Me lembro em detalhes daqueles dias. Como se ontem fosse. Ora sentado, ora deitado naquele sofá de couro sintético avermelhado na sala da casa de meus pais, acompanhava pela TV de tubo, como a um Big Brother, as notícias que chegavam de Brasília sobre o estado de saúde de Tancredo Neves, então presidente da República eleito. Do alto dos meus 19 anos, buscava interpretar os boletins médicos repassados por Antônio Brito, seu porta-voz.
Claro que não fiquei imune às teorias conspiratórias que apontavam os militares como autores de um atentado contra a retomada do processo democrático no Brasil, após mais de duas décadas de ditadura. A ideia de que Tancredo teria sido assassinado para impedir a posse de um governo civil parecia bastante plausível para mim. Confesso que, em alguns momentos, até imaginei que o próprio Brito pudesse estar envolvido na trama – e a quem, em meus pensamentos, já pedi desculpas.
Enquanto Tancredo seguia hospitalizado, as informações nunca eram muito claras. Pelo menos para mim, um jovem de uma cidade periférica, que desde os 14 anos participava de movimentos populares na associação de moradores da minha vila, e que, portanto, já respirando a política. Aquilo me angustiava. O que aconteceria? Haveria um retrocesso?
Mas o fato é que, há exatos 40 anos, era sacramentado o saimento do regime militar no Brasil. Naquele 15 de março de 1985, o Congresso Nacional dava posse a José Sarney, então vice-presidente eleito pelo colégio eleitoral na chapa de Tancredo Neves. A Nova República era inaugurada.
A transição democrática brasileira foi fruto de muita luta e mobilização popular. Muitos tombaram para que ela acontecesse. A força e a insatisfação daqueles movimentos foram canalizadas com maestria pela engenharia política sob o comando de Ulysses Guimarães e do próprio Tancredo, em direção ao Colégio Eleitoral. Sim, eu também queria Diretas Já!, mas, com o olhar à distância, é impossível não admitir que a alternativa da eleição pelos parlamentares no Congresso Nacional fora a arte do possível.
E é pelos que lutaram, com as mais diferentes armas, pelo restabelecimento da democracia – especialmente pelos que morreram e pelos que foram torturados nos porões de um regime abjeto – que devemos, hoje e sempre, defendê-la com todas as nossas forças e condenar, com toda veemência possível, aqueles que queiram extirpá-la de nós.
Por isso, neste dia em que comemoramos os 40 anos da retomada de governos civis no Brasil, em relação àqueles que tentaram o golpe de 8 de janeiro, talvez devamos gritar com nossos megafones, colar lambe-lambes e pichar em muros Brasil afora, dizendo: anistia é o caralho!
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político