Domingo, 05 de Maio de 2024

D’P Agro: Garantia de boa água

2023-06-18 às 16:51

O público leigo talvez não saiba, mas técnicas sustentáveis utilizadas por produtores rurais e pecuaristas garantem a qualidade e o volume da água em centros urbanos como Ponta Grossa. Na região, alguns desses métodos já mostram resultados positivos

por Edilson Kernicki

Iniciativas adotadas por produtores rurais têm contribuído para garantir a qualidade da água consumida em suas propriedades e em centros urbanos como Ponta Grossa. A preocupação, no entanto, não se restringe às fazendas próximas de nascentes e mananciais que abastecem o município. Técnicas sustentáveis para evitar que a água seja contaminada por químicos e pesticidas, bem como a preservação de áreas verdes e da mata ciliar, também estão entre as principais contribuições do agronegócio para essa finalidade.

Entre os meios de garantir a qualidade da água consumida na região, está o confinamento de animais, prática que tem aumentado cada vez mais no Brasil. Nesse caso, o gado é criado em uma área restrita, ao longo de todo o ano. Separados por lotes, os animais recebem uma dieta balanceada e adequada ao período produtivo. Dessa forma, eles deixam de contribuir para a erosão do solo à beira dos rios ao caminhar livres no pasto em busca de alimento e água. Nesse confinamento em baias, os animais recebem água coletada de poços artesianos e não mais de nascentes de rios. Além disso, a coleta dos dejetos sólidos do gado confinado é toda reaproveitada na adubação orgânica do solo, o que pode reduzir a necessidade de aplicação de produtos químicos nas lavouras.

Já na agricultura, a adoção do plantio direto reduz a necessidade de aplicação de defensivos agrícolas (também conhecidos como “agrotóxicos”) e ainda ajuda a reter a umidade do solo, proporcionando mais rendimento em anos secos e evitando que mais água seja extraída das nascentes. Dentro dessa prática, grande parte do terreno fica coberta de palha e protegida da erosão, evitando a sedimentação das margens, que faz os rios perderem largura e profundidade e secarem. Essa forma de plantio também dispensa o replantio, que exigiria novo preparo do solo e consequente aumento no gasto de combustível, semente e adubos. A técnica ainda ajuda o produtor no aproveitamento das melhores épocas de plantio e no cultivo de uma maior área no mesmo espaço de tempo, principalmente quando a frequência e intensidade das chuvas diminuem.

Na pecuária, o confinamento do gado evita a erosão do solo à beira dos rios. Além disso, os animais recebem água coletada de poços artesianos e não de nascentes

Na prática

A pecuarista Jussara Salgado Bittencourt tem a sua propriedade, a Fazenda Potreiro Grande, situada em uma região de nascente do Rio Pitangui, que abastece Ponta Grossa. Uma das formas que a produtora rural emprega para contribuir com a purificação da água na região é o uso de poço artesiano. “A nossa leiteria, depois de 28 anos de funcionamento usando água de nascente, foi premiada com poço artesiano, poupando a nascente. Desde fevereiro deste ano, estamos confinando o gado e coletando 100% dos dejetos sólidos, para serem distribuídos pela lavoura novamente”, explica.

Toda a mudança feita na propriedade foi possível a partir de um financiamento junto ao Programa ABC+ (Programa para a Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária), do BNDES. A água coletada do poço artesiano mantém o rebanho no confinamento. “Uma vaca de leite consome mais de 100 litros de água ao dia, por cabeça. Depende da lactação, da prenhez e do escore corporal”, cita.

Ao lado do local onde o gado fica confinado, foram construídas as esterqueiras, que são tanques escavados e impermeabilizados com uma geomembrana para impedir que os dejetos depositados nela se infiltrem e contaminem o solo. Essa estrutura permite, através da fermentação do esterco, reduzir o poder poluidor deste, fazendo com que seja reaproveitado como fertilizante em lavouras, pastagens e pomares. Em cada tonelada de esterco bovino curtido, há o equivalente a 155 quilos de sulfato de amônia, 100 quilos de fosfato natural e 40 quilos de cloreto de potássio.

Já o produtor rural Edilson Gorte, proprietário da Fazenda Regina há 41 anos, lembra que a lei ambiental e o Código Florestal são bem incisivos na exigência de preservação de cobertura por vegetação nativa para preservar recursos hídricos nas propriedades rurais. “Como produtores rurais, já estamos, há muitos anos, praticando o plantio direto, que é uma forma de proteger a terra e evitar com que a chuva lave os terrenos, carreando não só a terra, mas também os minerais essenciais para uma boa produção, para dentro das nascentes, para dentro dos rios e riachos”, afirma.

O plantio direto, acrescenta Gorte, busca a água mantida no próprio solo, porque a técnica o conserva e mantém a sua umidade por mais tempo, garantindo a quantidade necessária de água para o desenvolvimento das plantas, sem depender da extração de água de nascentes e mananciais. “As minhas propriedades não fazem parte dos mananciais de abastecimento de Ponta Grossa, mas eu, como produtor rural, se estivesse nesses mananciais, agiria da mesma forma: seguindo à risca o Código Florestal, e, se possível, até mais, tornando a nossa área de plantio uma área tecnicamente produtiva. A base seria o plantio direto”, observa.

O agricultor destaca ainda que o plantio direto evita o assoreamento do leito dos rios e das nascentes e faz com que escorra somente água das terras produtivas. Em paralelo, contribui para impedir que os animais se aproximem das nascentes para tomarem água, evitando o pisoteamento e o revolvimento do solo, além do depósito de dejetos animais na água. “O princípio básico de todo produtor rural consciente começa pelo uso adequado do solo, dentro das técnicas, iniciando pelo plantio direto, seguindo o Código Florestal, quando falamos em preservação de APPs [Áreas de Preservação Permanente], e usando as técnicas certas de agronomia, aplicações de defensivos, procurando usar ao máximo o Manuseio Integrado de Pragas [MIP]”, afirma.

Prática utilizada pelo produtor rural Edilson Gorte, o plantio direto retém a umidade do solo e evita que mais água seja extraída das nascentes

Prós e contras

A advogada e consultora ambiental Caroline Schoenberger, mestre em Meio Ambiente Urbano e Industrial pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pela Universidade de Stuttgart (Alemanha), com foco na área de gestão de resíduos e poluentes, observa que a prática da agricultura conservacionista tem os seus prós e contras. Para ela, a prática, por um lado, reduz o uso de pesticidas e produtos químicos, adota preceitos como reduzir a supressão de vegetação e a mobilização do solo, permite a manutenção de resíduos na cultura na superfície do solo, e promove a diversificação de espécies em rotação. Por outro lado, a produção é menor. “Quando se utiliza essas técnicas mais conservacionistas, há o risco da diminuição da produção. Muitas vezes, pode-se gerar um problema por causa da questão da demanda, quando a produção não a supre”, menciona.

Apesar desse porém, Caroline vê como positivas as tecnologias que aumentem a produção, reduzam custos e não agridam o meio ambiente, como o uso de sistemas de irrigação precisos. “Mas não adianta usar um sistema altamente tecnológico e não ter uma mata ciliar para ajudar a preservar a quantidade de água de um rio, senão pode acontecer uma crise hídrica muito grande, e, quando você vai verificar a área toda da região, não tem nada de mata ciliar”, alerta.

Situada em uma região de nascente do rio Pitangui, a propriedade da pecuarista Jussara Bittencourt conta com poço artesiano, que poupa a nascente

Futuro do agro

Quem produz não pode ter o mesmo olhar de dez, 30, 40 anos atrás, diz a consultora. O tripé Meio Ambiente, Social e Governança (ESG, na sigla em inglês) exerce influência cada vez mais significativa em todas as áreas. O agro deve se voltar ao futuro e entender como se adequar às exigências do mercado e, simultaneamente, refletir sobre o seu impacto ambiental, como na qualidade da água; o seu impacto social (se todos trabalham dignamente e possuem contratos adequados); e na governança (se tudo dentro da propriedade atende à legislação). “O ESG está vindo forte através das grandes corporações, que o estão exigindo, e, consequentemente, vai exigir do produtor que ele obedeça a certas técnicas, busque a sustentabilidade, faça o que a legislação exige, sob pena de perder contratos. E o consumidor final, pela própria influência de mercado, vai começar a exigir dessa mesma forma”, conclui.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #295