Santa Catarina está para as rodovias assim como o Paraná está para as ferrovias. Desde que o governador Adolpho Konder abriu os caminhos até o oeste do estado na década de 20, os catarinenses têm uma espécie de obsessão pelas estradas tortuosas. É fácil constatar isso olhando para a Serra do Rio do Rastro, a Serra do Corvo Banco, a Estrada Dona Francisca e, mais recentemente, pela estrada que sobe a Serra da Rocinha rumo aos cânions. Todas elas exemplos da abnegação e da engenhosidade de um povo que não desiste.
Foi justamente o sobrinho de Adolpho Konder, o também governador Konder Reis que instituiu como lema “Governar é encurtar distâncias”, usando as estradas como uma forma metafórica de representar o verdadeiro propósito e sentido de um governo. E é dele que o Governador Jorginho Melo devia se lembrar nesta semana que passou quando, após mais um entrevero com o presidente Lula, sugeriu que o presidente viesse de helicóptero para a visita ao estado, uma vez que, na opinião do governador, a BR-101 estaria intransitável.
A rodovia federal, como todos sabem, foi duplicada no período FHC-Lula-Dilma e é o principal corredor norte-sul do estado, cortando o aprazível e disputado litoral catarinense de ponta a ponta. Ao longo de décadas tem sido a única passagem possível de ser usada em centenas de quilômetros. Uma paralela mais próxima seria a BR-116, também federal, já no planalto serrano.
Por algum motivo, até hoje desconhecido, os governadores nunca investiram em rodovias estaduais paralelas que auxiliassem o trânsito intermunicipal, desafogando o fluxo pesado que passa por ali, especialmente na temporada de verão. Até existe o projeto da SC-101, que cumpriria esse papel, mas ela não passa de um projeto com poucos trechos pavimentados, mais desconectados entre si do que a base governista na Assembleia Legislativa.
O ex-governador LHS, que em duas gestões fez o asfalto chegar às portas de 54 municípios, pavimentou mais de 900 km de estradas. Asfalto suficiente para fazer uma SC-101 inteira, e duplicada. Por escolha preferiu beneficiar dezenas de municípios com população inferior a cinco mil habitantes, com tráfego muito baixo, do que investir em uma rodovia que teria alta movimentação e garantiria uma melhor distribuição do fluxo de veículos no litoral.
Depois dele todos os governadores, um a um, com exceção de Colombo, que duplicou a rodovia Antonio Heil entre Brusque e Itajaí, foram se esquivando dessa obrigação. Preferiram deixar para o governo federal a responsabilidade exclusiva por uma questão que, constitucionalmente, é obrigação de todos. Carlos Moisés chegou ao disparate de oferecer dinheiro para Bolsonaro usar na duplicação da BR-470, que não andava no governo do PL, mas não se dispôs a fazer a sua parte nas rodovias estaduais paralelas.
Agora, nesta semana, o também omisso governador Jorginho trouxe o assunto à baila mais uma vez, como se esse problema fosse unicamente da União. Ledo engano. Enquanto sonha com quimeras como o túnel submerso entre Navegantes e Itajaí, com data de entrega para o próximo século, possivelmente, ele devia olhar para seu colega de São Paulo, Tarcísio de Freitas. O governador paulista deixou as picuinhas de lado e assinou na mesma semana com o presidente Lula a autorização de um túnel submerso entre Santos e Guarujá, encerrando uma espera de 100 anos pela obra.
Talvez o caminho da raiva e da desavença seja mais longo e difícil do que o do diálogo e da concórdia. Seria interessante o governador Jorginho se espelhar em seu precursor Konder Reis para entender que ao encurtar distâncias, metaforicamente, com o governo federal, pode também encurtá-las na quilometragem física e real, facilitando a vida do trabalhador povo catarinense.
Se o governador não entender isso, estará, indubitavelmente, pavimentando uma estrada para a sua derrota. Duplicada.
Rafael Guedes é jornalista e analista político