Quarta-feira, 02 de Outubro de 2024

A palmada na educação dos filhos: É possível corrigir sem agredir?

2020-07-21 às 19:13

A cena com certeza você já conhece muito bem. Os pais estão com os filhos no supermercado quando a criança pede para comprar alguma coisa. Ao ouvir um ‘não’ como resposta, imediatamente o pequeno se joga no chão, grita, chora e esperneia. Os momentos de birra são comuns nesta fase de desenvolvimento em que as crianças estão testando os limites – e a paciência – dos adultos. 

Especialistas em psicologia infantil e psicopedagogia alertam que, nesses momentos, os pais precisam resistir à tentação de dar umas palmadas ou colocar o filho de castigo. Eles alegam que isso pode ser prejudicial para o desenvolvimento da criança e trazer várias consequências negativas. Por outro lado, alguns pais alegam que as palmadas não são castigos físicos severos e poderiam ser usadas como forma de disciplina.

Palmadas desnecessárias e perigosas

Elizabet Tramontin Silveira Camargo, psicopedagoga

Na visão da psicopedagoga Elizabet Tramontin Silveira Camargo, que mantém consultório em Ponta Grossa, as palmadas e os castigos físicos são desnecessários. “Ao educar os filhos, os adultos refletem a forma como foram educados, passando isso de geração em geração. Os pais muitas vezes agem assim, repetindo o que passaram, por não saber como agir e não conseguir investir no diálogo, que seria a forma mais adequada de corrigir comportamentos indesejados” destaca.

Ela alega ainda que os castigos físicos demonstram o desequilíbrio emocional de quem educa. “Às vezes as palmadas falam muito mais sobre o contexto familiar em que as crianças estão inseridas, da falta de comunicação entre os pais, da sobrecarga de trabalho do dia a dia, de uma rotina sem organização, da falta de estratégias para resolver os problemas, das decepções da vida”, enumera.

Crianças repetem o comportamento dos adultos

A psicopedagoga destaca que várias pesquisas apontam consequências negativas das agressões sofridas pelas crianças na infância. “As crianças vão compreender que é dessa forma que deve ser a interação no convívio diário com as pessoas e que é essa a maneira que se resolvem conflitos, agredindo colegas, familiares e animais. A interação na infância é reflexo do ambiente familiar e a criança demonstra nitidamente como é tratada na forma como trata os que estão ao seu redor”, aponta. 

Além do aumento da agressividade, as palmadas podem trazer outros problemas de comportamento que podem se estender até a fase adulta. “A criança que sofre esse tipo de punição, pode apresentar-se intimidada, reprimida, humilhada e com raiva, culpa, vergonha, medo, ansiedade, baixa autoestima e comportamentos antissociais; sentimentos que podem interferir na aprendizagem, em seu desenvolvimento, como também gerar traumas no futuro”, explica.

interação na infância é reflexo do ambiente familiar e a criança demonstra nitidamente como é tratada na forma como trata os que estão ao seu redor

Elizabet Tramontin Silveira Camargo, psicopedagoga

Educação baseada no amor e afetividade

De acordo com Elizabet, os pais devem investir na educação emocional das crianças. “As crianças desde muito cedo precisam aprender a respeitar os limites e a ouvir ‘não’. Se planejado, com estratégias adequadas e muito diálogo – não discussão – a criança vai entender até onde pode ir e ter muito claro as consequências do que faz”, enfatiza. 

Ela acredita que com educação emocional é possível criar uma disciplina positiva, baseada no amor e afetividade. “Quando a disciplina é construída no ambiente familiar, as famílias não têm problemas com mal comportamento. A criança se fortalece para resolver seus conflitos e torna-se resiliente frente às demandas do dia a dia”, salienta. 

Palmadas revelam descontrole emocional

Dione Henneberg, psicóloga

Segundo a psicóloga ponta-grossense Dione Rute Henneberg, especialista em terapia familiar, a palmada revela o descontrole emocional dos pais e a incapacidade de resolver os próprios conflitos. “A pessoa acaba batendo no seu filho como uma forma de extravasar as próprias frustrações. Como ela não pode fazer isso com o chefe, por exemplo, chega em casa e desconta na família”, explica.

Ele comenta que, nas últimas gerações, os psicólogos vêm percebendo clinicamente que os pais acabavam extrapolando os limites e usando a agressão física para aliviar as tensões do dia a dia. “A criança vira um saco de pancada e a palmada deixa de ser uma forma de educar. O pai e a mãe canalizam toda a raiva que sentem e jogam tudo em cima de uma criança, por ser menor, mais frágil e não ter defesa alguma”, acrescenta.

Palavras que machucam

Dione lembra que, geralmente, as palmadas são acompanhadas de palavras agressivas. “Muitas vezes a agressão verbal é pior do que a agressão física, pois ela mexe numa área muito delicada do ser humano que é a questão da autoestima. São palavras pejorativas que acabam incorporadas no processo inconsciente da criança e ela coloca isso como verdade, tornando-se um adulto inseguro”, afirma. 

Raiva, mágoas e ressentimentos também podem ser frutos de uma educação baseada em agressões. “Se a criança ou o adolescente não libera o perdão para esses pais, vai levar essa carga emocional negativa para o resto da vida. A falta de perdão é um dos maiores dispositivos de reações psicossomáticas no ser humano”, alerta. 

A pessoa acaba batendo no seu filho como uma forma de extravasar as próprias frustrações. A criança vira um saco de pancada e a palmada deixa de ser uma forma de educar.

Dione Henneberg, psicóloga

Palmada educativa e contenção muscular

Entretanto, Dione defende o que chama de palmada educativa. “Tem crianças que você não precisa nem dar um tapinha na bunda, mas tem crianças que mesmo com o diálogo e a imposição de limites, os pais não conseguem ajustar o comportamento. Uma palmada ‘bem dada’, no momento certo, pode ajudar nesses casos. Sentir na pele a firmeza dos pais ajuda a criança no controle dela mesma”, comenta.

Nos momentos de birra, a psicóloga indica algumas estratégias de contenção muscular. “Quando uma criança pequena está muito agitada, o pai ou a mãe devem pegar ela de costas, sem falar nada, e levar para sentar num banquinho ou ficar um pouquinho quieta no seu quarto pensando no que aconteceu. A criança já tem condições de perceber sozinha o que fez de errado, então não precisa ficar repetindo ou gritando”, detalha. 

Os adultos não podem esquecer que é uma fala de criança a fim de controlar o meio dela e manipular pai e mãe para conseguir o que ela quer

Dione Henneberg, psicóloga

Pais reféns dos próprios filhos

De acordo com Dione, a dificuldade em impor limites faz com os pais se tornem reféns dos próprios filhos e estruturem a própria família em torno de satisfazer os desejos das crianças. “Os pais estão levando para um contingente muito emocional e sentimental o que crianças de quatro ou cinco anos falam ou repetem, até mesmo porque elas já percebem qual é o ponto fraco de pai e de mãe”, diz.

Dione alerta que os pais precisam tomar cuidado para não cair num jogo emocional. “Os adultos não podem esquecer que é uma fala de criança a fim de controlar o meio dela e manipular pai e mãe para conseguir o que ela quer. Se os pais não forem mais espertos do que os filhos, os filhos controlam os pais”, alerta.

Agressão pode reforçar o comportamento indesejado

Camila Silveira Camargo, psicóloga

Violência gera violência, ressalta a psicóloga Camila Silveira Camargo, que também atende em Ponta Grossa. Ela alerta que as palmadas e outros castigos físicos podem agravar os comportamentos indesejados da criança. “A tendência do uso da agressão física como punição é agravar os comportamentos que motivaram a agressão, consequentemente as palmadas também. É um ciclo perverso”, sublinha. 

Camila frisa que apenas com a palmada ou outros castigos físicos, a criança não é capaz de entender o que fez de errado. “A prática não ensina respeito, não impõem autoridade e não gera compreensão na criança, apenas medo. Isso pode vir a proporcionar outros comportamentos, como a mentira por exemplo, onde a criança passa a esconder por medo de uma possível consequência. O que interfere no vínculo de confiança, que é essencial nas relações familiares”, comenta.

Ela alerta que com medo da punição e sem entender o porquê aquele comportamento é inadequado, a criança começa a manifestá-lo em outros lugares. “Ao utilizar da agressão o comportamento reprimido para imediatamente, porém a criança tende a agravar o comportamento ou reproduzi-lo em outros ambientes sem a presença do agressor. Em resumo, a agressão física só está ensinando a criança a evitar uma surra e a fugir do agressor”, enfatiza. 

A prática não ensina respeito, não impõem autoridade e não gera compreensão na criança, apenas medo

Camila Silveira Camargo, psicóloga

 Educar é um ato de amor

Camila reforça que a palmada é uma pratica que vem passando de geração em geração como forma de disciplina, porém hoje já existem estudos e técnicas mais assertivas. “Educar um filho é algo complexo e que exige muito dos pais, educar dá trabalho e ir pela via mais fácil nem sempre é o melhor caminho. Se olharmos para as gerações anteriores podemos perceber os danos causados pelas palmadas”, frisa. 

Ela acredita que, ao invés de direcionar a sua energia para os comportamentos errados, os pais devem olhar por outro ângulo e focar nos desejados, reforçando-os. “É papel dos pais promover um ambiente seguro, onde a criança se sinta encorajada, amada, desenvolvendo a autoestima, autonomia e o autocontrole, que é construído desde muito cedo e reforçado ao longo do crescimento. Isso é feito através de bons exemplos, deixando claro limites e normas, explicando as possíveis consequências, cumprindo combinados, ouvindo e dando atenção”, ensina. 

A psicólogo orienta ainda que buscar ajuda profissional pode ser uma alternativa saudável que pais e filhos aprendem a reconhecer, identificar e compreender as emoções, desenvolvam a cooperação e exercitem a paciência, entre outros aspectos importantes no desenvolvimento infantil. 

É papel dos pais promover um ambiente seguro, onde a criança se sinta encorajada, amada, desenvolvendo a autoestima, autonomia e o autocontrole, que é construído desde muito cedo e reforçado ao longo do crescimento

Camila Silveira Camargo, psicóloga

Lei da Palmada

A lei 13.010, apelidada de ‘Lei da Palmada’, entrou em vigor em 26 de junho de 2014, alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) bem como o Código Civil Brasileiro (lei 10.406/02). Ela garante às crianças e adolescentes o direito de serem educados sem qualquer forma de castigo físico.

Imagem: Freepik/Arquivo Pessoal