Sexta-feira, 22 de Agosto de 2025

Artigo: ‘Narcotráfico é desculpa’, por Oliveiros Marques

2025-08-22 às 12:09

O governo Trump segue em sua ofensiva pós-neocolonialista. A movimentação de embarcações e aeronaves militares por mares fronteiriços com a América Latina, a partir do sul do Caribe, é mais uma das violências cometidas contra outras nações.

Assim como os norte-americanos utilizaram no Iraque a desculpa da possível existência de armas nucleares no regime de Sadam Hussein – o que não se confirmou -, agora recorrem ao argumento de enfrentar o narcotráfico para se posicionarem militarmente em nosso continente.

O curioso, no entanto, é que apesar desse argumento, o alvo seja a Venezuela, um país que vive sob bloqueio norte-americano e é adversário ideológico declarado. Por que o governo dos Estados Unidos não dirige seus ataques, por exemplo, ao Equador do seu aliado Noboa que, segundo dados recentes, apesar de não produzir cocaína, representa o corredor por onde passa 70% da produção mundial dessa droga, grande parte com destino ao próprio território norte-americano?

Porque, na verdade, não se trata – e nunca se tratou – de enfrentar o narcotráfico que abastece os EUA. Esse comércio, aliás, que só existe porque há consumo, algo que os governos norte-americanos, tão pródigos em dar pitaco na vida de outros países, se mostram absolutamente incompetentes em reprimir dentro de suas fronteiras.

O que está em jogo em toda a América Latina é o controle da exploração de terras e minerais raros existentes em abundância em nosso território. Importantes para a indústria de tecnologia, são o ouro e a prata da vez no processo de exploração colonialista. Recentemente fui alertado por um amigo boliviano, especialista em energia, para o fato de que em nosso continente estão algumas das maiores reservas mundiais de dois desses minerais: o lítio e o cobalto.

O lítio, também chamado de petróleo branco, ganha relevância neste momento de transição energética – e não apenas para a produção de carros elétricos, mas também para o armazenamento da energia gerada por sistemas solar e eólico e, claro, para a produção de baterias de íon-lítio, base de celulares, computadores, tablets e eletrodomésticos inteligentes.

O cobalto, por sua vez, aumenta a densidade energética e a estabilidade térmica das baterias, evitando superaquecimento e explosões. Portanto, é fundamental não só para os equipamentos de comunicação e mobilidade, mas também para a indústria de equipamentos médicos e para os setores aeroespacial e militar, sendo empregado em ligas metálicas super-resistentes de turbinas de aviões, motores de foguetes e até reatores nucleares.

E aqui reside o verdadeiro interesse de Trump na América Latina. Nossas grandes reservas desses minerais. Regiões do Chile, da Bolívia e da Argentina formam o chamado Triângulo do Lítio, com as maiores reservas mundiais. E, embora a República do Congo, no continente Africano, concentre boa parte das reservas mundiais de cobalto, o Brasil está entre as dez maiores, com reservas estimadas em 70 mil toneladas.

Em resumo, o lítio e o cobalto são para a industrialização tecnológica do século XXI o que o petróleo foi para o século XX: insumos estratégicos, capazes de decidir o futuro da economia mundial, do meio ambiente e da soberania dos países que os detêm. É exatamente atrás disso que o governo Trump está. O enfrentamento ao narcotráfico não passa de uma cortina de fumaça – com perdão do trocadilho.

Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político

*Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do Portal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos termos e problemas brasileiros e mundiais que refletem as diversas tendências do pensamento.