“Se eu pudesse, eu não seria um problema social”, canta Seu Jorge, dando voz ao sentimento de milhares de brasileiros em situação de vulnerabilidade social. Nesta semana, que marcou o Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, é oportuno observar o crescente desprezo pelos direitos humanos, em especial, dessa parcela da população. Projetos de lei são propostos com o intuito claro de apenas retirar essas pessoas dos centros das cidades, proibindo-as de dormir na rua ou ficar em frente a comércios. A proposta não é resolver o problema, que é muito mais profundo e exige intervenções sérias e investimentos em políticas públicas, mas apenas tornar essa população ainda mais invisibilizada.
É chocante perceber que essa não é uma pauta isolada, mas um projeto político defendido por vereadores, prefeitos, deputados e governadores da direita em diversas regiões do Brasil. Em Londrina, dois projetos avançam contra os direitos da população de rua. Em um deles, a vereadora Jessicão (PP) propõe a proibição de que pessoas durmam nas ruas. A mesma vereadora também é a autora do projeto de lei que prevê internação involuntária de pessoas com dependência química, que foi aprovado e aguarda sanção do prefeito. E ainda tem uma terceira proposta, também de Jessicão, que pretende proibir a doação de alimentos em vias públicas.
Esse tipo de propositura não é novidade. É só lembrar que no ano passado foi apresentado na Câmara de São Paulo um projeto que previa multa de R$17 mil para quem doasse alimentos a pessoas em situação de rua, uma tentativa clara de punir o padre Júlio Lancellotti. Após pressão da sociedade e a Comissão Permanente de Direitos Humanos da OAB-SP apontar flagrante desrespeito constitucional, o projeto foi suspenso. Ou seja, as tentativas são inúmeras e mostra a face cruel e desumana de um dos tentáculos do bolsonarismo: o desprezo pelo pobre e pelas minorias.
Na semana passada, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que almeja disputar a presidência em 2026, voltou a comparar moradores de rua com carros parados em lugar proibido que devem ser “guinchados”. A fala foi feita durante entrevista à BBC Brasil e reflete o total desprezo a essa população tão invisibilizada. Eu, como brasileiro, acredito que não é isso que queremos para o nosso Brasil. Eu acredito que os brasileiros, que amam de verdade essa nação, preferem políticas que busquem, em primeiro lugar, garantir os direitos básicos, como moradia e saúde. Remoção forçada de pessoas em situação de rua não é o caminho, a não ser que queiramos flertar ainda mais de perto com o fascismo e suas práticas.
A solução para um problema tão complexo não está em esconder o problema para debaixo do tapete ou, melhor, retirá-lo dos centros das cidades, porque incomodam os turistas e comerciantes. Gestores, que se prezam e se importam com pessoas, têm a decência de investigar a raiz do problema, que nasce da desigualdade social, e buscam soluções concretas, investindo em programas sociais. E mais um detalhe: leiam a Constituição de 1988, item obrigatório para quem quer ocupar um cargo eletivo. Com certeza, essa leitura poupará os cidadãos de sucessivas tentativas contra a dignidade da pessoa humana.
Arilson Chiorato é deputado estadual e presidente do PT-PR
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