o ápice.

Por isso, a minha torcida hoje é pela vitória — em uma, duas ou até nas três categorias para as quais foi indicado Ainda Estou Aqui. O filme já cumpriu uma tarefa importante ao conquistar recordes de bilheteria e proporcionar o debate sobre a ditadura militar em uma escala que não me recordo de ter acontecido antes. Mas, com a vitória, o debate, com certeza, vai se espraiar e alcançar mais corações e mentes, contribuindo para que o Brasil não permita que os crimes cometidos pelos governos militares contra a democracia e o povo brasileiro caiam no esquecimento. O filme já é um sucesso pelo que fez.

Ah, e não teve Rouanet.

Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político.

Sugestão de leitura

– Ainda estou aqui | Marcelo Rubens Paiva | editora Alfaguara

– Crime sem Castigo: como os militares mataram Rubens Paiva | Juliana dal Piva | Editora Matrix