Por Camila Souza
Na semana passada, antes da votação na Câmara Municipal sobre a terceirização da merenda escolar, que ocorreu na segunda-feira (22), a Prefeitura Municipal de Ponta Grossa (PMPG) divulgou em suas redes sociais uma tabela com contratos e gastos relacionados à alimentação dos estudantes e manutenção dos serviços escolares. A administração defendeu que a merenda “já é terceirizada há muito tempo” e afirmou que continuará atuando “com transparência e verdade”.
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Na lista, o Executivo incluiu cinco grupos de despesas: compras de gêneros alimentícios (arroz, feijão, carnes, hortifrutis, leite, pães), aquisição de gás, aquisição de equipamentos, folha de pagamento + gratificações e equipes terceirizadas. A soma ultrapassa R$ 94 milhões, valor que, segundo a gestão, justificaria o novo edital de licitação de R$ 88,9 milhões previsto para outubro.
Veja a tabela ‘Anuncio_Gastos_Merenda_PG‘.
A publicação, porém, foi alvo de críticas. Para opositores, a compra de insumos não pode ser confundida com a terceirização da gestão e da execução da merenda e, portanto, não deveria ser contabilizada no valor final do contrato. Eles ressaltam que a prefeitura já tem a obrigação de adquirir alimentos de produtores locais, como hortifrutis, uma vez que não produz esses itens por conta própria.
O receio é de que, caso uma única empresa assuma toda a gestão, os agricultores locais sejam prejudicados, já que não há garantias de que a vencedora da licitação dará preferência à produção regional.
Além disso, questionam a tabela exposta pela Prefeitura porque foram adicionados itens como o gasto com gás, o que alegam ser um gasto essencial “sem gás ninguém cozinha”. Outro ponto destacado entre os críticos para a equipe de reportagem é que os números apresentados representam apenas o teto contratual, ou seja, o valor máximo que poderia ser gasto, e não o montante realmente pago.
A prefeita Elizabeth Schmidt alegou em 5 de setembro através de suas redes sociais que a terceirização da merenda ocorre há anos. De acordo com ela, o problema está nos vários contratos que isso gera, fato que ela define como “um modelo ultrapassado e cheio de processos”.
Ela ainda cita que esse modelo torna difícil a fiscalização e além disso, sai mais caro do que unir tudo em um único contrato. Por fim, ela cita que a mudança consiste em unificar esses contratos com insumos alimentícios.
A equipe de jornalismo do D’Ponta News consultou o Portal da Transparência para verificar os números oficiais. Os dados mostram diferenças entre os valores empenhados (reserva orçamentária) e o que de fato foi pago aos fornecedores.
2025 (atualizado em 23/09)
Empenhado: R$ 27.667.343,56
pago até o momento: R$ 14.392.398,39
→ diferença de R$ 13.274.945,17.
2024
Empenhado: R$ 32.831.828,56
Pago: R$ 26.164.462,63
→ diferença de R$ 6.667.365,93.
2023
Empenhado: R$ 23.411.999,84
Pago: R$ 22.029.486,20
→ diferença de R$ 1.382.513,64.
2022
Empenhado: R$ 24.145.831,20
Pago: R$ 22.032.184,16
→ diferença de R$ 2.113.647,04.
Em 2024, por exemplo, um único fornecedor teve empenho de R$ 3.140.635,76, mas recebeu R$ 2.975.797,00.
Vale destacar que o valor apresentado de 2025 foi consultado na noite de terça-feira (23) e por o contrato estar vigente, o valor pago pode apresentar alterações em outro momento de consulta.
Qualquer cidadão pode acessar essas informações (veja o tutorial abaixo). Basta entrar no site da prefeitura, acessar a aba ‘Portal da Transparência’ > ‘Iniciar’ > ‘Fornecedores’ > ‘Despesas Empenhadas’ > selecionar na parte superior da tela o ano desejado > na aba ‘programa’ procurar por ‘Programa de Alimentação Escolar’ > e por fim, ‘Pesquisar’.
Um fornecedor ouvido pelo D’Ponta News, que pediu para não ser identificado, reforçou a diferença entre compras e terceirização.
“O nosso não é terceirizado e sim compra de gêneros e não é terceirização de mão de obra. São modalidades de contratos diferentes, inclusive a gente não tira uma nota de prestação de serviços para a prefeitura e sim uma nota de venda de mercadoria de produto acabado”, relata.
Segundo ele, os valores apresentados pela Prefeitura são tetos contratuais, não correspondendo ao que é efetivamente recebido pelos fornecedores.
O vereador Geraldo Stocco (PV), que votou contra a terceirização, também criticou a publicação da Prefeitura. Em entrevista ao D’Ponta News, afirmou que a administração faz uso político dos números.
“Esse argumento que a prefeitura utiliza, ele é um argumento muito baixo. Ela compra de terceiros porque não tem capacidade de fornecer tudo. Mas o que a prefeitura quer é tirar de todas essas pessoas e anexar num contrato multimilionário de uma empresa que nós não temos a mínima ideia de como é que vai trabalhar”, declara.
Stocco também criticou a inclusão de despesas que considera óbvias e inevitáveis, como o gasto com gás. “É claro que vai ter o gasto com gás, porque senão ninguém cozinha. Esses gastos são inerentes à merenda”, afirma.
Ele ainda classificou como “desinformação” a soma de valores que não foram pagos e até de uma licitação futura. “Tem uma licitação que a prefeitura colocou naquela publicação que ainda nem aconteceu. É um contrato que não existiu e já está sendo considerado gasto. Além disso, há licitações em que o teto é de R$ 12 milhões, o preço homologado foi de R$ 7 milhões e, até setembro, foi pago pouco mais de R$ 1 milhão. Mesmo assim, a prefeitura alega o valor cheio, quando não corresponde ao que foi desembolsado”.
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Por fim, o parlamentar cita que os dados expostos na tabela, se tratam de um teto contratual e que os fornecedores não receberam necessariamente o que foi exposto. “É um teto. O fornecedor pode chegar ao valor máximo ou não”, diz.
Para o vereador, essa estratégia configura “um crime de desinformação”. Ele afirmou que levará o caso ao Ministério Público.