Segundo Frantz Fanon, cada geração deve descobrir sua missão: cumpri-la ou traí-la. O intelectual e militante martinicano – como prefiro chamá-lo, evitando o termo “antilhano”, que reforça a perspectiva dos colonizadores franceses – dedicou-se ao enfrentamento do colonialismo e de sua imposição dominadora. Mas penso que a ideia que abre este texto vale para toda atitude que devemos adotar em relação ao mundo e à vida. Nossas missões se multiplicam a cada momento histórico. Identificá-las – e cumpri-las – deve orientar o nosso comportamento.
E uma das missões da nossa geração, neste exato momento, no Brasil, é – sem sombra de dúvidas – impor uma derrota à moral golpista. Impedir que mais um episódio patrocinado por aqueles que se consideram o espírito, a razão e o símbolo da honestidade siga impune. Por isso, “Anistia, não!” deve ser a palavra de ordem diária.
A República no Brasil foi parida por um golpe militar. E, desde então, vem se construindo uma identidade segundo a qual esse setor – representado pelo “partido militar” – encarnaria a probidade, em contraponto à corrupção atribuída à política e, em última instância, ao povo brasileiro. Essa identidade foi moldada com a conivência das elites e dos grandes meios de comunicação, que participam estrategicamente dessa aliança em defesa de seus interesses econômicos e de sua posição na sociedade.
Essa moral golpista militar remonta até mesmo ao período anterior à República, com o Golpe da Maioridade, que permitiu a D. Pedro II assumir o trono aos 14 anos. Este ethos se manifestou em 1889, com a proclamação da República; em 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder; em 1937, com o autogolpe que instaurou o Estado Novo; em 1945, com sua deposição; e em 1954, com seu suicídio, após ser democraticamente eleito para um novo mandato. A moral responsável pelo golpe de 1964, que derrubou João Goulart e levou à morte e ao desaparecimento de centenas de brasileiros.
A mesma moral que idealizou, planejou e executou a tentativa de derrubada do Estado Democrático de Direito em 2022 e 2023. Trata-se da mesma linha de pensamento e ação que atravessa a história da República, sustentada por duas grandes mentiras: a ameaça constante do comunismo e a crença de que a corrupção é o verdadeiro problema do Brasil. Essa moral se perpetua porque raramente é confrontada com a verdade. A corrupção, por exemplo, que campeia em seu meio, raramente vem à tona – seja pelo medo de que as baionetas se levantem, seja pelo controle da informação imposto por seus regimes ditatoriais, que impedem a sociedade de conhecer a realidade.
O julgamento que ora transcorre no Supremo Tribunal Federal é uma oportunidade para que a democracia revele, com ênfase, o verdadeiro “ser” dos militares neste país: corruptos, autoritários, excludentes, elitistas, incompetentes, sem projeto de nação. Mas, acima de tudo: criminosos. A hora é agora. Punição exemplar para todos. E, mais do que nunca: Anistia, não!
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político