Por Camila Souza
O programa Manhã Total da Rádio Lagoa Dourada (98.5 FM) desta segunda-feira (21) recebeu a médica psiquiatra Adriana Pacholok e a psicóloga especialista em desenvolvimento humano Sheila Kalkmann. Durante a entrevista, as profissionais falaram sobre a fase da adolescência e os desafios enfrentados por pais e filhos nesse período. O programa é transmitido de segunda á sexta-feira das 8h até 10h.
A psiquiatra reforçou que, independentemente da fase vivida pelo adolescente, é essencial manter as premissas de educação, limite e bom senso. “A gente não observa essas premissas em muitos pais e deixam de impor limites e fazer acordos com os filhos em relação à necessidade deles”, comenta. Segundo ela, é comum observar casos de agressividade e permissividade, o que demonstra a perda do equilíbrio e do bom senso.
As especialistas explicaram que, normalmente, o atendimento ao adolescente começa com o acompanhamento psicológico, sendo o encaminhamento ao psiquiatra feito apenas quando necessário. A psicóloga relatou que muitos casos chegam à clínica a partir do desespero dos pais. “É muito importante, antes de olhar para esse adolescente, estar atento ao sistema familiar”, afirma. Ela destaca a importância de analisar como a família está conduzindo a educação dos filhos, o que envolve, muitas vezes, padrões herdados de outras gerações.
“Eu costumo falar para os pais que é muito difícil lidar com crianças e adolescentes porque nós não tivemos a preparação de inteligência emocional que hoje é tão cobrada socialmente. Muitas vezes não se sabe do que se trata ou ainda como lidar”, aponta. Para ela, inteligência emocional é compreender as próprias emoções e saber o que fazer com elas. “Esse adolescente tem dificuldade em ter inteligência emocional porque não sabe o que fazer com a raiva e acaba descontando nos pais. Quando ele entende o porquê está sentindo raiva e o que pode fazer com a raiva, tudo muda”, exemplifica.
Segundo a psicóloga, é natural que o adolescente tenha dificuldades para controlar sentimentos que surgem de forma explosiva. Por isso, o papel dos pais se torna fundamental. “Por isso orientamos esses pais em como conduzir, trabalhando a inteligência emocional na família para que estejam preparados para integrar o adolescente nesse processo”, explica.
Ela lembrou que os pais servem de exemplo. “Se é uma educação baseada no grito, baseada na punição e violência, o adolescente aprende que quando está com raiva ele precisa manifestar e descontar em alguém”, disse. Para ela, é preciso ouvir os adolescentes com o coração para respondê-los com a razão.
A psiquiatra destacou que o atendimento psiquiátrico se diferencia do psicológico, mas segue um cronograma que inclui a escolha cuidadosa de um eventual tratamento medicamentoso. “Se você não entender a estrutura da família, não se consegue ter um bom diagnóstico”, afirma. Ela ressaltou que, mesmo em doenças como depressão, ansiedade e transtornos, o funcionamento familiar exerce influência direta no quadro do paciente. “Todas as doenças têm uma influência da família, do funcionamento da família”, disse.
Ela explicou que doenças psiquiátricas são multifatoriais e que a genética tem um peso importante. “Você é uma construção da sua parte genética, da estrutura familiar, do colégio que você está inserido e dos seus amigos. Nós nos construímos todos os dias”, declara. Ainda assim, ressaltou que a busca por ajuda psiquiátrica não significa, necessariamente, que o paciente receberá um diagnóstico ou prescrição medicamentosa. “Tem pessoas que vão ao médico e muitas vezes saem sem receita para um medicamento”, observa.
A médica relatou que, em muitos casos, os pais procuram atendimento para o filho, mas durante a consulta é identificado que eles também precisam de acompanhamento. “Quando você conversa com a família, é sugerido um acompanhamento também para os pais e isso acontece com bastante frequência”, afirma.
A psicóloga ressaltou que não se trata de culpabilizar os pais, já que muitos também foram educados de forma inadequada. “Se você olhar e pensar como eram seus bisavós e como foram criados, questionar o porquê seus pais são assim, e perceber que os avós foram duros com os seus pais, isso ajuda a compreender melhor a situação”, reflete. Segundo ela, a psicoterapia é importante para auxiliar nessa reconstrução emocional e familiar. “Para que a próxima geração tenha um entendimento mais maduro dessa questão das emoções e comportamentos e como lidar”, exemplifica.
Outro ponto debatido foi a replicação de padrões educacionais. Muitos pais costumam afirmar que foram criados de forma mais rígida e que, hoje, os filhos têm uma realidade muito diferente. Para a psicóloga, a questão está no equilíbrio, algo diretamente relacionado aos estilos parentais. “Na clínica eu recebo os dois perfis, quando tem autoritarismo ou muita permissividade e esses dois extremos não sabem o que fazer com o adolescente”, conta. O estilo democrático é o mais adequado, segundo ela. “Eu sempre parto do princípio de que é necessário pôr limites e fazer combinados que se esses limites terão consequências se eles não forem cumpridos”, afirma.
Sobre divergências entre os pais, quando um permite algo e o outro não, a psicóloga alerta que isso pode gerar conflitos na educação. “Eles fazem esse movimento aqui ou ali para tentar conseguir o que querem”, explica. Por isso, reforçou a importância de os pais estarem alinhados.
Outro comportamento comum é a dificuldade dos pais em dizer ou sustentar um ‘não’. “Muitas vezes os pais projetam uma adolescência que não tiveram e que gostariam para os filhos por terem condições”, analisa. Segundo ela, isso gera culpa e o excesso de concessões acaba sendo prejudicial. “Como eu vou trabalhar a frustração nesse adolescente? Ele precisa se frustrar e ter um não. Senão na vida adulta quando receber um ‘não’, como vai lidar?”, questiona.
Ela reforçou que é fundamental o adolescente entender por que recebeu uma negativa. “Ser pai e mãe não quer dizer que eu não possa ser amigo do filho. Às vezes a relação de amizade na família é importante para puxar o adolescente para perto e ele não se perder”, afirma.
A psiquiatra acrescentou que mais do que verbalizar, os pais devem demonstrar autoridade e acolhimento com atitudes. “O acolhimento é super importante quando o filho te traz as coisas, você ouvir, suportar e acolher e evitar o julgamento. Quando se quer acolher alguém, tenha o ouvido gentil, mas deixe claro a sua autoridade e explicando os porquês”, recomenda.
As especialistas também abordaram amizades inadequadas. A psiquiatra orientou os pais a observarem mudanças no comportamento dos filhos. “Se há mudança no padrão de comportamento, alguma coisa não está legal”, alerta. Ela afirmou que é válido conversar com a escola ou até considerar mudança de turma, se necessário. A psicóloga acrescentou que a terapia ajuda a mostrar ao adolescente quais comportamentos o colocam em risco. “O adolescente precisa ter a percepção do que é certo e errado e começar a fazer isso com certa autonomia”, explica.
Sobre os relatos trazidos pelos adolescentes nas consultas, a psicóloga afirmou que muitas vezes é possível compreender como é o ambiente familiar a partir do que eles contam. No entanto, é preciso cautela, já que pode haver distorções na visão do adolescente. “Essa visão distorcida vem junto com a distorção, as crenças que ele tem sobre ele e que acabam maximizando aquilo frente à queixa do pai e da mãe”, relata.
Ela reforçou que o trabalho com adolescentes deve sempre envolver a família. A psiquiatra complementou dizendo que as contradições nos discursos ajudam a identificar essas distorções.
Em relação aos relacionamentos amorosos na adolescência, a psicóloga destacou que é natural o desejo de experimentar novas sensações, mas alertou para os excessos. “Por isso entra em ação a construção da família para lidar com essa questão do excesso”, disse. A psiquiatra ressaltou a importância da educação sexual dentro de casa. “Se não vier de casa, vem através do amigo”, alerta.
Ela ainda destacou que a idade deve ser levada em consideração para evitar grandes discrepâncias e que conhecer a família do parceiro é essencial. “Se proíbe, acontece longe de você. Sabendo da situação é uma forma que você tem de controlar um pouco mais para que o namoro seja na casa dos pais”, afirma.
Sobre casos de automutilação, a psicóloga explicou que isso não é normal e que, muitas vezes, os adolescentes não relatam aos pais, mas procuram ajuda. “Quando se fala de automutilação ou ideação suicida na adolescência, não necessariamente ele busca a morte, mas é uma forma de buscar alívio naquela dor que ele está sentindo”, revela.
As dores mais comuns envolvem a sensação de não ser compreendido, não ser aceito, sofrer violência ou agressividade. “Não podemos pensar de forma alguma que automutilação ou idealização suicida é para chamar a atenção”, conclui, recomendando a busca imediata por ajuda profissional.
O Centro de Valorização da Vida (CVV) é um serviço voluntário gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. Oferece atendimento pelo telefone 188 (24 horas e sem custo de ligação), por chat, e-mail e pessoalmente (ACESSE AQUI). Nestes canais, são feitos mais de 2,7 milhões de atendimentos anuais, por aproximadamente 3.300 voluntários, presentes em 20 estados, além do Distrito Federal.