A chuva bate forte contra o vidro das janelas da sala. A primavera começou chuvosa e com temperaturas amenas pelas bandas do Sul do Brasil. Sentado em uma cadeira – já que o sofá está em reforma depois de anos de companhia -, espero o início do telejornal, anunciado para começar em três minutos. Sou então surpreendido por um som agudo, inconfundível: tun, tun, tun… acompanhado de uma locução que prende ainda mais a minha atenção.
“Forma-se, neste momento, a rede nacional de rádio e televisão para o pronunciamento do Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva.”
Surge, então, o Presidente Lula, provavelmente em seu gabinete no Palácio do Planalto. Veste um terno azul – mais para claro que para o marinho – muito bem cortado, uma camisa branca com a gola na medida justa ao seu pescoço e uma gravata em azul, verde, branco e amarelo, com o nó perfeito.
“Minhas amigas e meus amigos”, começa ele, com seu timbre inconfundível. “Volto a falar com vocês para tratar sobre o tarifaço aplicado pelo governo dos Estados Unidos contra setores da economia brasileira, que têm afetado nossas empresas e os empregos no País.
Como vocês sabem, nunca deixamos de utilizar os caminhos diplomáticos para negociar com o governo norte-americano, antes e agora, durante a vigência das tarifas. E esse diálogo continua. Em breve, terei uma conversa com o presidente Donald Trump.”
Lula desenvolve os pontos da negociação, cita as articulações realizadas por Geraldo Alckmin e empresários brasileiros, faz uma pausa dramática e retoma:
“Mas é preciso dar nome aos bois. Esse ataque contra o Brasil, contra as nossas empresas e empregos, só aconteceu porque o deputado Eduardo Bolsonaro influenciou o governo norte-americano, em uma tentativa de chantagear o Brasil para obter a liberdade de condenados que atentaram contra a nossa democracia, com a tentativa de golpe após a derrota do seu pai nas eleições de 2022. Isso precisa ficar muito claro. Minhas amigas e meus amigos, o grande responsável pelo tarifaço contra o Brasil chama-se Eduardo Bolsonaro e o movimento golpista criminoso do qual ele faz parte.”
Não sei bem se esse pronunciamento de fato aconteceu. Talvez eu tenha sonhado, em algum momento raro de sono profundo. Mas penso que ele se faz necessário. Talvez não exatamente nestas palavras, nem mesmo com Lula como porta-voz. Mas é preciso deixar claro quem é o verdadeiro responsável pelo ataque que hoje enfrentamos do governo norte-americano, na intensidade que vivemos.
É possível que tenha sido sonho mesmo. Estimulado, talvez, por uma pesquisa recente realizada no Paraná, em que 30% dos entrevistados apontaram Lula como o principal culpado pelo tarifaço. Um discurso claramente fabricado por um sistema de comunicação muito bem estruturado no estado, sempre favorável à propagação das mensagens da direita. Sistema, aliás, que dá espaço até para deputados estaduais subirem à tribuna e, com desfaçatez, atribuírem ao governo Lula uma culpa que não é dele.
E essa realidade, temo, talvez não se restrinja apenas ao Paraná. Por isso, exige atenção especial, para que não se consolide a falsa percepção de que o governo é culpado por aquilo que, na verdade, enfrenta com absoluta correção e determinação em defesa do Brasil dos brasileiros e brasileiras.
Sonhos… como gosto deles.
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político.
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