Sábado, 19 de Abril de 2025

Cursos da UEPG se firmam cada vez mais como referências para alunos indígenas

2025-04-19 às 10:47
Foto: Helton Costa

Há 82 anos, o Brasil criou por decreto o Dia dos Povos Indígenas, que até 2022 era conhecido como Dia do Índio, quando teve sua designação alterada. A escolha da data de 19 de abril remete ao Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, ocorrido em Pátzcuaro, no México, em 1940, evento que proporcionou protagonismo aos povos originários pela primeira vez na longa história das Américas. Na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), a temática indígena é tratada com seriedade, com busca constante pela inclusão plena dos estudantes que frequentam as graduações e pós-graduações, o que tem feito da instituição referência para moradores das aldeias do Paraná.

O reitor Miguel Sanches Neto lembra que a melhor maneira de comemorar a data é reafirmar o compromisso institucional com a inclusão de todos os povos indígenas na graduação, pós-graduação e extensão. “Essa atenção acontece na UEPG por meio do nosso vestibular específico, mas também pelo acompanhamento e cuidado com a permanência, trabalho realizado pela Prae”. Sanches Neto reforça que a valorização se dá também com a inclusão na lista de leituras do Vestibular de uma obra da autora indígena Márcia Wayna Kambeba. “É a universidade pública sendo efetivamente inclusiva”.

Atualmente, são 31 discentes indígenas matriculados nos cursos, e desde 2002, 19 já se formaram. A Universidade também incentiva a permanência dos acadêmicos por meio de bolsas, totalizando 28 auxílios. Estudantes indígenas são beneficiários do Restaurante Universitário e recebem Vale Transporte, sendo a UEPG a única entre as universidades estaduais paranaenses a prestar tais apoios.

Luta e superação

Regina Aparecida Kosi Dos Santos de Quadros é da etnia Kaingang. Ela e o esposo, Alexandre Kuaray de Quadros, foram alunos da UEPG: ela na Licenciatura em História e ele em Geografia, ambos os primeiros indígenas formados em cada curso. Após a graduação, em 2018 e 2020, respectivamente, o casal emendou um mestrado, também na UEPG. Uma vez finalizadas as disciplinas presenciais, retornaram para a Terra Indígena Faxinal, em Cândido de Abreu, e escreveram suas dissertações de casa, pois tinham filhos adolescentes e uma criança ainda bebê.

Posteriormente, apresentaram as pesquisas via internet para a banca e se tornaram mestres. “Em 2022, o Alexandre já conseguiu uma vaga de emprego. O cacique assinou para ele a carta de anuência (uma autorização necessária do cacique para professores, indígenas ou não, atuarem nas comunidades). Eu consegui uma vaga em 2023. Desde então, trabalho na escola indígena com alunos do ensino médio e uma turma de 9º ano”, conta a professora.

E Regina não parou. Dedicou um ano a assuntos pessoais e, em 2025, conquistou uma vaga no Doutorado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), na Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Contudo, nos tempos de graduação, nem tudo foram flores. “Estudar na UEPG foi muito importante para mim. Sofri muito no início, por não conhecer a cidade, pelo choque de cultura e por ter trazido os dois filhos mais velhos juntos”. O casal morava em um bairro mais distante, porque o aluguel era mais acessível, e todos os dias tinham que pegar ônibus, conta. “Uma das coisas que mais me alegra é ter vencido todo esse processo e ver meus filhos seguindo os mesmos caminhos, que é estar na universidade também”.

Regina prefere não detalhar, mas entre os desafios que enfrentou, a egressa também teve que bater de frente com o racismo. “Mas tudo isso, apesar do sofrimento que me causou, me fortaleceu ainda mais, porque sempre discuto o racismo com os meus alunos, para que eles estejam preparados quando estiverem em uma universidade”. Regina relata que sempre mostra aos seus alunos “que somos resistência, que a nossa luta é desde 1500, desde que o primeiro português colocou seus pés em nosso território. A nossa luta não acabou, é todos os dias, mas juntos, nós somos fortes”, completa.

Enfrentamento e vitória

A trajetória de Alexandre, da etnia Guarani, é muito semelhante à de Regina, afinal, estiveram lado a lado se apoiando durante a graduação e a pós-graduação. “Graças a Deus, tudo deu certo e hoje podemos dizer que somos guerreiros e vencedores. No começo, eu tive muita dificuldade com os trabalhos de seminários”. Por causa da língua materna, ele não falava plenamente o português, “mas com o passar do tempo fui evoluindo na linguagem e consegui me formar”, explica Alexandre.

Ele relata que também sentia o preconceito de algumas pessoas, mas que seguiu em frente. “É sempre importante mostrar para a universidade que o lugar do indígena não é somente na aldeia, é onde ele quiser. A Universidade é Território Indígena, e o direito do indígena deve ser respeitado”, explana.

Para Alexandre, “a discriminação racial é um problema persistente e complexo no Brasil” e, “apesar de avanços significativos nas últimas décadas, ainda há muito a ser feito para combater o racismo e construir uma sociedade mais justa e inclusiva”, afirma, acrescentando que agora tem uma missão para o futuro: “lutar e trazer mais indígenas para a Universidade, pois ela é pública. E os indígenas têm direito igual a cada ser humano. O espaço é de todo mundo, inclusive do indígena”, adiciona.

Aprendendo desde casa

E nessa missão de Alexandre, o primeiro passo já está sendo bem-sucedido. A filha dele e de Regina, Josiane, de 18 anos, está no segundo ano de Medicina na UEPG. “Minha mãe sempre falou, desde quando eu era criança: ‘você tem que fazer faculdade. Você vai ter que arrumar um emprego, porque se você ficar aqui e não fizer nada, não vai conseguir as coisas que você quer’. Ela sempre disse isso para mim”, lembra Josiane.

A jovem já faz planos para depois de formada. “Eu vou me especializar em cirurgia. E depois que eu terminar tudo, eu quero voltar para minha aldeia para trabalhar lá”, comenta a acadêmica.

Entre os 212,6 milhões de brasileiros, os indígenas representam aproximadamente 0,83% do total de habitantes. Dentro deste percentual, segundo dados do Censo nacional de 2021, apenas uma pequena fração estava cursando uma faculdade. Naquele ano, mesmo com um número relativamente baixo de estudantes indígenas nos centros de formação, havia motivo para comemoração, pois, conforme informações da Agência Brasil, de 2011 a 2021, o número de matriculados oriundos de terras indígenas havia crescido 374%.

Políticas públicas para estudantes indígenas no Paraná

Conforme dados da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) da UEPG, a política de permanência dos povos indígenas do Paraná no Ensino Superior foi criada pela Lei Estadual nº 13.134, de 18 de abril de 2001, que garantiu de imediato três vagas suplementares nas universidades estaduais do Paraná. Em 2006, as vagas foram ampliadas para seis.

O primeiro Vestibular dos Povos Indígenas, já de acordo com a nova lei, aconteceu em 2002. Simultaneamente, foi instituído o pagamento de uma bolsa de auxílio permanência pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná (Seti).

No Paraná, além das sete universidades estaduais, a Universidade Federal do Paraná também aderiu à lei estadual. Em 2004, ocorreu outro avanço com a criação da Comissão Universidade para os Índios (Cuia), hoje Comissão Universidade para os Povos Indígenas. A sigla Cuia permaneceu e atualmente é a responsável por avaliar as experiências e práticas desenvolvidas por cada instituição de ensino superior para o aprimoramento da política implementada desde 2001.

Além da Cuia Estadual, cada universidade também possui uma comissão local, responsável pelo acompanhamento dos acadêmicos indígenas nos cursos onde estão matriculados e pelo atendimento às demandas apresentadas.

Pela UEPG, integram a Cuia a Pró-reitora de Assuntos Estudantis, Ione da Silva Jovino; a professora e pesquisadora Letícia Fraga; e a Diretora de Ações Afirmativas e Diversidade da Prae, Iomara Favoreto, que ocupa a vice-coordenação da Cuia Estadual na gestão 2024-2025.

A Diretoria de Ações Afirmativas e Diversidade é a responsável por realizar o acompanhamento pedagógico desses estudantes, verificar a necessidade de tutoria discente para auxiliar na rotina acadêmica e elaborar estratégias para a garantia de permanência no ensino superior. Outra frente de trabalho da Diretoria é estimular o protagonismo estudantil dos alunos indígenas, incentivando sua participação plena na universidade, por meio de projetos e demais atividades acadêmicas e campanhas educativas de combate ao preconceito e discriminação aos povos indígenas. “O processo de permanência para os acadêmicos indígenas é um grande desafio, pois o ambiente acadêmico é diferente da sua realidade. Aspectos como a saudade, a distância da família, os costumes, a linguagem e o preconceito étnico impactam de forma significativa nesse processo. O ingresso e a permanência de estudantes indígenas refletem a complexidade das políticas públicas e das práticas inclusivas”, explica Iomara Favoreto.

Trabalho contínuo

A pró-reitora da Prae, Ione Jovino, relata que tem trabalhado com sua equipe para promover ajustes até mesmo em aspectos do ensino no que tange ao idioma português. “Já ouvi um egresso da universidade que, antes de vir estudar, nunca tinha escutado falar português o dia todo. Então, ele teve que se educar para aprender, durante a sua rotina, a língua portuguesa”. para Ione, esta dimensão precisa ser pensada. “Todos os professores, todos os servidores, todo mundo que trabalha nos cursos onde tem alunos indígenas, precisam pensar sobre isso”, detalha, lembrando que eles são falantes do português, mas que o aprenderam como idioma complementar na escola, pois em casa prevalece o idioma materno.

Ione também reflete que a presença indígena nas universidades faz com que todos ao redor revejam a própria visão de mundo. “A presença de estudantes indígenas nos obriga, professores, alunos e servidores, a olhar de outras formas para a universidade”. Um dos exemplos é entender o jeito de ver o tempo, a convivência, a relação com elementos da natureza, o posicionamento diante do mundo, das pessoas, das diferenças étnicas, culturais e linguísticas. “Quando a gente tem um mínimo de abertura, se obriga a pensar no que pode fazer para registrar e valorizar essas presenças dentro da universidade”, pondera a pró-reitora.

A professora Ione também faz um alerta: é preciso que os não indígenas de fato queiram entender a cultura indígena; caso contrário, preconceitos e estereótipos podem apenas ser reforçados e reafirmados. “É importante pensar que não é automático, mas eu acredito nesse caminho, de educação do nosso olhar, do nosso ouvido, da nossa escuta, para a gente entender o que essa presença dos estudantes indígenas na universidade exige de nós em termos de mudança de postura, de formas de avaliar, de falar e de percepções”, conclui Ione.

da UEPG