O editorial de O Globo, em mais um dos inúmeros ataques de um veículo das Organizações contra Lula, é de uma desonestidade intelectual que só um personagem entreguista seria capaz de praticar contra o próprio país. Nada surpreendente, considerando o histórico das empresas de Roberto Marinho em relação, por exemplo, ao golpe militar, ao governo Collor, à Lava Jato e à campanha de Bolsonaro em 2018.
Criticar Lula por defender a adoção de uma moeda alternativa ao dólar nas transações comerciais entre países – afirmando que “o uso do dólar no comércio internacional é incontornável” – é de uma miopia e de um vira-latismo impressionantes. É, na prática, defender interesses pouco claros e fazer o leitor acreditar que a política, inclusive a global, é algo estanque e imutável, quando na verdade é moldada por posicionamentos e disputa de posição cotidiana.
O que Lula faz ao propor uma alternativa ao dólar é defender os interesses do Brasil. Simples assim. E há muitos e sólidos argumentos para isso.
Primeiro: reduzir dependência e vulnerabilidade externa. Hoje, se o Brasil quer importar petróleo, tecnologia ou máquinas, quase sempre precisa pagar em dólar. Como o dólar oscila de acordo com decisões do Federal Reserve (o banco central dos EUA) e com a política externa norte-americana, essa dependência nos torna vulneráveis a choques externos que não controlamos. Uma moeda alternativa – seja regional, seja lastreada em uma cesta de moedas – diminuiria essa exposição.
Segundo: fortalecer a nossa soberania econômica. Usar o dólar significa aceitar custos e regras definidas pelos Estados Unidos, inclusive sanções financeiras. Ao diversificar moedas de transação, o Brasil amplia sua autonomia para negociar, por exemplo, com países que tenham políticas divergentes de Washington, sem com isso ficar sujeito a retaliações.
Terceiro: reduzir custos de transação. Empresas brasileiras pagam taxas de conversão e enfrentam riscos cambiais ao trocar reais por dólares antes de pagar fornecedores. Um sistema de liquidação direta em moeda comum ou alternativa diminuiria custos e aumentaria a previsibilidade.
E há mais: uma moeda alternativa estimularia integração regional e abertura de novos mercados, reduziria o impacto de crises econômicas nos EUA sobre as transações brasileiras e viabilizaria acordos bilaterais estratégicos para impulsionar o comércio exterior. Argumentos que o articulista parece inépto – ou não interessado – em reconhecer.
A arrogância do editorialista, que se coloca como mais conhecedor das relações internacionais do que o próprio governo brasileiro, revela o verdadeiro objetivo: criar um discurso para que seus aliados – e, portanto, adversários de Lula – possam buscar um melhor posicionamento no debate acerca da violência contra a soberania nacional patrocinada pela família Bolsonaro e seus cúmplices. Uma tentativa de encobrir o estrago causado pela extrema-direita e sua aliança com o governo Trump aos empregos e às empresas brasileiras. Uma tentativa que, tudo indica, será infrutífera.
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político
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