Domingo, 05 de Maio de 2024

D’P Agro: Defensivos Agrícolas – Benefício ou prejuízo?

2023-05-20 às 12:42
Foto: Reprodução

Projeto de Lei elaborado pelo mandato coletivo do PSOL quer proibir a aplicação de defensivos agrícolas nas proximidades de núcleos residenciais, escolas municipais, centros municipais de educação infantil e unidades básicas de saúde. Lideranças rurais argumentam que a distância já é respeitada e que o Projeto pode levar a uma perda significativa da área de plantio, prejudicando principalmente os pequenos produtores

Por Michelle de Geus

Produzir alimentos é uma grande responsabilidade. Uma série de regras devem ser seguidas para garantir que grãos, frutas, legumes e vegetais cheguem com qualidade à mesa dos consumidores e não prejudiquem a saúde da população. Tendo isso em vista, tramita na Câmara Municipal de Ponta Grossa (CMPG) o Projeto de Lei (PL) 186/2001, que proíbe a aplicação de defensivos agrícolas nas proximidades de núcleos residenciais, escolas municipais, Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) e Unidades Básicas de Saúde (UBS). O texto original, conforme Guilherme Mazer, co vereador do Mandato Coletivo do PSOL e um dos autores do PL, previa uma distância de 300 metros – ou 50 metros no caso de haver barreira vegetal. A distância foi reduzida para 50 metros, mesmo se não houver barreira vegetal, após passar pelas comissões internas da Casa de Leis. O Projeto tem sido alvo de intenso debate entre produtores rurais, que questionam a validade técnica da proposta e afirmam, inclusive, que ela pode ser prejudicial para o agronegócio – principalmente para os pequenos produtores.

Para Mazer, que também atua como engenheiro agrônomo e é mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, o objetivo principal do PL é proteger a saúde da população, minimizando o risco de contaminações crônicas e agudas devido ao contato com defensivos. “Muitos moradores dos bairros periféricos de Ponta Grossa sofrem com a aplicação de defensivos em lavouras próximas à sua casa, escolas e unidades de saúde”, afirma, acrescentando que o contato, consumo ou inalação de defensivos trazem riscos à saúde e que pesquisas apontam uma relação entre esses produtos e diversas doenças.

Aplicação racional

Segundo o produtor rural e presidente do Sindicato Rural de Ponta Grossa, Gustavo Ribas Netto, os defensivos agrícolas já são aplicados de forma racional e segura, “conforme os receituários agronômicos, dentro dos volumes indicados e das culturas permitidas para aquele produto.” “Não é algo que seja realizado de forma indiscriminada, da forma como um ou outro produtor quiser, mas, sim, através de um técnico habilitado para isso”, argumenta, apontando que a estrutura de pulverização das lavouras é pensada para evitar o desperdício de produtos e para que sejam aplicados somente nos locais necessários. “As máquinas precisam ser muito bem calibradas, porque o produto tem de atingir o seu alvo. Esses são fatores que devem ser levados em consideração no debate”, observa.

Segundo Ribas Netto, produtores rurais da cidade e região enxergam o Projeto com preocupação. Para eles, o PL pode prejudicar, principalmente, as pequenas propriedades rurais e comprometer a qualidade alimentar da população. “Seria mais útil se os vereadores atuassem para ampliar a geração de emprego e de renda através do agronegócio”, comenta, defendendo que existem formas mais eficientes de evitar a deriva de defensivos agrícolas sem a necessidade de reduzir a área de plantio. “Os vereadores deveriam estar mais preocupados em como poderíamos melhorar a qualidade do maquinário e em como viabilizar que o produtor tenha uma máquina mais assertiva. Quando os pequenos produtores tiverem condições de adquirir um maquinário adequado, conseguiremos reduzir muito eventuais problemas”, explica.

Consequências negativas

Ribas Netto observa ainda que, em sua opinião, a regulamentação do uso de defensivos está sendo realizada de modo superficial e sem levar em consideração outros pontos de vista. Conforme ele, existe uma série de problemas que surgem ao se deixar o entorno de uma lavoura sem utilização. “Surge o problema do crescimento de plantas sem qualquer serventia, além do aparecimento de insetos, cobras, ratos, aranhas e outros animais peçonhentos. É uma área que acaba se tornando depósito de lixo. Nós já vemos um problema sério a respeito disso nas cidades, inclusive podendo criar eventuais problemas de violência”, alerta.

PL desconsidera inovações tecnológicas

Na visão do advogado Halison Sebastião Carvalho, especialista em agronegócio, o PL não leva em conta questões técnicas atuais sobre o uso de defensivos agrícolas, que permitem uma aplicação muito mais cuidadosa desses produtos. “É inegável que o agro evoluiu muito nas últimas décadas. A tecnologia hoje é outra e os equipamentos são de ponta”, afirma, citando como exemplo as pulverizações terrestres localizadas e a aplicação de precisão. “Um conjunto de sensores a laser é acoplado ao pulverizador para identificar a presença de ervas daninhas. Dessa forma, a aplicação só acontece quando são encontrados infestantes que podem danificar a produção”, detalha.

Ausência de debate

Segundo o advogado, poucos produtores rurais da região sabem que a iniciativa tramita no Legislativo e ele mesmo foi responsável por repassar essa informação aos seus clientes. “A Câmara Municipal não se preocupou em levar o assunto às pessoas que serão prejudicadas com a aprovação de uma medida sem qualquer tipo de estudo técnico e baseada em viés ideológico”, comenta, ressaltando que o PL poderia ter sido aprovado se alguns produtores rurais não tivessem buscado a Câmara para suspender a tramitação. “Como uma lei é votada tirando o direito de propriedade dos produtores rurais sem ouvir o setor?”, questiona, acrescentando, que, ao consultar o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), a CMPG teve como resposta que a proposta não merece prosperar e que esse laudo está anexado ao Projeto.

Condomínio de chácaras

O advogado alerta ainda para um assincronismo da legislação ponta-grossense e usa como exemplo um PL elaborado pelo Executivo Municipal, que propõe a implantação e regulamentação de lotes de condomínios de chácaras (veja matéria nesta edição), permitindo a utilização de zonas rurais para fins urbanos. “Como ficariam essas distâncias estipuladas para a aplicação de defensivos agrícolas com a implantação desses condomínios urbanos dentro da área rural?”, argumenta.

PL não proíbe o cultivo

Um dos autores do PL, o co-vereador do PSOL Guilherme Mazer sustenta que o Projeto não proíbe o cultivo na faixa de 50 metros, mas apenas o uso de defensivos. “O proprietário pode simplesmente deixar esse espaço sem lavoura ou plantar qualquer coisa, inclusive com finalidade comercial, mas sem a aplicação de defensivos, para não prejudicar a saúde da população”, expõe. Mazer diz não haver motivo para grandes polêmicas e que a proposta pode ser vista com tranquilidade pelos produtores rurais. “Os fazendeiros um pouco mais conscientes já respeitam uma distância de 50 metros ou mais da zona urbana. Isso eu mesmo constatei através de imagens de satélite e indo aos locais”, afirma. “Nós pensamos que é pouco, mas, diante do cenário atual, em que a aplicação de defensivos ocorre perto da janela de residências e na cerca de escolas, já é um avanço.”

Discussão antiga

Mazer observa ainda que o debate sobre a regulamentação do uso de defensivos no município é antiga e que o Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) já havia identificado o problema “há anos” e alertado sobre a necessidade de enfrentar a questão. “Tendo em vista que o Legislativo Municipal pode legislar sobre o uso e o armazenamento dos defensivos, não poderíamos nos furtar de tomar essa iniciativa”, aponta, citando que há diversas iniciativas semelhantes em outros municípios, bem como um programa chamado Cortina Verde, do Ministério Público do Paraná (MP-PR).

Tramitação

Após ser avaliado e passar por ajustes nas comissões internas da CMPG, o PL foi aprovado por unanimidade em primeira discussão. “Houve um pequeno barulho na Câmara antes da segunda votação, o que foi suficiente para amedrontar alguns vereadores”, comenta Mazer. Por conta disso, o PL foi retirado para vistas pelo vereador Daniel Milla, então presidente da Câmara, que prometeu aperfeiçoar a proposta. “O período regimental das vistas já venceu e o texto já deveria ter voltado para votação”, comenta Mazer, que acredita que o PL deve ser colocado novamente na pauta em breve e que a maioria dos vereadores votará favoravelmente.

Se o Projeto for aprovado, os produtores rurais que não cumprirem as determinações receberão advertência por escrito para cessarem o uso e a aplicação de defensivos e uma multa de 40 valores de referência, o equivalente a cerca de R$ 6.038, aplicada em dobro no caso de reincidência. Os valores arrecadados, segundo Mazer, serão revertidos 50% para o Fundo Municipal do Meio Ambiente e 50% para o Fundo Municipal de Saúde.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #294 Março/Abril de 2023