O produtor rural sempre teve o compromisso de colocar alimento seguro na mesa da população. Além do processo de produção, que passa por etapas de controle e implementação de boas práticas, existem a vigilância e inspeção fora da porteira. Licenças sanitárias e alvarás de funcionamento, emitidos pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), vinculada ao Ministério da Saúde, são indispensáveis a qualquer estabelecimento com atividades no ramo de alimentos. No entanto, a comercialização de produtos de origem animal precisa atender a mais um conjunto de regras e exigências.
“Seguir as regras necessárias para atender aos requisitos sanitários é para todos, tanto para o mercado artesanal quanto para o industrial. Ter e manter a qualidade requer cuidados, para garantia da saúde do consumidor”, explica Luciana Matsuguma, técnica do Departamento Técnico (Detec) do Sistema FAEP/SENAR-PR. “O sabor, aroma e textura são as experiências que os produtos alimentícios podem proporcionar. Isso depende da qualidade da matéria-prima produzida no campo, do seu processo produtivo, até a mesa do consumidor. O registro sanitário é uma segurança, uma forma legal de comunicar que estamos produzindo da melhor forma. Por ser um importante produtor de proteína animal, o Paraná tem a tradição neste ramo de alimentos, que muitas vezes ganham mercado fora do Estado e até mesmo fora do país. Por conta disso, é preciso estar de acordo com a legislação”, pontua.
Para garantir produtos de origem animal que estejam aptos ao consumo, o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), vinculado ao Ministério de Agricultura e Pecuária (Mapa), realiza ações de inspeção com respaldo na legislação. O Dipoa conta com o Serviço de Inspeção Federal (SIF), que, há mais de 100 anos, assegura a qualidade de produtos nacionais de origem animal comestíveis e não comestíveis destinados aos mercados interno e externo. Até receber o carimbo do SIF, o produto passa por diversas etapas de fiscalização e inspeção, assim como as agroindústrias e os estabelecimentos que produzem e processam.
Os selos dos serviços de inspeção oferecem oportunidades de ampliação de mercado e reconhecimento pelo cliente, no entanto, é necessário entendimento das normas para realização das implementações para obter o registro. “As vantagens só serão usufruídas se vierem em paralelo com a responsabilidade de conhecer a legislação, adaptar os processos e entender o que isso implica em custos”, afirma Andréia Claudino, consultora da Bioqualitas-PR.
Diante do emaranhado de siglas e regras, a revista Boletim Informativo desembaraça o que é cada serviço, suas exigências e os benefícios, principalmente sanitários e financeiros, em obtê-los. Apesar de, no primeiro momento, parecer complicado entender os processos e os seus desdobramentos para fora da porteira, é fundamental para estar em dia com a legislação e para ampliar as vendas.
Segurança alimentar
A inspeção de produtos de origem animal no país não é exclusividade do Mapa. Os Estados e municípios também possuem legislações específicas e serviços próprios de inspeção, caso do Serviço de Inspeção Municipal (SIM) e do Serviço de Inspeção do Paraná para Produtos de Origem Animal (SIP/POA). Desta forma, o Dipoa promove a integração entre os serviços.
“Cada instância tem as suas particularidades. O que não podemos fazer é fugir da legislação federal. O registro estadual é de responsabilidade da Adapar [Agência de Defesa Agropecuária do Paraná], que fiscaliza e emite a chancela para o estabelecimento e os produtos comercializados dentro do Estado”, explica Elza de Morais, médica veterinária da Gerência de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Gipoa) da Adapar.
Ainda no âmbito da Adapar, outra possibilidade é o Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi/POA), parte do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa), que padroniza os procedimentos de inspeção, conferindo equivalência entre os serviços estadual e federal. Com o Sisbi/POA, o estabelecimento pode fazer a comercialização dos seus produtos em todo o território nacional.
Mas, diferentemente do que acontece no SIF e no SIP/POA, cuja solicitação de registro deve partir do próprio empreendedor, o Estado, município ou consórcio municipal em questão deve solicitar a adesão ao Sisbi/POA. Para obtê-la, é necessário comprovar que possui condições de avaliar a qualidade e garantir a segurança dos produtos de origem animal com a mesma eficiência do Mapa. No caso do Paraná, onde já existe a adesão do Estado ao Sisbi/POA, os estabelecimentos precisam possuir registro do SIM ou do SIP/POA para conquistar a nova chancela.
“Os estabelecimentos devem ter programas de autocontrole implantados, apresentar documentos, projetos e passar por vistorias. Os produtos comercializados também precisam estar registrados na Adapar, antes mesmo de começar a produção, com regulamentos técnicos de identidade e qualidade. A fiscalização é periódica, determinada pela análise de risco”, esclarece Elza.
Antes de uma construção ou alteração na infraestrutura da agroindústria, é preciso aprovar o projeto na Adapar. Após a vistoria e a liberação, o estabelecimento deve apresentar os programas de autocontrole, que, ao serem aprovados, têm o prazo de seis meses para serem implantados. Posteriormente é dado o registro definitivo do SIP/POA. Se houver interesse em aderir ao Sisbi/POA, o processo é feito de forma conjunta.
“O Sisbi chegou para desburocratizar o processo para empresas que desejam comercializar seus produtos para o Brasil. É um serviço de equivalência ao âmbito estadual, portanto os critérios são basicamente os mesmos”, elenca Luana de Assis, consultora da Bioqualitas-PR.
Oportunidade
Em outra esfera de equivalência, existe o Sistema Unificado Estadual de Sanidade Agroindustrial Familiar, Artesanal e de Pequeno Porte (Susaf), que unifica os procedimentos de registro, inspeção e fiscalização das agroindústrias de pequeno porte de origem animal, abrindo oportunidades para a comercialização em todo o Paraná.
“O Susaf é uma possibilidade para o pequeno produtor do SIM conseguir vender no Estado. Para isso, o município precisa estar cadastrado no Susaf, que será chancelado ao estabelecimento pela Secretaria Municipal de Agricultura”, explica Luana.
O SIM é destinado à comercialização de produtos de origem animal apenas dentro do município em que foi concedido. No entanto, é preciso que a Secretaria de Agricultura tenha o serviço de inspeção implantado. O selo do SIM beneficia diretamente o produtor rural, que poderá vender seus produtos legalmente para comércios locais.
Uma saída para as prefeituras que desejam expandir a comercialização utilizando apenas o SIM é o consórcio público municipal, que firma parcerias entre os municípios de uma determinada região, com o objetivo de criar oportunidades para ampliação de mercado dos produtos locais.
Desta forma, os produtos com SIM podem alcançar o comércio regional, quando esse serviço estiver vinculado ao consórcio público. Esse comércio é autorizado nos territórios dos municípios consorciados, após cumpridos os requisitos legais adicionais estabelecidos. O Consórcio Intermunicipal para Desenvolvimento Rural e Urbano Sustentável da Região Central do Estado do Paraná (CID Centro), por exemplo, promove a harmonização dos serviços de inspeção de 19 municípios participantes.
Segundo Emanuella Aparecida Pierozan, médica veterinária da Prefeitura de Turvo e diretora-coordenadora dos serviços de inspeção do CID Centro, a equipe técnica do consórcio é formada por profissionais das prefeituras dos municípios integrantes. Ainda, os municípios passam por avaliação e auditoria.
“O município precisa atender a uma série de critérios, além de passar por aprovação em assembleia. Os estabelecimentos que desejarem comercializar na região precisam estar devidamente regularizados no serviço de inspeção do seu município e, a partir disso, fazer as adequações exigidas pelo consórcio”, esclarece Emanuella. “O município detém a responsabilidade do serviço de inspeção, mas temos um controle à parte para aqueles que queiram ampliar essa comercialização no consórcio. É uma hierarquia: o estabelecimento solicita ao SIM, que solicita ao consórcio”, complementa.
No entanto, os consórcios funcionam como um pré-requisito para a adesão ao Sisbi/POA. Conforme o Decreto 10.032/2019, regulamentado pela Instrução Normativa (IN) 29 do Mapa, o consórcio de municípios tem o prazo de três anos para aderir ao Sisbi/POA.
No final de 2021, o Consórcio CID Centro obteve o título de adesão ao Sisbi/POA. Com o reconhecimento, os produtos registrados pelo SIM vinculado a esse consórcio podem ser comercializados no Brasil, atestando a mesma qualidade de inspeção do SIF. Porém, da mesma forma que o processo anterior, o estabelecimento consorciado precisa formalizar sua adesão ao Sisbi/POA, se assim o desejar, cumprindo os requisitos necessários. “Desde a criação do consórcio, abriram-se as possibilidades de comercialização, garantindo mais renda aos produtores”, destaca Osny Pelegrinelli, médico veterinário da Prefeitura de Manoel Ribas, município consorciado ao CID Centro.
Na avaliação das especialistas, a harmonização do entendimento técnico entre os diferentes âmbitos de sistemas de inspeção tem se expandido na última década, o que auxilia na desburocratização da regularização para empreendimentos de pequeno porte. “Os consórcios possibilitam essa mobilidade técnica para ampliar a comercialização, principalmente em municípios menores”, aponta Roberta Züge, consultora na área de certificação de produtos agropecuários.
“O município sem um sistema de fiscalização deixa de tributar aquele produto. É uma economia que gira e que também gera recursos para o município. As empresas têm mais capacidade para crescer e oportunidade de vender para outros locais. Em resumo, a inspeção vai dar visibilidade”, reforça.
Registro garante uso exclusivo da marca
No âmbito do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), existem registros que conferem a garantia de direitos de propriedade intelectual para a indústria. Um registro de marca individual ou coletiva, por exemplo, concede o direito de uso exclusivo no território nacional, dentro e fora da internet, protegendo a marca de possíveis fraudes. Ainda, confere segurança jurídica no caso de algum concorrente tentar copiar ou confundir os consumidores com nomes ou logotipos similares.
Segundo Andréia Claudino, consultora da Bioqualitas-PR, uma marca registrada demonstra profissionalismo, cria credibilidade no consumidor e constrói consolidação no mercado. “O produtor que tem viés de beneficiamento e processamento de alimentos e deseja encarar o mercado de maneira mais direta e sem informalidade deve registrar sua marca”, aconselha.
Em 2021, a Associação dos Produtores de Queijo Artesanal do Sudoeste do Paraná (Aprosud) protocolou junto ao INPI a solicitação da marca coletiva “Queijo do Sudoeste” para os derivados de lácteos artesanais produzidos na região. A iniciativa visa projetar os produtos da região, protegendo a origem, a cultura, a história e a tradição dos municípios produtores. Para fazer uso da marca coletiva é necessário ser associado à Aprosud e seguir as especificações quanto à forma de produção e à qualidade.
“A marca coletiva ajuda o posicionamento do produto no mercado. Os produtores continuam vendendo em suas queijarias, mas como grupo vão se posicionar, demonstrando organização e conceito de territorialidade. É um produto que tem contexto e história”, destaca Andréia.
Qualquer produtor pode requerer o registro de uma marca individual ou coletiva, desde que esteja em conformidade com as questões legais e burocráticas daquela produção.