Segunda-feira, 09 de Junho de 2025

Metamorfose: Quando a vida surpreende e desafia as expectativas

Crônica retrata o choque de gerações e a busca por novas experiências, mesmo na maturidade
2025-06-08 às 15:50

REVISTA— Enquanto aguardava o seu filho, que uma vez por semana jantava com ela, dona Lia assistia, na TV, ao noticiário local. Ouviu o barulho da porta se abrindo e, de repente, Carlos Alberto surgiu, vestido com uma calça jeans muito justa, uma jaqueta de couro e estranhas botinas, tendo nas mãos um capacete de motoqueiro. Acostumada a vê-lo sempre impecavelmente vestido, com os seus ternos discretos e muito bem talhados, ela estranhou a indumentária do filho.

Ao seu lado, estava uma garota de, no máximo, 20 anos. De supetão o seu filho falou: “Mamãe, quero apresentar-lhe a minha namorada, vamos nos casar no final do ano”.  Ele estava com 52 anos, e a menina tinha idade para ser sua filha.

Nobre causídico, formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, PhD em Direito Tributário, logo foi aprovado no concurso para docentes dessa mesma instituição. Autor de vários livros e artigos, era muito admirado e elogiado por sua competência e dedicação profissional. Durante a sua vida, teve algumas namoradas, mas, como estava sempre envolvido com congressos, palestras e viagens ao exterior para ministrar cursos, os namoros nunca evoluíam para um compromisso mais sério, e ele acabava sozinho.

Tentando ser educada, dona Lia perguntou à mocinha: “Qual curso você faz, minha filha?” A garota simplesmente respondeu: “Tia, sou muito nova e ainda não optei por uma carreira. No momento, estou mais preocupada em curtir a vida com o meu Carlucho.”. Dona Lia ficou indignada e pensou: “Como pode, o meu filho, o Dr. Carlos Alberto Menezes de Miranda e Albuquerque, ínclito advogado e escritor, membro de tradicional família ponta-grossense, admitir ser chamado de Carlucho?”.

Mais uma surpresa: “Mamãe, hoje não vou jantar com a senhora. Nós vamos ao Centro de Eventos, assistir a um show de heavy-metal.”. Logo ele, que sempre abominara esse estilo de música, agora faria parte da plateia?
A cada dia, o filho a surpreendia, passando a agir como um adolescente, vestindo-se e portando-se de maneira esdrúxula e deixando em segundo plano a sua carreira acadêmica e os seus compromissos profissionais.
Muito preocupada com o estranho comportamento do filho, aventou a possibilidade de Carlos Alberto não estar em pleno uso das suas faculdades mentais. Sem saber como agir, dona Lia resolveu consultar uma psicóloga. Adentrou a sua sala e, sem sequer cumprimentá-la, num ímpeto de desespero, exclamou: “Doutora, vim pedir-lhe socorro:  o meu filho emparveceu!”

“Como pode, o meu filho, o Dr. Carlos Alberto Menezes de Miranda e Albuquerque, ínclito advogado e escritor, membro de tradicional família ponta-grossense, admitir ser chamado de Carlucho?”

Márcia Derbli Schafranski é professora universitária aposentada. Texto publicado no âmbito do projeto “Crônicas dos Campos Gerais”, da Academia de Letras dos Campos Gerais (ALCG).

Por Márcia Derbli Schafranski
Texto publicado originalmente na edição 307 da Revista D’Ponta