Na semana passada, especulei neste espaço sobre a possibilidade de as eleições presidenciais do próximo ano serem resolvidas já no primeiro turno. Não cravei, evidentemente, quem seria o vencedor – seria um tanto irresponsável, a essa distância, arriscar tal prognóstico. Mas apostei que a diferença, com vitória da esquerda ou da direita, tenderia a ser apertada.
Baseei meu raciocínio na imagem palatável de Tarcísio de Freitas, provável candidato da direita, junto a um eleitor que, mesmo rejeitando partidos de esquerda e preferindo se posicionar ao centro ou à direita, não deseja ser confundido com o bolsonarismo stricto sensu.
Mas então veio a viagem do governador paulista a Brasília, com o objetivo de articular projetos de lei que buscam anistiar os golpistas que planejaram, digitalizaram, minutaram e tentaram colocar em marcha um golpe contra o Estado Democrático de Direito.
E, não satisfeito, Tarcísio foi levado por seus estrategistas à avenida Paulista para defender a anistia a criminosos – os já presos e os que ainda serão -, atacando ministros do Supremo Tribunal Federal, em especial Alexandre de Moraes, relator do processo da tentativa de golpe, que previa o assassinato de Lula, Alckmin e do próprio Moraes. Curiosamente, o mesmo ministro com quem Tarcísio dizia manter relações próximas.
Por que ele fez esse movimento, que sem dúvida impõe uma barreira ao seu crescimento? Seria por ingenuidade, ou por uma cegueira estratégica de seus assessores? Não me parece. Mais provável é que Tarcísio tenha sido pressionado por figuras do extremismo bolsonarista, que só aceitariam abonar sua candidatura caso ele desse demonstrações públicas de compartilhar o mesmo inimigo: Alexandre de Moraes.
O problema é que essa gente se move pelo fígado. Não percebe que, do ponto de vista estratégico, o gesto de Tarcísio equivale a um roque malfeito, sem proteger o rei. Um movimento barulhento, mas sem resultado concreto. Assim como suas vaidades exigem que aliados lhes “paguem pau” sempre que necessário para massagear egos e reafirmar importâncias, também exigiram que o governador se submetesse a essa prova de fidelidade, como naqueles programas de auditório.
À centro-esquerda e à esquerda resta comemorar e potencializar esse passo em falso de Tarcísio. Alguns chamam de “tirar a máscara”; prefiro dizer que ele a vestiu. Ao se aproximar ainda mais do bolsonarismo raiz, corre o risco de se afastar justamente do eleitor que está em disputa. E, se isso acontecer, talvez minha leitura da semana passada se desmanche no ar. Porque assim é a política.
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político
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