Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2024

Pesquisadores da UFPR trabalham na identificação de soluções para pacientes que apresentam resistência à quimioterapia

2021-05-17 às 11:03

A quimioterapia, abordagem terapêutica que utiliza medicamentos para destruir as células doentes que formam um tumor, pode não ser um método eficiente para muitos pacientes com câncer que não respondem bem ao tratamento. Isso acontece porque alguns organismos desenvolvem resistência aos fármacos, condição chamada de fenômeno de resistência a múltiplas drogas (MDR) em câncer.

Comumente, essa resistência é associada a uma alteração molecular que aumenta a expulsão da droga na célula por uma classe de proteínas pertencentes à família dos transportadores ABC. Esse tipo de proteína atua transportando diversas substâncias por meio da membrana celular. Nas células saudáveis, os transportadores ABC conduzem sais biliares, colesterol, entre outras funções. Contudo, eles também têm papel importante na destoxificação de drogas nas células, isto é, limpando as toxinas do organismo.

Papel dos transportadores ABC na clínica. Imagem: Zanzarini & Pires

Essas proteínas são capazes de retirar as moléculas das drogas quimioterápicas do meio   intracelular, transportando-as para fora da célula. Assim, há constante expulsão dos fármacos, não sendo possível alcançar uma quantidade intracelular da droga que seja tóxica para as células cancerígenas. No MDR, os pacientes desenvolvem resistência não apenas ao medicamento que estão ingerindo, mas a vários tipos diferentes de medicamentos.

Diversas proteínas da família dos transportadores ABC são capazes de induzir essa resistência a múltiplas drogas nas células cancerígenas, como a glicoproteína-P (P-gp), MRP1 (multidrug resistance-associated protein 1) e ABCG2 (ou BCRP, breast cancer resistance protein). O desenvolvimento de inibidores desses transportadores, portanto, representa a principal estratégia para sensibilizar células cancerígenas ao tratamento quimioterápico. Nas últimas décadas, grandes esforços têm sido investidos na identificação de inibidores dos três principais transportadores ABC.

Segundo um dos coordenadores do Laboratory of Cancer Drug Resistance (LCDR) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Glaucio Valdameri, a literatura sugere que o principal transportador ABC responsável pela resistência é a glicoproteína-P, seguido do transportador ABCG2. “Até o momento, nenhum teste clínico foi realizado com inibidores do transportador ABCG2. Os testes clínicos utilizando inibidores específicos da glicoproteína-P, na maioria dos casos, apresentaram resultados insatisfatórios. O principal motivo da falha clínica está associado ao fato de que diferentes tipos de câncer aumentam significativamente ambos os transportadores: glicoproteína-P e ABCG2. Além disso, os dois tipos são capazes de transportar uma grande quantidade de quimioterápicos”, explica.

Por isso os pesquisadores acreditam ser urgente o desenvolvimento de inibidores específicos do transportador ABCG2 para testes clínicos. Esse é o objetivo de um projeto contemplado pela Chamada Pública “Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde”, da Fundação Araucária. O estudo, conduzido por Valdameri e pela professora Vivian Rotuno Moure, também coordenadora do LCDR, tem o objetivo de identificar novos inibidores do transportador ABCG2 e caracterizar o mecanismo bioquímico e molecular dos melhores inibidores.

Como funciona

As células neoplásicas (aquelas que tiveram seu código genético alterado a ponto de perder a função característica) resistentes ao tratamento quimioterápico normalmente apresentam um elevado nível de transportadores ABC na membrana plasmática. Esses transportadores ABC são capazes de promover o transporte de quimioterápicos em uma só direção: de dentro para fora das células. Esse processo reduz a concentração intracelular dos medicamentos, ocasionando a resistência a múltiplas drogas.

Vivian destaca que essas proteínas são capazes de transportar uma grande quantidade de quimioterápicos sem correlação estrutural e, por isso, a simples substituição de quimioterápicos não melhora a resposta do paciente. “Os inibidores funcionam ligando-se a uma região específica dos transportadores ABC e bloqueando a passagem do quimioterápico. Dessa forma, o quimioterápico se acumula dentro da célula e produz o efeito desejado, independentemente dos níveis de expressão dos transportadores ABC nas células neoplásicas”.

Para identificar novos inibidores desses transportadores, é necessário realizar um processo de síntese química e posterior avaliação da atividade biológica. Os pesquisadores utilizam um método chamado citometria de fluxo, que avalia ao mesmo tempo diferentes parâmetros de células ou partículas em suspenção, para analisar a capacidade de inibição de novas moléculas, testadas em linhagens celulares transfectadas, isto é, modificadas geneticamente para expressar níveis elevados da proteína de interesse, no caso, o transportador ABCG2.

Identificação e caracterização de inibidores dos transportadores ABC. Imagem: Zanzarini & Pires

“Essas células transfectadas são expostas a quimioterápicos fluorescentes para conseguirmos avaliar o acúmulo intracelular do medicamento utilizando a técnica de citometria de fluxo, que é o padrão ouro para esse tipo de análise. O tratamento associado de um inibidor ao quimioterápico nessas células resulta em um maior acúmulo intracelular do quimioterápico quando comparado com as células expostas apenas a esse último”, informa Valdameri.

Esse é o primeiro teste biológico realizado para identificar novos possíveis inibidores. Em seguida, uma série de ensaios biológicos são realizados para avaliar o mecanismo. A identificação da razão terapêutica destaca-se entre os principais ensaios. O processo considera duas variáveis: a potência de inibição e a citotoxicidade dos inibidores. “É desejado sempre um inibidor com alta afinidade pelo transportador, que resulta em uma alta potência de inibição e em uma baixa citotoxicidade ou mesmo a ausência completa de efeitos citotóxicos”, comenta Vivian.

Depois da caracterização do mecanismo de inibição por meio de abordagens in vitro (em células) e in sílico (computacionais), os pesquisadores seguem para a validação em modelos animais.

É urgente

Apesar de o transportador ABCG2 ter sido descoberto em 1998, até o momento, nenhum inibidor dessa proteína chegou a ser testado na fase clínica e por isso o estudo nessa área é tão urgente. Outro dos principais transportadores ABC responsáveis pela resistência ao tratamento quimioterápico, a glicoproteína-P (Pg-P), foi descoberto em 1976 e seus inibidores chegaram na fase clínica em 2001. No entanto, os testes clínicos usando inibidores da P-gp, em sua maioria, não apresentaram os efeitos desejados.

“A hipótese mais aceita para justificar esse resultado é que a grande maioria dos tumores apresenta elevados níveis de expressão tanto da Pg-P quanto de ABCG2. Assim, o bloqueio de apenas um transportador é insuficiente para reverter a resistência aos fármacos, revela Valdameri. Segundo ele, o uso de inibidores dos transportadores ABC associados ao tratamento quimioterápico convencional possivelmente resultará em um tratamento mais efetivo para o paciente com câncer, além de impactar significativamente no custo do tratamento farmacológico global. Por isso a identificação de novos inibidores do transportador ABCG2 compatíveis com futuros testes clínicos é o grande objetivo das pesquisas do grupo.

Em 2011, os pesquisadores já descreveram e depositaram patente sobre um potente inibidor do transportador ABCG2 pertencente à classe das cromonas, grupo de substâncias naturais de compostos heterocíclicos oxigenados que podem ser de origem natural e sintética. O artigo foi publicado no Journal of Medicinal Chemistry. Recentemente, no início de 2021, Diogo Henrique Kita, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas e integrante do LCDR, publicou na Scientific Reports resultados referentes ao trabalho com outra classe promissora de inibidores, os indeno-indoles. Os pesquisadores contam, ainda, com colabores internacionais, principalmente, dos Estados Unidos, da França, da Itália e da Alemanha.

da UFPR